Aos 53 anos, o americano Kevin Efrusy coleciona diversas passagens e conexões nos mercados de tecnologia e inovação. Ele iniciou sua carreira, em 1997, na Zip2, a primeira empresa de Elon Musk. Um ano depois, criou sua própria companhia, a Corio, vendida posteriormente para a IBM.

Sua fama nesses círculos, entretanto, começou a ser construída, de fato, em 2003, quando se tornou sócio da Accel Partners, uma das principais casas de capital de risco do Vale do Silício, que fez investimentos em empresas como Dropbox, Spotify, Slack, entre muitos outras. Na gestora, ele liderou, em 2005, um dos primeiros investimentos captados pelo Facebook, hoje rebatizado de Meta.

Em 2012, porém, Efrusy decidiu tirar um ano sabático com a família, dividido igualmente entre África do Sul, Japão, Escandinávia e Brasil. Concluído esse roteiro, ele e a esposa Molly trouxeram na bagagem o desejo de se dedicar à filantropia. O que resultou na criação, em 2013, da Efrusy Family Foundation.

“Para ser honesto, eu já tinha muito dinheiro”, diz Efrusy, ao NeoFeed, que esteve nesta semana no Brasil. “No fim das contas, o que você realmente quer fazer da sua vida? Todos nós gostaríamos de saber que certas mudanças positivas não teriam acontecido se não tivéssemos feito algo. Isso é muito mais do que ter dinheiro na sua conta.”

Nesse roteiro, o Brasil é, mais uma vez, um dos seus principais destinos. E o seu passaporte nessa nova escala é a LALA (Latin American Leadership Academy), organização sem fins lucrativos que apoia desde 2017 e na qual é o maior financiador.

Fundada por Diego Ontaneda, a LALA é comandada no Brasil por Fernanda Caloi, que liderou por sete anos o programa latino-americano e global de startups do Google e tem passagem ainda pela indústria de venture capital, na Latitud.

Assim como a African Leadership Academy, outra entidade com a qual Efrusy e sua fundação mantêm relação, a LALA tem como proposta desenvolver uma nova geração de líderes. Voltada, claro, para a América Latina e centrada no apoio à formação de jovens entre 14 e 20 anos da região.

Na prática, essa tese é aplicada, entre outras diversas iniciativas, por meio de bootcamps de liderança, mentorias, conexões com empresas e estágios, além de bolsas de estudo nas principais universidades locais e globais – já foram concedidos US$ 13 milhões apenas nessa última frente.

Com esse modelo, a entidade já formou mais de 2,8 mil líderes. Um dos primeiros nomes nessa relação foi Felipe Meneses. Ele ingressou na LALA com 17 anos e, depois de chegar à Universidade de Stanford, ajudou a fundar a Hyperplane, startup de inteligência artificial comprada pelo Nubank, em 2024.

As startups locais também estão no radar de Efrusy. Ele começou a olhar para o esse ecossistema ainda em 2010, quando ajudou a Accel - onde permanece como sócio - em seus primeiros aportes no Brasil. E, nos últimos anos, compôs seu portfólio pessoal no País com investidas como QuintoAndar, Wellhub, Flash e Nuvemshop, entre outras.

“Em investimentos, o Brasil é minha prioridade. Cem por cento”, afirma ele. “Aqui, conheço as pessoas certas e a comunidade me conhece. Então, tenho acesso a todos os investimentos realmente bons. Quase todas as empresas em que investi na última década são do País.”

Na conversa, Efrusy dá mais detalhes a respeito das suas facetas como filantropo e investidor, fala sobre o que procura nessas iniciativas e dos projetos com a LALA, além de ressaltar as possibilidades e, principalmente, os riscos associados à inteligência artificial.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Hoje, como você divide seu tempo entre os investimentos e a filantropia?
Eu diria que meio a meio. Na realidade, para mim, as duas vertentes são a mesma coisa. Não vejo a filantropia como algo diferente de investir. Ganhar dinheiro também é uma consequência de investir em pessoas.

