Em 2019, decidida a explorar novas fronteiras, a MRV embarcou rumo aos Estados Unidos. A porta de entrada no país veio com a compra da AHS Residential, que, por sua vez, foi o passaporte para que a construtora e incorporadora brasileira ingressasse no mercado local de multifamily.

Para se diferenciar nesse espaço, a companhia apostava em uma bagagem de métodos de construção com menor custo, adquirida em mais de 40 anos no Brasil. Entretanto, a operação, rebatizada como Resia, foi apontada como a grande vilã no roteiro de queima de caixa cumprido pelo grupo desde 2022.

A Resia protagonizou esse drama a partir da elevação da taxa de juros nos EUA no período, o que impactou suas margens e vendas. Mas, à parte desse cenário, a percepção na MRV é de que a empresa pode desempenhar um papel bem diferente na sequência de sua história.

“Eu não tenho nenhuma dúvida em afirmar que a Resia é a joia escondida dentro da MRV”, diz Rafael Menin, CEO da MRV&CO, ao NeoFeed. “O juros americano adiou nosso projeto, mas ela tem potencial para produzir 5 mil unidades por ano, o que equivaleria a uma empresa de quase US$ 2 bilhões.”

Em uma medida do tamanho dessa aposta, hoje, a MRV&CO está avaliada em R$ 4,28 bilhões (cerca de US$ 860 milhões). Menin diz que a projeção ligada a esse “sonho americano” deve acontecer “em algum momento da década”, mas traz uma série de dados para sustentar essa premissa.

Com um modelo baseado no desenvolvimento de empreendimentos residenciais para locação e venda posterior a fundos de investimentos, a Resia concentra sua atenção nos estados da Georgia, da Flórida e do Texas. E, a princípio, nas cidades de Atlanta, Houston, Dallas e Miami.

“São mercados com crescimento econômico e demográfico, superiores à média dos EUA”, diz. “E essas quatro regiões metropolitanas somam 28 milhões de habitantes, 10 milhões de moradias e têm um PIB de US$ 1,7 trilhão, quase do tamanho do PIB do Brasil. O que estamos buscando é uma fração disso.”

Dentro desse universo, a Resia mira as famílias da classe média americana, com renda anual na faixa de US$ 60 mil. A tese é ofertar empreendimentos similares aos da concorrência, mas com um valor de aluguel 10% a 15% mais baixo, que caiba no bolso mais apertado desse segmento.

A chave para fechar essa conta é justamente o know-how de construção desenvolvido pela MRV no Brasil. Em sua versão para exportação, a plataforma é batizada de Resia Production System.

O modelo envolve projetos padronizados, com módulos pré-fabricados, também chamados de PODs, que incluem desde paredes e closets até banheiros e cozinhas. Essa proposta permite reduzir os custos em até 20% e o prazo de entrega dos empreendimentos de 30 para 18 meses.

Rafael Menin, CEO da MRV&CO

“Essa tese, sob o aspecto estrutural, se provou vencedora”, afirma. “Nós já temos mercado, tecnologia e competitividade. O que está faltando é o componente conjuntural, a redução da taxa de juros.”

O ciclo de alta dos juros nos EUA afetou a última etapa desse modelo: a venda de 100% dos  empreendimentos, em geral, para fundos de investimento. Esse processo acontece quando as propriedades atingem um patamar de estabilização, que se traduz em um percentual de locação entre 90% e 95%.

“Até 2021, com um yield on cost – por quanto se aluga uma unidade, vis a vis, o seu custo - em torno de 7% e um cap rate de saída que chegou a ser de 4%, nós tínhamos uma margem absurda, de 30%”, ressalta. “Hoje, esse cap rate está em 6%.”

Nesse contexto, a Resia fechou 2023 com vendas totais de R$ 625 milhões, uma queda anual de 63,9%. O recuo resultou em uma queima de caixa ainda bastante elevada no ano passado, de R$ 1,12 bilhão, apesar da retração de 13,3% em relação a 2022.

No pregão da quinta-feira, 29 de fevereiro, que antecedeu a divulgação do balanço consolidado da MRV no quarto trimestre e no ano de 2023, as ações da empresa fecharam o dia em queda de 2,93%, cotadas a R$ 7,62. Em 2024, os papéis acumulam uma desvalorização de 32,1%.

