O clima de incerteza que ronda a economia americana - sem que o mercado financeiro saiba ao certo quando os juros vão começar a cair ou se os Estados Unidos vão conseguir controlar a inflação sem entrar em recessão - facilita a proliferação de apostas em ativos de longo prazo fora do circuito tradicional de ações ou de títulos do Tesouro.
Nesse contexto, três famosos investidores - Danny Moses, Porter Collins e Vincent Daniel -, citados pela imprensa americana nos últimos dias, reforçaram a aposta no ouro, tradicional ativo de segurança em tempos de incerteza.
O argumento deles, porém, chamou a atenção: o aumento exponencial da dívida pública americana tende a resultar numa grande desvalorização dos títulos do Tesouro e do dólar. A dívida pública atingiu um recorde de US$ 35 trilhões este ano, segundo dados do Tesouro dos EUA.
Os investidores são conhecidos como “Big Short”, numa referência ao título original em inglês do filme “A Grande Aposta” - que conta a história de gestores de fundos que ganharam muito dinheiro ao preverem a crise imobiliária do subprime de 2008. Moses, Collins e Daniel foram retratados no longa, assim como Michael Burry, que inspirou o personagem principal e que também já vinha investindo em ouro em 2024.
“Essa aposta no ouro se deve em grande parte ao aumento do endividamento americano”, disse Collins à rede americana CNBC. Ele e Daniel – cofundadores da Seawolf Capital - disseram em carta anual aos acionistas que há quatro anos estão investindo em ouro e metais preciosos como ativos.
Vários economistas vêm advertindo que o aumento dos níveis da dívida tende a impactar os compradores dos títulos do Tesouro de longo prazo. Isso porque o endividamento público deve levar a uma queda do valor desses papéis, o que poderia alimentar a inflação e prejudicar o valor do dólar.
Enquanto os juros mantêm-se em alta nos EUA, o dólar segue valorizado. A aposta no ouro, portanto, leva em conta esses dois cenários – queda no valor dos títulos do Tesouro e também da moeda, principalmente após o início do ciclo de queda de juros pelo Federal Reserve, o banco central dos EUA.
"Pense naquele dólar que você tem na carteira”, afirmou Collins, referindo-se ao ritmo de endividamento “elevado demais” do governo americano. “Amanhã vale o quê?" Segundo ele, o ouro teve um desempenho superior ao dos títulos do Tesouro dos EUA em "qualquer período" da história.
“Simplesmente não creio que os americanos tenham ouro suficiente em seu portfólio”, advertiu Collins. “Esse comércio, que temos há muito tempo, acho que continua: em 1, 2, 3, 5, a 10 anos, você vai ganhar muito dinheiro – mais dinheiro em ouro do que você faria no títulos de Tesouro dos EUA."
O preço do ouro, de fato, subiu mais de 16% este ano, com a onça chegando a estabelecer um novo recorde, cotada a US$ 2.465 este mês. O S&P 500, principal índice do mercado acionário, subiu 15,2% em 2024.
Moses, outro investidor “Big Short” e fundador da Moses Ventures, também admitiu uma aposta “grande e longa” no Sprott Physical Gold Trust (PHYS), fundo fechado que subiu mais de 15% este ano, acompanhando a valorização do ativo.
Uma característica do PHYS é que os investidores têm o direito de resgatar suas unidades por metais físicos mensalmente, desde que cumpram o valor mínimo de resgate.
Ouro e ações chinesas
Michael Burry, o investidor “Big Short” mais famoso, também apostou no ouro este ano. Assim como Moses, o investidor comprou 440.729 ações da PHYS, avaliadas em US$ 7,6 milhões no final do primeiro trimestre, tornando-a a quinta maior posição em seu portfólio.
O site oficial do fundo fechado afirma que Burry detém “substancialmente todos os seus ativos em barras de ouro físicas”. Ao longo do primeiro semestre, ele também diversificou seu portfólio, transferindo investimentos dos EUA para ações de tecnologia chinesas.
De acordo com um documento apresentado à Securities and Exchange Commission (SEC), a empresa Scion Asset Management, de Burry, vendeu participações na Amazon e Alphabet e aumentou suas participações nas empresas chinesas JD e Alibaba.
No ano passado, Burry arranhou sua imagem de investidor de sucesso ao apostar contra os índices S&P 500 e Nasdaq 10, montando uma posição vendida de US$ 1,6 bilhão, o equivalente a 93% do seu portfólio.
Burry liquidou sua aposta em novembro, ao se desfazer dessas posições e registrar uma perda de 40% (cerca de US$ 640 milhões), dado que os dois índices das bolsas de valores americanas não tiveram a queda projetada por ele.