Faltava pouco para as oito horas da noite, no Vaticano, quando Robert Francis Prevost, agora papa Leão 14, apareceu na sacada central da Basílica de São Pedro, levando ao delírio a multidão reunida ali em frente.

Em um discurso emocionado, ao falar em diálogo, encontro e construção de pontes “para sermos um único povo, sempre em paz”, o novo líder da Santa Sé traçou as linhas de seu pontificado.

De perfil diplomático e tido como um reformista, aos 69 anos, Leão 14 indicou que está comprometido com as reformas iniciadas por Francisco. Defendeu a ideia de uma Igreja sinodal, aberta a todas as discussões e a todos, sem distinção. Uma Igreja que caminha e trabalha junto. Uma Igreja disposta a ir onde ela se fizer necessária.

“Um bispo não pode ser um pequeno príncipe sentado em seu reino”, disse o então cardeal Prevost, em 2024.

Nascido em Chicago, Leão 14 é o primeiro papa norte-americano, mas também o menos norte-americano dos papas. Sua trajetória religiosa está na América Latina, sobretudo no Peru, onde serviu como missionário durante anos.

E não deixa de ser curioso que o primeiro papa norte-americano já tenha lançado farpas contra o governo de Donald Trump, como também o fizera o argentino Francisco.

Em 3 de fevereiro passado, em um post no X (antigo Twitter), Prevost republicou uma reportagem do National Catholic Reporter sobre as declarações do vice-presidente JD Vance a respeito dos imigrantes. Disse o político: “Existe um conceito cristão de que você ama sua família, depois ama seu próximo, depois ama sua comunidade, depois ama seus concidadãos e, depois disso, prioriza o resto do mundo. Grande parte da extrema-esquerda inverteu completamente isso".

Em sua conta na rede social, Leão 14 rebateu: “JD Vance está errado: Jesus não nos pede para classificar nosso amor pelos outros”.

Não custa lembrar que, quando, em seu primeiro mandato, Trump anunciou a construção de um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México, Francisco foi categórico ao dizer que “quem só pensa em construir muros não é cristão”. Os cristãos constroem pontes.

A escolha do nome Leão 14 também está cercada de simbolismos e traz indícios dos rumos da Santa Sé a partir de agora. Nascido em 1878, o italiano Leão 13 é tido como um dos papas mais inovadores, responsável por fazer a ponte entre a Igreja e o mundo moderno.

Foi sua a encíclica Rerum Novarum (“Das coisas novas”), publicada em 15 de maio de 1891, na qual foram lançadas as bases da Doutrina Social da Igreja, o conjunto de ensinamentos sobre os princípios, critérios e diretrizes para a organização política e social dos povos e nações. Rejeitando tanto a ideologia do capitalismo quanto a do socialismo, Leão 13 defendeu relações de trabalho justas e salários dignos para a construção de uma sociedade equânime.

A trajetória de Prevost

Mas Leão 14 não se alinha em tudo com Francisco. Além de menos efusivo do que seu antecessor, em 2012, ele lamentou que o “estilo de vida homossexual” e as “famílias alternativas compostas por parceiros do mesmo sexo e filhos adotivos”  estariam “em desacordo com o evangelho”.

Ao ser eleito papa, Prevost ocupava o cargo de presidente da Comissão Pontifícia para a América Latina e de prefeito do Dicastério para os Bispos, órgão responsável pela nomeação de bispos.

O Sumo Pontífice entrou para a vida religiosa aos 22 anos. Formou-se em teologia na União Teológica Católica de Chicago e, aos 27, foi enviado a Roma para estudar direito canônico na Universidade de São Tomás de Aquino. Em 1984, dois anos depois de ordenado padre, Leão 14 foi enviado para missão no Peru. Durante o governo de Alberto Fujimori, entre 1990 e 2000, Prevost chegou a cobrar desculpas do então presidente pelas injustiças cometidas por suas forças de repressão.

Em 2014, foi nomeado por Francisco administrador da Diocese de Chicago, cargo em que foi ordenado bispo e permaneceu por nove anos. Nesse período, enfrentou a principal crise de sua trajetória: em 2023, três mulheres o acusaram de acobertar casos de abuso sexual cometidos por dois padres no Peru, quando elas ainda eram crianças.

Há três anos, ao receber as denúncias formalmente, encaminhou o caso ao Vaticano. Um dos padres foi afastado preventivamente e o outro já não exercia mais funções por questões de saúde.

Prevost recebeu de Francisco o título de cardeal em 2023. Menos de dois anos depois, no segundo dia de conclave, no quarto escrutínio, às 18 horas e 7 minutos, a fumaça branca começou a sair da chaminé instalada no telhado da Capela Sistina. E o badalar dos sinos da Basílica de São Pedro confirmou: "Habemus Papam".

Cerca de 70 minutos depois, o norte-americano surgiu na sacada e foi apresentado ao mundo como Leão 14.