Regra de ouro

Sob a perspectiva de um 2024 ainda difícil, mas enxergando uma melhora gradual a partir do segundo semestre, a Resia prevê três novos projetos no ano, localizados em Miami, Atlanta e Houston, com um volume total de mil unidades.

A estimativa mais modesta está diretamente ligada à “regra de ouro”, estabelecida pela MRV em 2023, de cessar o consumo de caixa na Resia e de só iniciar as obras de um empreendimento quando o seu financiamento já estiver assegurado.

Com esse viés, parte dos recursos para os projetos de 2024 será viabilizada por um fundo estruturado pelo Inter, que prevê levantar até US$ 30 milhões. “O fato de estarmos tendo muito sucesso nesse fundraising talvez permita que façamos um quarto empreendimento no ano.”

O quarto projeto em avaliação envolve a cidade de Dallas e adicionaria mais 300 unidades ao portfólio de lançamentos do período. A busca pela captação a partir do fundo está ligada, por sua vez, a uma outra conta.

“A crise nos obrigou a ser mais criativos. No modelo original, os bancos financiavam 70% do projeto e, a Resia, os 30% restantes”, observa. “À medida que o mercado de crédito foi piorando, os bancos passaram a financiar entre 50% e 55% e decidimos buscar capital de terceiros para fechar esse gap.”

Hoje, essa equação está em 50% dos bancos e o restante dividido igualmente entre recursos da Resia e de terceiros. À parte dos projetos no radar, a empresa tem quatro empreendimentos em obras e outros quatro em estabilização, com um Valor Geral de Vendas (VGV) somado de cerca de US$ 913 milhões.

Em paralelo, a companhia já está preparando terreno a partir da percepção de que anos melhores estão guardados para a sua operação. No início do mês, a Resia anunciou um investimento de mais de US$ 25 milhões em uma fábrica em Fairburn, na Georgia.

A unidade vai produzir os módulos de banheiros, cozinhas e paredes que, até então, eram fornecidos por terceiros. Em operação há poucas semanas e em fase de ramp up, a fábrica tem capacidade de produzir duas mil unidades por ano e já comporta espaço para chegar às 5 mil unidades previstas pela Resia.

“Quando o Resia Production System estiver 100% implementado e em seu potencial máximo, podemos chegar a um yield of cost de 8%”, diz Menin. “Hoje, estamos em 7% e, o mercado americano, em 6%.” Já para os custos de construção, a estimativa é de uma redução de até 15%.

Spin-off?

Os potenciais ganhos de eficiência com a fábrica foram um dos fatores citados em relatório do Santander em janeiro deste ano, no qual o banco incorporou um “aumento marginal” nas projeções para a Resia, o que incluiu um yield cost de 7,4% para 2026.

“Além disso, reduzimos as nossas projeções de cap rate em cerca de 10 base points para 2024-2026”, escreveram os analistas do banco, refletindo a perspectiva de um cenário macro mais normalizado nos EUA.

Em contrapartida, mesmo mantendo a recomendação de outperform, o Santander reduziu o preço-alvo da MRV, de R$ 16 para R$ 13,50. Antes, em novembro de 2023, o banco já havia reduzido o indicador, de R$ 20 para R$ 16, apontando como principal razão as “perspectivas desafiadoras” da Resia.

Já em janeiro desse ano, quando a MRV divulgou a prévia de seus resultados do quarto trimestre de 2023, o Itaú BBA também reduziu o preço-alvo da ação, de R$ 13 para R$ 12, além das projeções de lucro líquido do grupo para 2024 e 2025.

Os analistas do Itaú BBA, que mantiveram a recomendação outperform para o papel, atribuíram parte dessas atualizações ao menor volume de vendas previsto para a Resia, em função de um ambiente ainda desafiador para o setor no mercado americano.

“Para quem olha com o farol baixo, a Resia gerou pouco valor em 2023 e vai gerar pouco valor em 2024. É um pouco essa dicotomia do curto prazo”, diz Menin. “Mas estamos olhando daqui a cinco, sete anos. E temos a convicção de que ela ainda vai destravar um valor gigantesco para a MRV.”

Nesse horizonte, o CEO da MRV&CO não descarta um spin-off da operação, o que poderia passar, inclusive, por uma abertura de capital nos Estados Unidos.

“Essa é uma discussão ainda muito embrionária. Certamente, não acontecerá nesse ano”, ressalta. “Mas já começamos a debater qual é o melhor modelo societário para que, em algum momento, essa joia ainda não percebida possa ser valorada como deveria.”