No número 1.111 da Brickell Avenue, em Miami, os executivos da gestora brasileira Daemon Investimentos, com US$ 4,2 bilhões sob gestão, têm trabalhado em uma virada de chave para a companhia. Uma virada, é bom salientar, que está marcada ainda para este semestre.

A empresa, fundada em 2009 e que está baseada na Avenida Faria Lima, em São Paulo, pretende deixar de ser vista como uma casa brasileira para ser uma multinacional. Em breve, no nome da gestora, sairá a palavra Investimentos para ficar apenas Daemon.

Por trás disso, há um ambicioso objetivo: vender produtos de investimentos para os americanos no próprio mercado americano. A companhia vai abrir o seu fundo quantitativo Kratos, hoje com US$ 20 milhões de patrimônio, para captação nos Estados Unidos.

“Nossa meta é alcançar um patrimônio de US$ 500 milhões em 24 meses”, diz Sérgio Rhein, sócio-fundador da Daemon, ao NeoFeed. Desde 2016, a empresa tem uma gestora nos Estados Unidos, mas ela funcionava como uma base para a operação brasileira. Agora, o jogo é outro.

“Como já temos uma operação montada nos Estados Unidos, por que não acessar outro grupo de investidores?”, indaga Rhein. “Essa mudança é um passo importante para a gente. É quase que um segundo lançamento da companhia. É como começar de novo.”

O Kratos servirá como um teste para a gestora. “Dependendo do resultado, temos condições de pensar em novos produtos no futuro.” Mas não será fácil ter êxito no mercado americano, onde há uma enorme quantidade de hedge funds.

Primeiro porque a competição é ferrenha e, em segundo lugar, porque há, obviamente, um preconceito por parte dos investidores locais. “O americano tem preconceito sobre a capacidade de gestão do brasileiro”, diz ao NeoFeed um famoso gestor brasileiro que preferiu não se identificar.

Esse mesmo gestor complementa sua análise dizendo que é quase impossível um produto de uma gestora brasileira vingar nos Estados Unidos. “A lista de fundos da Charles Schwab é três vezes maior do que a da XP. Os americanos já têm muitas opções.”

Roberto Lee, fundador e CEO da Avenue Securities, que tem desbravado o mercado de investimentos dos Estados Unidos dando acesso aos brasileiros, enxerga o contrário. “Se os italianos, franceses e japoneses conseguiram, por que os brasileiros não conseguiriam?”, diz ao NeoFeed.

Justamente por ser um quantitativo, um produto ainda em expansão, ele enxerga mais oportunidades para uma gestora brasileira. “O desafio é ter um bom relacionamento com os agentes autônomos, que representam mais de 80% da distribuição do mercado”, diz Lee. “Se eles tiverem bom relacionamento com essa rede, podem ganhar mercado.”

Rhein sabe das dificuldades que encontrará pela frente. “É um mercado ultracompetitivo. Adoraria entrar e competir com Bridgewater, Stone Ridge ou Millenium. Mas não é o nosso objetivo”, diz ele. “Existe um público não atendido, de investidores menores, que não têm acesso aos grandes hedge funds e que podem ter acesso a um excelente produto”, diz sobre o Kratos.

O prédio onde está p escritório da Daemon, em Miami

Mas aí entra a questão do preconceito. “Sim, tem muito preconceito e a maneira de quebrar isso é trazendo profissionais que falam com os americanos”, diz Rhein. “Pessoas que conseguem nos colocar não como uma casa de brasileiros, mas como uma casa multinacional.”

O sócio fundador da Daemon diz que o centro de gravidade da gestora está, cada vez mais, migrando para os Estados Unidos. Tanto que as novas contratações da gestora estão sendo feitas por lá. Em março passado, a companhia anunciou a chegada de dois tarimbados profissionais que atuam nos Estados Unidos.

Trata-se do americano Paul Huchro e do brasileiro Erik Buischi. Por mais de 30 anos, Huchro trabalhou no Goldman Sachs, onde chegou a sócio sênior do banco e responsável pela área de credit trading na tesouraria do banco em Nova York. Depois, atuou como diretor do Deustche Bank nos EUA.

Buischi, por sua vez, foi sócio da Gauss Capital aqui no Brasil, trabalhou na americana Millennium Management e foi head de volatilidade na Stone Ridge Asset Management, uma das principais gestoras focadas em fundos sistemáticos nos Estados Unidos.

“O Huchro e o Buischi vieram para serem os Co-CIOs da Daemon e com a responsabilidade de desenvolver o Kratos no mercado americano”, diz Rhein. Os dois já estão conversando com investidores institucionais americanos, brasileiros com recursos no exterior e o mercado de agentes autônomos dos Estados Unidos.

Os brasileiros também poderão investir no fundo. A Daemon está abrindo um feeder no Brasil. “Lá fora, o investimento mínimo é de US$ 100 mil e no Brasil será de R$ 10 mil”, diz Rhein. “Todos os veículos serão abertos para captação até o fim do primeiro semestre.”

O Kratos é um sistemático que começa a operar desde a abertura do mercado asiático até o fechamento do mercado americano. “Ele negocia 16 horas por dia em todos os mercados líquidos do mundo”, afirma Rhein.

Modelo testado

Sua chegada à prateleira da Daemon está ligada a outros de seus produtos. A gestora começou a operar com um fundo de export finance, para financiar comércio internacional. E, desde 2013, financiou mais de US$ 20 bilhões em exportações brasileiras.

Por conta de muitos clientes serem multinacionais, em 2016, a Daemon migrou a gestão desse fundo, o Daemon Investment Fund, hoje com US$ 4,1 bilhões de ativos, de São Paulo para a gestora criada nos Estados Unidos, baseada em Miami. Por lá, os gestores começaram a testar novos modelos e os quantitativos passaram a fazer parte do horizonte da companhia.

Foi aí que criaram o CTésios, com o dinheiro dos sócios, e trouxeram Paulo Hermanny, ex-diretor e estrategista-chefe do time de mercados emergentes globais do Barclays em Nova York, e que também atuou no Itaú, HSBC e Citigroup nas Américas, Europa e Ásia.

Devido ao desempenho do CTésios, os sócios resolveram colocar no mercado do Daemon Nous Global, hoje com R$ 140 milhões de patrimônio. “Esse fundo tem menos de um ano de captação e dois terços do risco dele está em mercados globais”, diz Sergio.

Desde o lançamento do fundo, em 26 de fevereiro de 2020, ele rendeu 57,90%; nos últimos 12 meses, 19,80%; e, desde o início do ano, 9,70%. É aí que entra o Kratos. Ele é o fundo baseado nos Estados Unidos que faz todas as operações globais com ativos líquidos.

O Nous tem entre 30% e 40% de exposição em equities no Brasil e o restante é comprado do Kratos. Acontece que o bom desempenho do Kratos, hoje com patrimônio de US$ 20 milhões e cujos números ainda não podem ser divulgados, chamou a atenção dos gestores. É essa história que será vendida aos americanos. Se eles vão comprar, só o tempo dirá.