Quando assumiu a presidência do Conselho de Administração da BRF, em abril de 2018, o executivo Pedro Parente, encontrou uma empresa devastada.
A dívida líquida atingia R$ 15,6 bilhões e representava 5,69 vezes o Ebitda ajustado do segundo trimestre de 2018. Os preços da soja e do milho tinham disparado 18% e 29%, respectivamente.
Não bastasse isso, a companhia sofria o impacto de duas operações policiais (a Carne Fraca e a Trapaça), que afetavam a credibilidade da BRF.
Os mercados internacionais, por conta da operação Trapaça, foram fechados. A empresa viu suas exportações para a Europa caírem de R$ 3,5 bilhões, em 2017, para R$ 1,2 bilhão, em 2018.
A greve dos caminhoneiros, em maio de 2018, fez ainda com que os estoques da BRF ficassem quatro vezes maiores do que o nível considerado ideal. E os conselheiros viviam em pé de guerra.
Parente, que já havia enfrentado a crise do apagão durante o governo Fernando Henrique Cardoso, em 2001, e foi presidente da Petrobras de maio de 2016 a junho de 2018, sabia que a tarefa de recuperação da BRF não seria fácil.
Parente disse que poderá antecipar a proposta de redução da dívida da companhia para o patamar de 3,65 vezes o Ebitda
Mas o que ele não contava era que a China poderia dar um empurrão para acelerar o resgate da dona das marcas Sadia e Perdigão. Nesta terça-feira, 30 de julho, Parente fez uma reflexão sobre sua gestão à frente da BRF, durante o Agrotools Future 2019, seminário promovido pela Agrotools, em São Paulo.
Efeito China
Atribuir os primeiros sinais de recuperação da BRF à peste suína na China parece que não houve planejamento e que a melhora foi apenas um evento de sorte.
Por trás da sorte, houve muito trabalho. Desde que chegou à empresa, Parente iniciou um plano resgatar a companhia.
O primeiro item era retomar a unidade de food service que havia sido descontinuada. Depois, Parente queria consolidar e ampliar a liderança na Oriente Médio, com a comida halal, onde a BRF tinha uma participação de mercado de quase 40%. O plano de Parente previa ainda que a alavancagem financeira cairia para 3,65 vezes em 2019.
De forma genérica, o road map estabelece que a queda de margem será revertida em 2019. No próximo ano, o plano é retomar as margens históricas para só a partir de 2021 conseguir um desempenho acima do nível histórico.
Em 2017, a margem Ebitda ajustada era de 8,9%. No segundo trimestre de 2018, quando Parente assumiu a BRF, era de 5%. Agora, está em 10,2%.
A alavancagem é ainda um desafio. Mas Parente, deixando claro que não se tratava de um guidance para o mercado, disse que poderá antecipar a proposta de redução da dívida da companhia para o patamar de 3,65 vezes o Ebitda.
“Nossa alavancagem ainda é um desafio, mas à luz dessas possibilidades que temos da China, não só vamos alcançar esse alvo, como temos uma boa chance de antecipar ele”, disse.
Parente frisou, no entanto, que o impacto China deverá ser sentido mais para frente. “Isso se deve à melhoria do mercado internacional, não China neste momento”, disse o executivo.
Mas não dá para desconsiderar o efeito China, cuja peste suína pode reduzir o rebanho chinês em até 50%, segundo previsão do Rabobank.
A China representa 50% de consumo de carne suína do mundo, que é de 114 milhões de toneladas. O país asiático ainda importa 2 milhões de toneladas, que representam 25% do comércio global de carne suína.
“Esse é um evento disruptivo”, afirmou Parente. “Está cada vez ficando mais claro que o impacto será longo, de até três anos.”
Para não perder essa oportunidade, a BRF correu para certificar três novas unidades fabris. Ela também anunciou investimentos de R$ 170 milhões e prevê 30% de aumento nas exportações.
A certificação das novas unidades para exportar para China “é uma questão de semanas, não de meses”, afirmou Parente. Das unidades, uma produz carne suína e de frango e as demais apenas carne de frango.
O mercado tem reagido e premiado os papéis dos principais frigoríficos brasileiros. As ações da BRF avançam 53,9% na B3 neste ano. Em 2018, elas caíram 40,1%.
“Inovar é muitas vezes não complicar e ter disciplina”, afirma Parente
O valor de mercado de R$ 27 bilhões retomou o patamar do começo de janeiro de 2018. Está, no entanto, longe ainda do auge de R$ 60 bilhões, de agosto de 2015.
Até mesmo a malsucedida fusão com o rival Marfrig jogou a favor. O mercado não havia comprado a união e estava penalizando os papéis da BRF. Uma vez que o negócio não foi adiante, as ações voltaram a subir.
Parente sabe que há um longo caminho pela frente. Um dos trabalhos é convencer o mercado de que a companhia já melhorou. O Citi, por exemplo, deixou de recomendar a BRF. A XP, em relatório, afirmou que prefere as ações da JBS e do Marfrig a da BRF.
Paciente, Parente parece não se preocupar, por enquanto, com essas avaliações. E conclui com a sua receita de inovação. “Inovar é muitas vezes não complicar e ter disciplina”, afirmou ele. “Gestão inovadora é a que tem qualidade na execução.” Não parece um provérbio chinês?