Desde que o Nubank abriu o capital, em dezembro de 2021, nenhuma empresa brasileira realizou uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), resultando na maior seca da história. Como resultado, o que se vê são apostas e previsões de que o próximo ano marcaria o retorno dessas operações.
Isso foi dito de 2023 para 2024 e de 2024 para 2025. Mas as operações não vieram. Pior: os anos foram marcados inclusive por reduções no número de follow ons no mercado de equities. Para Antonio Coutinho, head do investment bank (IB) do Citi Brasil, 2026 será diferente, com a retomada. Ele acredita que podemos ver um IPO logo no início.
“Estamos muito perto da reabertura da janela, tanto em Nova York quanto no Brasil. E isso deve acontecer no primeiro trimestre de 2026”, diz Coutinho, em entrevista ao NeoFeed.
No comando do IB desde junho de 2025, após liderar a área de M&A para a América Latina, Coutinho afirma que a retomada deve ser puxada pelos estrangeiros, que já estão investindo no mercado local. Além disso, há empresas preparadas para listar ações em Bolsa e com necessidade de recursos para investir.
Diferentemente dos anos anteriores, os processos estão avançando. Ele não citou nomes, mas quem sinalizou publicamente intenção de IPO foi a BRK Ambiental. A companhia de saneamento da gestora canadense Brookfield divulgou em 11 de dezembro que entrou com pedido na CVM para realizar oferta pública primária e “potencialmente secundária” de ações.
“Tem casos que estão sendo trabalhados, estão na rua, o que não era o caso há três, seis, nove meses”, afirma Coutinho. “Agora é para valer.”
O executivo destaca que o fluxo estrangeiro tem ajudado a melhorar os múltiplos comparáveis das empresas na Bolsa, estimulando quem tem interesse ou necessidade de realizar IPO. Isso tem influenciado mais do que o nível da Selic ou as eleições.
A melhora dos múltiplos também levou muitas empresas já listadas a retomarem planos de follow on, após um ano ruim. O volume total de operações está em torno de R$ 8 bilhões, abaixo dos R$ 25 bilhões de 2024, que foi salvo pela privatização da Sabesp. Entre as poucas operações de 2025, o Citi participou do follow on da Cosan.
A questão dos valuations também melhorou as condições para quem deseja vender empresas. Coutinho espera um 2026 ainda melhor. Neste ano, o banco assessorou, em fevereiro, a venda da Suvinil para a Sherwin Williams, operação de R$ 6,3 bilhões, e participou da fusão da Marfrig com a BRF.
“O fomento do mercado de capitais, com equities mais ativos e ações em preços maiores, estimula o fechamento de negócios. O ambiente já acelerou e tem tudo para melhorar em 2026”, afirma Coutinho
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual sua avaliação a respeito da atividade do mercado de capitais neste ano, em termos de IPOs e follow ons? Está dentro do que esperavam?
A gente esperava que já tivesse reaberto a janela de IPOs. Foi um ano menos ativo no lado de equities do que gostaríamos que tivesse sido, mas está acabando melhor do que começou. Com a queda dos juros nos Estados Unidos e a perspectiva no Brasil, existia expectativa de que, no segundo semestre deste ano, teria alguma coisa. Mas estamos muito perto da reabertura da janela, tanto em Nova York quanto no Brasil. E isso deve acontecer no primeiro trimestre de 2026.
O que motiva essa expectativa positiva para IPOs no primeiro trimestre? São as empresas antecipando o ciclo eleitoral?
Tem empresas que estão superprontas para IPO, que se não fosse a seca de quatro anos sem oferta, estariam aptas. Elas têm necessidade de recursos para crescer e estão num nível de preparação excelente. A contrapartida do lado de preço das ações, dos comparáveis, é uma excelente ajuda. Temos agora preço de ações que fazem muito mais sentido no mercado para alguém que está buscando emitir. Isso vem do fluxo de estrangeiros, que tem participação importante nos IPOs. Eles tiveram uma participação maior no mercado secundário neste ano. Agora, vamos testar o apetite para IPOs também.
É o fluxo estrangeiro que está puxando a Bolsa no ano. Agora, ele vai motivar a retomada dos IPOs?
Sim. A vontade de fazer IPO e a preparação para fazer já estão lá para muitas empresas. E agora é possível casar isso com o interesse dos investidores, em particular os estrangeiros, e fazer as transações funcionarem já no primeiro trimestre.
Mas por que acreditar que dessa vez será diferente? A reabertura da janela de IPO é algo que foi dito e esperado ao longo dos últimos três anos.
Porque existem casos muito concretos sendo trabalhados, não é só expectativa de que vai acontecer no futuro. Tem casos que estão sendo trabalhados, estão na rua, o que não era o caso há três, seis, nove meses atrás. Até onde eu sei, não tinham IPOs sendo trabalhados antes. Agora é para valer.
"Tem casos que estão sendo trabalhados, o que não era o caso há três, seis, nove meses atrás"
Até que ponto a perspectiva de queda da Selic está ajudando a motivar as operações?
A expectativa de redução da Selic ao longo do ano que vem ajuda, mas isso ainda está um pouco distante, com o consenso de mercado sendo de uma redução bastante modesta. Não é isso que está dando impulso para as transações. Vai ser uma abertura de janela ainda controlada, moderada, não vai ser um boom de IPOs. E, ao longo do tempo, à medida que os juros se consolidam em níveis mais baixos, vamos ver uma uma diversificação maior de tipos de companhias, tamanhos de oferta.
A queda da Selic é mais um catalisador para mais empresas do que fator que vai abrir a porta?
Isso mesmo.
