Roberto Marinho Neto, CEO da Globo Ventures, a gestora de venture capital ligada ao Grupo Globo, não tem pressa e muito menos afobação para fazer os investimentos em startups. Isso não quer dizer que ele não esteja acompanhando o mercado. Apenas que tem um ritmo próprio, sem correr ou fazer cheques astronômicos só para entrar em um deal.
“A gente tem que deploy (alocar) em um certo pace. Pode variar 20% para cima ou 20% para baixo. Tem ano que vamos investir US$ 60 milhões e em outro US$ 40 milhões”, diz Marinho Neto em entrevista exclusiva ao NeoFeed. E prossegue. “Não vamos investir US$ 60 milhões em um ano e US$ 10 milhões no outro. Queremos estar em todas as safras.”
A gestora, que iniciou como um fundo apartado, com operação própria, em 2020, conta hoje com 18 profissionais vindos de casas como Pátria, Monashees, GP e Bain. No total, tem investimentos indiretos em 760 startups via outros fundos e mais de 30 startups sob o chapéu Globo Ventures.
A estratégia é mesclar os investimentos e os tamanhos dos cheques de acordo com as fases das startups. No early stage, a Globo Ventures conta com a gestora Supera, que faz cheques de até US$ 1 milhão.
Nos outros rounds, a companhia entra com cheques que podem chegar a US$ 10 milhões. Quando uma startup está, por exemplo, em uma série D, com valuations acima de US$ 300 milhões, entra o poder de fogo do media for equity.
“Nesse caso, elas precisam mais da nossa expertise do que dinheiro, somos mais estratégicos”, diz ele. Petlove e QuintoAndar, duas investidas da Globo Ventures, se encaixam nesse formato. “A gente deveria ser o preferred partner de qualquer empresa que queira ser realmente grande no Brasil”, afirma.
Empresas estrangeiras, que buscam capilaridade no País, também estão na mira. “A gente conhece o consumidor brasileiro, conhecemos o Brasil, temos alcance, conhecemos a legislação daqui e temos credibilidade.” E avisa. “Cada vez mais estamos mostrando o nosso direito de jogar nesse negócio. A Globo Ventures é capaz de fazer frente a qualquer VC brasileiro.”
Ao lado de Luis Lora, managing partner da Globo Ventures, Marinho Neto concedeu uma rara entrevista a um veículo de comunicação que não faz parte do Grupo Globo. Na conversa, na sede da gestora, na região da avenida Luiz Carlos Berrini, em São Paulo, ele detalhou a estratégia do fundo, novos investimentos e os próximos passos. Acompanhe dez tópicos da conversa:
ACONTECEU COM O SETOR DE MÍDIA, VAI ACONTECER COM OUTROS
Atrás das cortinas, a gente já vinha trabalhando internamente no grupo com pensamento em diversificação e exposição. E o nosso setor de mídia foi o primeiro a ser altamente disruptado pelas big techs. Entre 2008 e 2009, nas empresas de revistas e jornais. Depois, entre 2013 e 2014, começou a bater na porta das nossas grandes empresas. De um lado a publicidade com empresas como Google; do outro a assinatura com o streaming com Netflix. Sempre tivemos muito claro que o que aconteceu com a gente no setor de mídia aconteceria com outros setores e vimos que deveríamos ter uma exposição não só de capital para diversificação, mas também exposição a gente, talento e modelos disruptores para trazer ao grupo.
SENTINDO O MERCADO, ABRINDO A CARTEIRA
De 2014 até 2020, a companhia investiu muito em outros fundos e em poucas empresas como Órama, Stone, Enjoei, TechFit (que já saiu), Bom pra Crédito, Rappi (que já saiu), Magic Leap (write off), Buser. Num primeiro momento, esses investimentos eram de media for equity.
JOGANDO NA GRANDE LIGA
Em 2020, montamos a gestora, com uma cultura própria, contratamos gente de mercado, nas casas que a gente respeita. São 18 funcionários, muitos vindos do Patria, Bain, GP, Monashees. O Luis Lora veio da Allen & Company. Como banqueiro, ele nos ajudou na venda da Zap para a OLX e da Som Livre para a Sony. A relação veio daí. Temos a cultura de ser um alocador de capital na tese de disrupção tecnológica e de talento.
O ESQUEMA TÁTICO
Hoje, fazemos investimentos com media for equity e também capital próprio. Geralmente, usamos o media for equity em late stage, empresas que já estão captando acima de US$ 300 milhões de valuation. Elas precisam mais da nossa expertise do que dinheiro, somos mais estratégicos. Petlove, QuintoAndar se encaixam nesse formato. A gente tem que deploy (alocar) em um certo pace. Pode variar 20% para cima ou 20% para baixo. Tem ano que vamos investir US$ 60 milhões e em outro US$ 40 milhões. Não vamos investir US$ 60 milhões em um ano e US$ 10 milhões no outro. Queremos estar em todas as safras.
