Com dez cheques assinados, a Kora Saúde foi um dos nomes mais ativos na onda de aquisições de saúde entre 2020 e o início de 2022. Veio o pós-pandemia e, com ele, a chave virou para todo o setor. Nesse cenário mais desafiador, a empresa também ficou em evidência. Dessa vez, porém, por outros números.

O grupo de hospitais passou a figurar na dianteira dos players de saúde com maior queda na B3 – suas ações desvalorizaram 64,4% nos últimos 12 meses. E viu a fatura da dezena de M&As chegar na forma de uma dívida líquida, acrescida dos valores a pagar por esses acordos, de R$ 2,48 bilhões.

Se a incorporação desses ativos ajudou a inflar essa conta, esse portfólio é, agora, uma das principais alternativas para a Kora gerar caixa, reduzir a alavancagem e se preparar para uma nova fase em que, espera-se, o diagnóstico do mercado seja mais favorável e seu balanço esteja em melhor forma.

“Esses ativos vieram com muitos serviços prestados por parceiros”, diz Antonio Benjamim, fundador e CEO da Kora Saúde, ao NeoFeed. “Estamos internalizando isso. É um investimento marginal, que traz uma receita adicional, imediata e que já estava dentro de casa, mas que nós não capturávamos.”

Para executar essa tese, calcada nos chamados serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADT), o grupo capixaba tem à disposição uma rede com 17 hospitais nos estados do Espírito Santo, Mato Grosso, Goiás, Ceará e Tocantins, além do Distrito Federal.

Em cada uma dessas unidades, a Kora vem trazendo serviços para o seu guarda-chuva à medida que os contratos com terceiros vencem. Foi assim na área de análises clínicas dos hospitais da rede em Fortaleza, nos quais a empresa encerrou parcerias com a Dasa e o Hermes Pardini.

Nesse segmento, em que essa estratégia já está mais avançada, as duas últimas conversões estão programadas para novembro, nos hospitais Encore, em Goiânia, e São Mateus, em Cuiabá.

“Os laboratórios já internalizados estão com uma receita média mensal de R$ 1 milhão”, conta. “Estamos falando de R$ 10 milhões por ano em hospitais que, muitas vezes, geram uma receita anual de R$ 100 milhões. É um crescimento de 10% com essa virada.”

Além de radiologia e hemodinâmica, outra linha na mira é a de oncologia. A Kora já tem serviços com sua assinatura em oito hospitais. E vê espaço para levá-los a outros quatro. As unidades no Ceará, Goiás e em Brasília são candidatas a receberem esses projetos.

“Todos esses serviços representam entre 10% e 20% do nosso negócio que não ficam ou não ficavam conosco”, diz. “Cerca de 80% dessa internalização já foi feita, mas ainda temos oportunidades, já que o restante dos contratos vence em 2024.”

Os remédios para aliviar sua crise não se esgotam nesse expediente. Outra dose envolve o que Benjamim classifica como “capex de oportunidade”. São pequenos projetos que adicionam novas estruturas e serviços para rentabilizar ainda mais o metro quadrado dos hospitais.

Em setembro, os movimentos mais recentes foram as inaugurações de duas UTIs no Espírito Santo. Uma, cardiológica, no hospital Praia da Costa, em Vila Velha. E a segunda, pediátrica, em uma das unidades de Cariacica.

Um novo formato, lançado em uma parceria com a Vale em 2022, é outra opção na mesa. Nesse caso, a Kora reservou um espaço em seus hospitais na Grande Vitória para ficar à disposição dos cerca de 40 mil usuários da empresa na região.

O atendimento é feito por médicos contratados pela Vale. Esses profissionais e os pacientes têm acesso a toda estrutura das unidades da Kora, que já tem conversas adiantadas com outras companhias nesse mesmo modelo, em Vitória e Fortaleza.

O grupo também mantém negociações para lançar um formato in-company, com clínicas instaladas nas empresas. Esse mesmo modelo vem atraindo players como o Hospital Israelita Albert Einstein, com clientes como Natura e Vivo, e Sírio-Libanês, que atende companhias como Itaú e Santander.

Quadro ainda inspira cuidados

A busca por novas fontes de receita não está ligada unicamente às pendências dos M&As, que foram turbinadas com a escalada da Selic. O pano de fundo tem ainda questões que, além do cenário macro, afetaram o setor. Entre elas, a demanda reprimida de exames e cirurgias na Covid-19.

O controle da pandemia foi seguido por um uso mais intenso dos planos de saúde. E isso trouxe impactos como a alta sinistralidade, a elevação dos custos médicos e os atrasos nos repasses das operadoras, em um efeito em cascata para toda a cadeia.

Para reequilibrar seu balanço, a Kora quer colocar em prática outro plano que também envolve o que está dentro dos seus limites: a busca por operações de sale and leaseback – a venda de imóveis seguidos pela locação à própria empresa.

“Já estivemos perto de fechar, mas o cap rate não chegou aonde queríamos”, diz. No fim de 2022, a Kora avaliou os ativos em R$ 700 milhões. “Esse é o valor. Agora, mesmo que os juros não caiam na velocidade esperada, a tendência é de queda. O mercado está com mais apetite por esse formato.”

Outros players recorreram a esse recurso. Em março, como parte de um pacote de “resgate” da sua operação, a Hapvida anunciou um acordo de R$ 1,25 bilhão. A transação envolveu a venda de 10 imóveis à família Pinheiro, fundadora e controladora da companhia.

Na Kora, o quadro ainda inspira cuidados, mas já há alguns sinais de melhora. A começar pela geração de caixa operacional de R$ 87,9 milhões no segundo trimestre de 2023, ante um consumo de caixa de R$ 430,2 milhões no trimestre anterior.

Entre abril e junho, a empresa, avaliada em R$ 767,9 milhões, reportou uma receita líquida de R$ 565 milhões, alta anual de 9%, além de um Ebitda ajustado de R$ 130,3 milhões, um salto de 11%. Mas registrou um prejuízo de R$ 48,7 milhões, contra um lucro de R$ 900 mil, um ano antes.

Na época, o Itaú BBA manteve a recomendação de market perform para a ação. O banco alertou para a queda no tíquete médio e o prejuízo, mas ressaltou avanços em linhas como receita líquida, receitas de serviços e taxa de ocupação.

“O aumento foi impulsionado pelo plano de ação traçado pela empresa, equalizando o desempenho dos hospitais recém-adquiridos e, consequentemente, aumentando o volume de pacientes-dia no período”, escreveram os analistas.

Benjamim frisa que a Kora segue 100% focada nesse plano, o que vai demandar algumas “renúncias” até que a operação e o mercado estejam mais saudáveis. “Hoje, nossa orientação é investir no que vai trazer receita em seis meses. Tudo o que levar mais tempo, estamos postergando”, diz.

Esse pacote em stand-by inclui projetos de expansão de maior porte em hospitais do Espírito Santo, do Ceará, de Goiás e de Brasília. E a manutenção do pé no freio em aquisições, frente na qual a Kora não se movimenta desde 2022.

“Daqui até o primeiro semestre de 2024 vai ser o tempo para todo o setor acabar de arrumar a casa”, afirma. “A partir do segundo semestre, a expectativa é de que essa janela de aquisições seja reaberta. E não faltam oportunidades no mercado.”.