Mas porque você decidiu reservar parte do seu tempo especificamente para a filantropia?
Eu acho a filantropia muito empolgante. Quero dizer, no fim das contas, o que você realmente quer fazer da sua vida? Todos nós gostaríamos de saber que certas mudanças positivas não teriam acontecido se não tivéssemos feito algo. Isso é muito mais do que ter dinheiro na sua conta bancária. Eu não levo uma vida de luxo. Não me importo com isso.

Como o ano sabático que você tirou em 2012 influenciou na vontade de fazer algo nessa direção?
Tirei um ano de folga com a minha família. Moramos na África do Sul e, depois, no Rio de Janeiro, no Japão e na Escandinávia. Quando estávamos na África do Sul, nos apaixonamos pelo lugar e vimos que, com um pouco de ajuda, poderíamos realmente mudar muitas vidas. E foi lá que conhecemos a African Leadership Academy.

"Todos nós gostaríamos de saber que certas mudanças positivas não teriam acontecido se não tivéssemos feito algo. Isso é muito mais do que ter dinheiro na sua conta bancária"

E quais foram suas impressões sobre o Brasil na época?
Nós vimos muito potencial e diversidade no Brasil. Mas foi um pouco triste, porque sentimos que os brasileiros ricos que conhecemos, quando ganhavam muito dinheiro, só queriam um apartamento maior em Miami, um jato particular para ir e vir e tirar os filhos do País. E não era assim na África do Sul.

Como era na África do Sul?
Muitas das pessoas ricas que conhecemos trabalhavam para tentar mudar o país. No Brasil, algumas pessoas faziam isso. Mas não muitas. Eu conheci, por exemplo, o Jorge Paulo Lemann, ouvi sua história, a história da sua fundação e todo o trabalho que realizaram. E isso foi muito inspirador.

E o que levou à decisão de criar a Efrusy Family Foundation?
Para ser honesto, eu já tinha muito dinheiro. Então, foi muito mais sobre construir algo e ser capaz de mudar um país ou uma região. Ou pelo menos tentar. Esse era o propósito. Provavelmente, isso é mais difícil do que seguir investindo nos Estados Unidos. Mas eu só queria fazer isso e ver essas mudanças.

Em quais países a fundação financia pessoas e projetos?
Estamos na América Latina, principalmente no Brasil, e, na África, mais em países como Quênia e África do Sul. E também nos Estados Unidos. Você precisa se concentrar. Se quer realizar algo, é melhor fazê-lo em uma área pequena, e da melhor forma possível, do que estar muito disperso.

"Se quer realizar algo, é melhor fazê-lo em uma área pequena, e da melhor forma possível, do que estar muito disperso"

Nesse contexto, porque você decidiu apoiar a LALA?
O Diego [fundador da LALA] tinha trabalhado no projeto africano em que estávamos envolvidos e estudou na Stanford Business School, onde também estudei. Tínhamos um professor em comum, que disse que eu deveria conhecê-lo, pois ele queria fazer, na América Latina, o que estávamos fazendo na África e sabia que eu já tinha trabalhado bastante na região. Esse era o sonho dele. E foi uma combinação perfeita.

Por quê?
Você não consegue realizar o que não sonha. E esse era o meu sonho quando comecei a investir no Brasil. Em 2010, eu pensei que se continuássemos trabalhando aqui por 15 anos seguidos, se criássemos um ecossistema, o país começaria a mudar e haveria muito mais oportunidades para jovens talentos. E muito mais pessoas ganhariam dinheiro. Então, quando conhecemos o Diego, eu disse: não quero investir apenas em empreendedores na América Latina, ganhar dinheiro e ficar com esses recursos.

E o que você espera que esses jovens alcancem?
Meu objetivo é que muitos deles, e até mesmo alguns dos empreendedores, se candidatem a cargos públicos e se tornem senadores, deputados, presidentes. É assim que se muda. Então, eu também trabalho com uma organização que faz isso aqui, a Renova (é uma organização sem fins lucrativos que busca formar lideranças políticas criada por Eduardo Mufarej).