A FORÇA DA MARCA E A NECESSIDADE DE PREPARO
Tratamos a mídia da Globo como capital, é moeda e preciso valorizar essa moeda. As empresas nos procuram porque querem o media for equity. Com Petlove e QuintoAndar foi assim. As empresas precisam entender a força de marca. O que aconteceu recentemente é que muitas startups não ganharam market share, elas compraram market share. Quando o dinheiro acaba, perdem mercado. Além disso, nem todas as empresas estão preparadas para o media for equity. Tem empresa que não está pronta para picos de acesso quando vai para uma campanha grande na TV. Infraestrutura para aguentar um pico de acesso quando está falando com 50 milhões de pessoas. Digo, dois milhões de acessos no mesmo minuto.
CONFIANÇA PARA DAR AS BOAS – E AS MÁS - NOTÍCIAS
O nosso olhar é de como podemos levar valor para uma empresa, além do dinheiro. Gostamos de passar tempo com quem a gente investe. Quero estar cara a cara com o empreendedor. Ele tem que ter confiança na gente para pegar o telefone e contar notícia ruim. Ele tem que ter confiança para ligar quando algo deu errado, não só quando tem notícia boa. Nosso processo de investimento leva tempo. Tentamos ajudar na gestão estratégica do negócio. Estamos perto das empresas. Estamos, por exemplo, ajudando na análise de UX e SEO de uma investida nossa. A Globo tem muita experiência nisso. Também debatemos se tem de contratar, demitir, expandir. Tentamos trazer bastante para a realidade operacional.
UM MAR DE PROMESSAS
Oitenta porcento das startups do mercado prometeram mais do que entregaram. E esse olhar é dentro do portfólio e do mercado em geral. A Globo Ventures investiu em todos os VCs: Kaszek, Alexia, Maya, Volpe, Canary, Valor, Alexia, Monashees, Igah. São investimentos que fizemos até 2019. Temos pouco mais de 30 empresas de investimentos diretos e 760 indiretas via VCs.
VANTAGENS E DESVANTAGENS DE SER DA GLOBO
Por ter um GP (General Partner), facilita o trabalho pela filosofia e visão dele. Não está querendo saber se marcamos a empresa para cima ou para baixo. Se parar para pensar, no mercado de venture capital, vai ter mais write offs do que saídas. Aqui o que ajuda muito é a visão de longo prazo. Não ter pressa de alocar e de tirar. Tem vantagens gigantescas fazer parte da Globo e tem desvantagens também. A gente vem de uma incumbente e as pessoas desconfiam da nossa capacidade de ser uma gestora independente, acham que estamos sempre a serviço da Globo. Na verdade, muitas vezes estamos defendendo nossa investida contra a Globo. No media for equity, a mídia tem que funcionar. Se não funciona, vou lá na área comercial e falo ‘galera, isso não está funcionando’.
PRÓXIMOS PASSOS E A REDE DE CONTATOS
A gente deveria ser o preferred partner de qualquer empresa que queira ser realmente grande no Brasil. E empresas que venham de fora olhando o mercado brasileiro. A gente conhece o consumidor brasileiro, conhecemos o Brasil, temos alcance, conhecemos a legislação daqui e temos credibilidade. Não trabalhamos na zona cinzenta. Brinco que a gente pode até perder dinheiro, o que não podemos é perder reputação. Temos uma empresa irmã mais velha capaz de trazer ativos para as companhias que só a Globo tem. Uma proposta de valor muito única do nosso grupo econômico. Estamos no Brasil inteiro. Temos 17 outros sócios econômicos. Se quiser ter muito conhecimento local do Pará, tem a rede de afiliadas de lá, que é de um empresário que tem outros negócios na região. Consegue estar bem penetrado lá. O Brasil é um país continental. Além disso, temos uma rede de contatos em outros países. Televisa tem avançado em media for equity. Vai para o México? Digo para falar com a Televisa. Na Colômbia, apresento o Alejandro Santo Domingo, da Caracol.
NOVA SAFRA DE EMPREENDEDORES: MENOS LEBLON/FARIA LIMA
Boas empresas vão continuar nascendo. Acreditamos nessa nova safra de empreendedores que vão ter mais dificuldade de levantar dinheiro, ser mais criativos em como ganhar market share, mais eficientes com a utilização de capital e que, provavelmente, vão criar algo mais disruptor do que alguém que levantou dinheiro muito fácil. Não investimos muito nesse ano porque não achamos empresas interessantes ou porque empreendedores ainda estão com a cabeça no mercado de 2021 com valuations grandes. O time viu 200 oportunidades nesse ano. E fez dois investimentos. Nosso negócio é pensar quais empresas estarão sólidas daqui a 10 anos. QuintoAndar não entramos pensando em fazer cinco vezes. O valuation já estava gigante. Mas essa empresa vai ter um market share relevante? Vai ter. É nisso que a gente aposta. E queremos sair do eixo Leblon/Faria Lima. Com todo respeito aos empreendedores Stanford, Harvard e etc, achamos que tem um Brasil com grandes empreendedores que não vão vir dessas escolas. Acreditamos muito no empreendedor raiz.