Até o cientistas estão alarmados. A crise climática explodiu antes do previsto. Os eventos extremos estão mais frequentes e agressivos. O aquecimento global deixou de ser uma hipótese formulada por projeções matemáticas. O caos se dissemina. Secas intensificam os incêndios; tempestades e furacões colocam cidades inteiras sob a água; ondas de calor “derretem” a Antártida e o Ártico e o nível do mar sobe... mais e mais severos, é um recorde atrás de outro. A temperatura do planeta nunca foi tão alta.
Os prejuízos humanos e financeiros são enormes. Nos últimos 20 anos, o clima em desequilíbrio custou à economia global US$ 2,8 trilhões, em danos à infraestrutura, à agricultura e à saúde humana, entre outros, informam analistas do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). Entre 2000 e 2019, quase 61 mil pessoas morreram, no mundo, de causas associadas às mudanças climáticas.
Com o recrudescimento da crise, as perdas, naturalmente, aumentam. Mantido o ritmo de degradação atual, até 2050, o rombo pode variar de US$ 1,7 trilhão a US$ 3,1 trilhões anuais.
No artigo The economic commitment of climate change, publicado recentemente na revista científica Nature, pesquisadores alemães preveem uma retração de até 19% na economia global, ao longo dos próximos 26 anos. “Nesse período de curto prazo, os danos já superam em seis vezes os custos de mitigação necessários para limitar o aquecimento global a 2 °C”, escrevem.
Já está mais do que estabelecido que os recursos usados no controle e prevenção de qualquer problema são sempre menores do que os gastos com o tratamento do mesmo problema. Por que com o aquecimento global seria diferente?
A descarbonização já cumpriria seu papel se zerasse as despesas relacionadas à crise ambiental. Mas, ela vai além e oferece uma espécie de cashback para a humanidade.
“Fazer a transição para uma economia de baixo carbono até 2050 poderia resultar em um PIB global 7% maior do que sob as políticas atuais”, lê-se em relatório do FMI, divulgado no início do ano.
Nas estatísticas da Organização Mundial do Trabalho, a migração para um sistema verde pode abrir 103 milhões novos empregos — o suficiente para compensar os 78 milhões de postos previstos desaparecer.
“Desses trabalhadores cujos empregos serão eliminados devido à contração em indústrias específicas, a maioria será capaz de encontrar a mesma ocupação em outras indústrias", informa o documento Just Transition Policy Brief.
Mas ainda dá tempo?
"PIB maior" e "PIB melhor"
"É possível, sim, recuperar os danos econômicos e ainda produzir mais riqueza e distribuição de renda a partir de ações voltadas para a descarbonização e adaptação às mudanças climáticas", diz o economista Carlos Eduardo Frickmann Young, professor do Instituto de Economia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista ao NeoFeed.
Com os também economistas Marcio Alvarenga Junior e Lucas de Almeida Nogueira da Costa, Young assina o Green New Deal — Brasil (GND-BR), um plano composto por cinco eixos temáticos, com um total de 30 ações, a ser implementado até 2030.
Baseada na certeza de que não há dicotomia entre crescimento econômico e respeito ambiental, essa espécie de “cartilha da salvação” tem o potencial de impulsionar um novo ciclo de crescimento no país — mais produtivo, sustentável e igualitário.
O conceito de “green new deal” surgiu no mainstream em 2007, em artigo do jornalista e escritor Thomas Friedman, no jornal The New York Times. A estratégia é inspirada no New Deal, o programa americano dos anos 1930, para a recuperação econômica do país depois da Grande Depressão.
O GND , no entanto, traz uma diferença crucial em comparação ao plano do presidente Franklin Delano Roosevelt: “O Green New Deal busca não apenas recuperar o crescimento econômico (“PIB maior”), mas refundar as bases sobre as quais esse crescimento se ergue (“PIB melhor”)”, escreve o trio, na apresentação do GND-BR.
Hoje, a abordagem é defendida por acadêmicos, ativistas e representantes da sociedade civil em vários países. Além dos Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia, Austrália e Coréia do Sul, por exemplo. Inclusive a ONU criou, em 2009, o GND global.
Entre as medidas práticas propostas pelo GND-BR, no setor de infraestrutura, estão, por exemplo, a eletrificação de 50% da frota de ônibus públicos, a construção de 218 mil postos de recarga para atender uma frota de 10% de carros elétricos, o incentivo à produção e circulação de caminhões movidos à energia limpa e a expansão da rede de transporte de massa sobre trilhos.
No eixo “uso do solo e de florestas”, entre as metas, está a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas com o apoio à agropecuária de baixo carbono. "Até agora, agimos pensando no curtíssimo prazo e isso só tem aumentado a concentração de renda, a vulnerabilidade social e o agravamento da crise climática", avalia Young.
Embora não compactue de visões catastróficas como as que preveem o fim da espécie humana, o economista é categórico: se quisermos um futuro razoável para as gerações futuras, precisamos, agir coletivamente e rapidamente para mudar a conduta.
Se executado à risca, sob o GND-BR, a economia brasileira deixaria de emitir CO² para passar a capturar o gás da atmosfera. Criaria cerca de 700 mil mais empregos do que o modelo atual, com aumento do salário médio anual dos atuais R$ 22,178 mil para R$ 26,578 mil. E os R$ 509,1 bilhões necessários para implementar o programa, no modelo verde, teria o potencial de gerar R$ 1,28 trilhão.
“A viabilidade do GND-BR depende de fontes de financiamento para a transição proposta que respeitem a capacidade fiscal do sistema público brasileiro, mas que também reflitam o compromisso com um modelo crescimento justo, igualitário e sustentável”, explicam os economistas, no documento. “Por isso, além da tributação induzida pela expansão econômica, são propostos impostos sobre renda e riqueza, cobrança sobre externalidades ambientais, redirecionamento de subsídios fiscais e recursos de fundos de desenvolvimento regionais.”
Finalizado em 2022, o documento já está com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao vice, Geraldo Alckmin.
Sustentável e inclusivo
Não importa o país, qualquer programa de descarbonização só será eficaz se incluir a redução da pobreza e da desigualdade.
“A transição para uma economia verde deve ser inclusiva para ser sustentável”, diz Saadia Zahidi, diretora geral do WEF, em comunicado de julho. “Apoiar a transição de trabalhadores e abordar lacunas no financiamento e acesso à tecnologia é crucial para atingir metas ambientais e socioeconômicas.”
A necessidade média anual de financiamento climático em 2030 será de US$ 9 trilhões, de acordo com a Climate Policy Initiative, enquanto hoje é de US$ 1,3 trilhão. “A distribuição desigual de fluxos financeiros entre indústrias e negócios pode desacelerar a transição para alguns”, informa um trabalho realizado pelo WEF, em colaboração com a consultoria Boston Consulting Group.
Os desafios bem como os gastos com a descarbonização são altos. A conta da inação, porém, é ainda maior. É como diz a escritora americana Rebecca Solnit, no artigo Precisamos de novas histórias sobre o clima, publicado no início de setembro, na revista Quatro cinco um.
"Precisamos superar, logo e em definitivo, a era dos combustíveis fósseis. Mas só conseguiremos mudar o combustível de nossas máquinas quando mudarmos a condução das nossas ideias".