Quais características a LALA e a sua fundação buscam nesses jovens?
Principalmente, tenacidade e inclinação para a ação. São pessoas que fazem as coisas acontecerem e não apenas falam sobre elas. E, também, as que sabem aprender. Isso é mais importante do que qualquer outra habilidade, do que ser um ótimo programador ou tirar notas muito altas. E você pode testar isso dizendo não no começo e vendo se eles voltam. E a segunda coisa que você observa quando eles voltam é: houve progresso? Ou eles voltam com a mesma história, sem terem aprendido nada?

"Infelizmente, na filantropia, assim como no empreendedorismo, existem pessoas que contam ótimas histórias e são muito carismáticas. Mas, no fim das contas, não é real"

Há outras questões que vocês pesam nessa avaliação?
Se conseguem atrair outros talentos que queiram trabalhar com eles, porque aí você tem o quadro completo. Eles vão fazer as coisas acontecerem e vão construir uma equipe ao seu redor. E integridade. Se são boas pessoas. Isso é muito importante. Porque, infelizmente, na filantropia, assim como no empreendedorismo, existem pessoas que contam ótimas histórias e são muito carismáticas. Mas, no fim das contas, não é real. E é muito difícil perceber isso. É por isso que somos muito práticos. Trabalhamos apenas com algumas organizações e nos envolvemos muito.

À parte do financiamento, como vocês se envolvem no processo?
Eu e minha esposa fomos, por exemplo, a um dos acampamentos e passamos um tempo com esses jovens. Conhecemos muitos deles. Nos encontramos sem a LALA presente e perguntamos como era de verdade. Você precisa fazer isso porque muitas dessas organizações parecem ótimas. Contam uma história e todo mundo chora. E aí você descobre realmente o que estão fazendo e há escândalos. Então, eu não quero pedir dinheiro a nenhum dos meus amigos se eu não souber se o trabalho é bom. E o que a LALA está fazendo é incrível. Estamos com eles há 8 anos e definitivamente vamos continuar apoiando.

Há casos que você destacaria entre esses jovens apoiados por vocês e pela LALA?
Tenho muita satisfação em ver jovens como o Felipe Menezes, da LALA, que vendeu a sua empresa, a Hyperplane, para o Nubank. E também um dos garotos que esteve por dez anos na African Leadership Academy e que agora é senador no Quênia. E vai ser presidente do país. Ele iniciou investigações sobre corrupção e recuperou US$ 50 milhões desviados. Agora, todo esse dinheiro é usado para construir estradas e hospitais. E você pode fazer coisas incríveis conectando essas pessoas. Um é senador, outro empresário, outro pode ser ministro da Educação. E todos são da região. Sabem como é crescer aqui.

Como esse novo perfil que vocês querem ajudar a formar dialoga com as demandas da região?
Hoje, existem dois tipos de líderes na América Latina. Alguém que veio de uma das famílias da elite ou, como na Venezuela, onde há uma rebelião populista, um líder da camada mais pobre. Mas nenhum deles é instruído, treinado e entende que desenvolvimento não é uma revolução. E é isso que estamos tentando fazer aqui. É isso que esse garoto na África está fazendo. Para mim, isso é empolgante. Nesse momento da minha vida, é o que eu quero realizar.

"Em investimentos, o Brasil é minha prioridade. Cem por cento"

E você já vê diferenças entre o Brasil que encontrou, em 2010, e o Brasil de hoje?
É enorme. Há 15 anos, quando eu conversava com jovens brasileiros, o que realmente eles queriam era ir para os EUA. Se você ficasse aqui, as opções eram trabalhar na Petrobras, um banco, uma consultoria ou, talvez, uma empresa da família. E isso era meio deprimente, sabe?

E o que mudou?
Agora, existem muitos bons lugares para trabalhar. Há muito mais coisas para fazer. E o governo está se tornando mais responsável porque há mais empresários que se importam, que reclamam. Antes, havia algumas grandes empresas, mas não era algo muito representativo. Ainda existem grandes problemas com corrupção e líderes que não entendem completamente o conceito de desenvolvimento, mas isso vai mudar. Nós chegaremos lá.