Quando se fala de retomada de IPOs, o que se diz é que o movimento será puxado por grandes empresas e companhias de infraestrutura. É esse o perfil?
Da janela do Brasil sim, é o esperado.
É o que o estrangeiro tem olhado: a parte de infraestrutura? Ou ele está aberto a outros temas?
Ele está aberto às histórias, mas seletivo, buscando histórias maiores, que vão ter liquidez no secundário. Naturalmente pende para setores em que o País tem companhias maiores. Infraestrutura, por exemplo. É o caso de companhias muito grandes que estão prontas para IPO. Do lado de tech e fintech, também existem empresas de tamanho relevante. O investidor é agnóstico de setor, mas como estamos buscando as melhores história para abrir o mercado, naturalmente acaba focando nesses setores
No caso da reabertura da janela dos Estados Unidos, vimos muitas companhias buscando o mercado americano entre 2021 e 2022, mas que não tiveram o resultado que esperavam. Elas abriram o capital, mas não alcançaram os múltiplos que queriam, nem atraíram os investidores que queriam. Por que os Estados Unidos seguem como uma opção?
Não existe uma coisa que atenda a todos, one size fits all. É preciso ter uma estratégia que seja a mais apropriada para cada tipo de emissor. O que temos visto é que as empresas que buscam os Estados Unidos são aquelas com um viés mais de tech, fintech, e que tem comparáveis globais, ou até brasileiros listados fora. E tem a questão do tamanho também. É verdade que se fala de empresas maiores em todos os lugares para abrir a janela, mas as empresas que buscariam um IPO nos Estados Unidos são relativamente maiores. Isso ajuda também a ter dinâmicas positivas de negociação.
"O Brasil tem empresas bastante interessantes, qualificadas, com histórias que rivalizam com histórias globais"
Mas qual o apetite de um americano por uma empresa brasileira na Nasdaq ou na NYSE quando ele tem um leque de opções maior de empresas, de nomes que ele conhece?
O Brasil tem empresas bastante interessantes, qualificadas, com histórias que comparam, rivalizam com histórias globais. E vemos o investidor buscando diversificação e mercados em que as precificações estão menos puxadas. Temos uma combinação de empresas muito boas, histórias muito boas.
Vimos também muitas empresas classificadas como tech, mas que não eram exatamente techs, indo ao mercado e não tendo os resultados esperados…
O Brasil tem nomes estritamente ligados à tecnologia, mas não é um celeiro de empresas de software e AI. A maioria é de histórias de empresas tech-enabled, empresas que têm na tecnologia uma alavanca para maior eficiência. É o caso de fintechs, que tem muita inovação em termos de aplicar tecnologia em processos, custo, atendimento ao cliente. Essas companhias, em comparação com as tradicionais, têm mais crescimento, mais eficiência. Não é preciso buscar a OpenAI do Brasil para realizar um IPO de tech.
Se o mercado está positivo para IPOs, para follow ons fica ainda melhor?
Sim, o aumento dos follow ons faz parte dessa melhora, lembrando que follow-ons são de execução mais rápida do que um IPO. Veremos um mercado mais dinâmico ao longo do ano que vem, com um volume até surpreendente, dado o movimento recente dos preços. Tem muita transação que passou a fazer sentido nesse ambiente.
Assim como no IPO, veremos follow on para levantar recursos para investimentos? Ou teremos um bom número de operações secundárias?
Este ano foi muito marcado por operações secundárias, muitos blocos, acionistas vendendo posições relevantes. Com muito acesso ao mercado de dívida e preços de ações não convidativos, as empresas ficaram mais tímidas em fazer ofertas primárias. Com o que estamos vendo, devemos ver ofertas mais primárias, mais comandadas pelas companhias para financiar projetos de crescimento, estabilizar a estrutura de capital em alguns casos, mas com demanda maior das companhias do que dos acionistas.
"Este ano foi muito marcado por operações secundárias, muitos blocos, acionistas vendendo posições relevantes"
Como foi a parte de M&A: o mercado continua favorável?
Foi um ano de estabilidade de volumes em comparação com o ano passado. Ainda é uma atividade concentrada em alguns setores, infraestrutura em particular. Temos visto uma aceleração do pipeline neste segundo semestre, com vários anúncios, o que é normal. E o abastecimento de transações em estágio menos avançado, em estágio médio, está interessante, o que deve fazer com que o primeiro semestre seja bastante ativo, talvez mais ativo do ano do que o segundo, por conta das eleições.
A expectativa é de manutenção dos volumes em 2026?
O volume desse ano está muito parecido com o do ano passado, ainda que o ano não tenha fechado. Ainda é uma atividade aquém do que a gente teve em anos anteriores. Existe espaço para melhoria em 2026. Com o fomento do mercado de capitais, com equities mais ativo, as ações em preços maiores, tudo isso estimula o fechamento de negócios. Tem um ambiente que já acelerou e acho que tem tudo para melhorar em 2026.
Nos últimos anos, muito se dizia que os valuations mais baixos faziam aqueles que queriam vender segurar, enquanto os que compravam conseguiam impor valores mais baixos. Como está agora? Está mais equilibrado?
Eu diria que está bem mais equilibrado, com a força que equilibrou para um mercado menos pendente para o comprador sendo o mercado público. Os comparáveis, os múltiplos de Bolsa, se recuperaram de forma bem significativa em vários setores ao longo do ano. Isso dá uma base melhor para os vendedores fazerem transações.
Algum setor mais “quente”?
Não dá para fugir da resposta óbvia. Infraestrutura é um motor grande de atividade, talvez respondendo por 40% da atividade, com o resto bem diversificado entre os diferentes outros setores da economia.