E, como investidor, quais são os países no seu foco?
Estou na América Latina, em países como a Argentina, mas a maior parte dos meus investimentos está no Brasil. Em investimentos, o Brasil é minha prioridade. Cem por cento.

Por quê?
Porque eu conheço o país e conheço as pessoas e o ecossistema. Se você faz um investimento no Brasil, um na Indonésia, um na Suécia, não cria um ciclo virtuoso. E aqui, eu conheço as pessoas certas e a comunidade me conhece. É assim que funciona o capital de risco. Você se concentra em um lugar e, se for bom nisso, as coisas acontecem. Então, eu tenho acesso a todos os investimentos realmente bons. Quase todas as empresas em que investi na última década são do Brasil. E eu gosto dos brasileiros.

Há alguma característica em especial dos empreendedores locais que você destacaria?
Eles são muito determinados, mas também muito colaborativos. Eles querem trabalhar com as pessoas. Querem ser seus parceiros. Em outros países, a situação é muito mais conflituosa.

"O que me preocupa é que a IA possa destruir a verdade"

E há algum segmento específico que se encaixa mais na sua tese?
Eu só invisto em empresas que considero que estão fazendo algo relevante para o mundo. E essa é uma resposta cada vez mais difícil. As companhias em que invisto no Brasil, como QuintoAndar e Wellhub, estão mudando seus mercados de forma positiva. Por outro lado, há outros segmentos aqui para os quais eu disse não e não investiria, porque são predatórios.

Quais são esses mercados?
Apostas esportivas, por exemplo. Elas foram legalizadas no Brasil, infelizmente. Acho isso terrível, pois é uma grande perda para o País. Essas empresas vão ganhar muito dinheiro, mas só beneficiam os seus donos. Elas são ruins para todos os outros, para os clientes. Seus melhores clientes perdem muito dinheiro. E eu não quero fazer parte disso.

Ainda sobre investimentos, mas num contexto global, como você enxerga essa onda em torno da inteligência artificial? Há riscos de uma bolha?
A IA é uma tecnologia muito real, não é uma moda passageira, veio para ficar e continuará existindo. No entanto, existe uma bolha em termos do investimento necessário em data centers. Simplesmente não é sustentável. A quantidade de recursos que está sendo gasta em infraestrutura não pode ser sustentada pela receita a ser gerada. Portanto, haverá uma correção. As grandes empresas irão sobreviver, mas muitas das menores não. E isso causará um grande problema.

Por quê?
Hoje, os investimentos em data center são responsáveis por dois terços do crescimento econômico nos Estados Unidos. Isso não é bom. E quando isso parar, terá um efeito em cascata. Porque muitas empresas investiram em dívidas nesses data centers. A diferença é que, da última vez que isso aconteceu, durante a bolha da internet, no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, todos estavam investindo em rede de fibra ótica. Mas essa capacidade se mostrou muito importante posteriormente.

E você não vê o mesmo acontecendo com os data centers de IA?
Os data centers de IA, infelizmente, têm chips que duram apenas de 3 a 5 anos e precisam ser substituídos. E os servidores também precisam ser substituídos. Então, isso significa que todo esse investimento não vai deixar um legado. Ele simplesmente será desperdiçado. Então, não sei quando, nem como, mas infelizmente vai acontecer. Mas a tecnologia é incrivelmente importante. E fará muitas coisas boas, em termos de eficiência, de saúde e de pesquisa.

E há algum outro risco associado à inteligência artificial?
A democracia. Porque a capacidade da IA de disseminar desinformação é enorme. O que me preocupa é que a IA possa destruir a verdade. Ela pode destruir o jornalismo. Qual será esse impacto? Como poderemos acreditar em evidências em vídeo? Em áudios? O que vai acontecer é que as pessoas simplesmente podem parar de acreditar em qualquer coisa. E isso, sim, seria um problema sério. E é o que me deixa muito apreensivo.