Fundada e controlada por Marcelo Hahn, a Blau Farmacêutica, uma das poucas empresas brasileiras listadas do setor, parece ter encontrado a fórmula para atravessar o cenário macroeconômico adverso sem grandes sustos. Ao menos em 2024.
Entre outros dados do seu balanço mais recente, divulgado na terça-feira, 18 de março, após o fechamento do mercado, o grupo teve alta anual de 23,2% em seu lucro líquido recorrente em 2024, para R$ 220 milhões. Além de uma receita líquida recorde de R$ 1,75 bilhão, o que representou um salto de 27,8% na mesma base de comparação.
Para 2025, a expectativa é manter esse ritmo de crescimento e um volume de investimentos na média de 10% da sua receita líquida. E a empresa já definiu o pacote de estratégias para sustentar e concretizar essas metas, com um destaque, em particular, nessa cesta.
“A cereja do bolo, o nosso 'ovo dourado', é a frente de biotecnologia. É uma startup que temos aqui dentro”, diz Hahn, ao NeoFeed. “Boa parte desses medicamentos vai perder patentes a partir de 2028 e temos vários deles em desenvolvimento, que serão colocados não apenas no Brasil, mas no mundo.”
Sob essa ótica, o empresário diz que a Blau, conhecida por medicamentos de alta complexidade, mais centrados em hospitais e clínicas, tem um pipeline de produtos em fases avançadas de comprovação de segurança e eficácia em segmentos como oncologia e hematologia.
Embora não revele mais detalhes sobre o que está incluído nesse pacote, um número ajuda a entender como essa expansão do portfólio - não restrita à área de biotecnologia - tem direcionado os investimentos da companhia.
Em 2024, a empresa investiu R$ 169 milhões em pesquisa e desenvolvimento, sendo que, no período, registrou 72 novos produtos. Aqui, um outro dado abre caminho para mais uma das prioridades no horizonte da Blau. Desse total, 27 foram registrados no Brasil e outros 45 na América Latina.
O grupo iniciou sua expansão internacional em 2014, com a abertura de uma filial no Uruguai, e, de lá para cá, fincou os pés com operações comerciais em outros cinco países da região: Argentina, Colômbia, Chile, Equador e Peru.
Agora, com o portfólio maior, além de ampliar sua bagagem de ofertas nesses destinos, a Blau também está adicionando novos endereços a esse mapa. O mais recente deles é o México, onde a empresa já está em vias de iniciar o processo de registros de seus medicamentos.
“Estamos crescendo passo a passo, de forma orgânica. Hoje, os negócios internacionais representam cerca de 10% do nosso negócio”, afirma Hahn. “Mas a meta é ter entre 30% e 35% vindo da América Latina. E a ambição é ter mais de 50% da receita em moeda forte em, no máximo, cinco anos.”
De olho num peso maior em moeda forte, essa estratégia não se restringe, claro, a América Latina. Hoje, a Blau já tem presença nos Estados Unidos, por meio da Hemarus, de coleta de plasma. O grupo comprou 25% da operação, em 2023, com opção de adquirir a fatia restante em três anos.
No mesmo ano, a empresa investiu na Prothya, companhia europeia também de medicamentos derivados de plasma, com sedes na Holanda e na Bélgica. O aporte veio no formato de uma dívida conversível que pode dar à Blau uma participação de 20% na empresa.
Segundo Hahn, o plano é ampliar a participação na Hemarus e converter, “o mais rápido possível”, a dívida em equity na Prothya. Nesse segundo caso, o passo está condicionado a empresa alcançar três meses consecutivos de resultado positivo.
“Hoje, esse investimento não está reconhecido nos nossos números”, afirma. “Mas, para se ter uma dimensão, a Prothya tem uma receita de mais de € 300 milhões. Com essa fatia, de largada, nós já traríamos cerca de R$ 400 milhões para o resultado, ou 25% da nossa receita em moeda forte.”
Ele ressalta que a Prothya já tem boa presença nos mercados da Europa e nos Estados Unidos, além de boas perspectivas no Oriente Médio e na Ásia, inclusive na China. “São muitas oportunidades. Estamos fazendo esses investimentos e essa ancoragem pensando no futuro da companhia”, diz.
Essa estratégia também passa pelo aumento da capacidade produtiva. A Blau acaba de obter as licenças ambientais para a sua sexta fábrica, que será instalada em Cabo de Santo Agostinho (PE) e atenderá tanto as demandas do portfólio mais recente como dos códigos sanitários de outros países.
A previsão é de que as obras tenham início no segundo trimestre de 2025 e de que a entrega da primeira fase seja feita em dois anos. Nesse prazo, a meta é ter 30% do total a ser produzido na planta em operação. No futuro, o plano é que a unidade centralize toda a operação e seja única do grupo.
“Decidimos fazer o projeto faseado, em três etapas, em virtude do custo, pois estamos financiando com a nossa geração de caixa”, diz. Nessa direção, ele ressalta o fato de a Blau ter fechado 2024 com uma dívida líquida de R$ 24 milhões e uma alavancagem de 0,1 vez, contra R$ 163 milhões e 0,4 vez em 2023.
Em outros indicadores do seu balanço, a companhia registrou um Ebitda recorrente de R$ 391 milhões em 2024, o que representou um crescimento de 50,7% sobre 2023. No quarto trimestre, o avanço nessa linha foi de 103,2%, para R$ 117 milhões.
Múltiplos e free float
No caminho da expansão internacional, a Blau não descarta – como já foi aventado em outras oportunidades – fazer a listagem de suas ações nos Estados Unidos. Questionado sobre essa alternativa, Hahn diz que não há nenhum plano estruturado nessa direção. Mas não titubeia.
“Na verdade, não sou eu que vou levar para lá. É o mercado que quer me expulsar, porque os múltiplos que pagam por aqui é um negócio ridículo”, afirma ele.
“Ontem mesmo, teve uma farma brasileira que teve o ingresso de um minoritário. E o múltiplo pago foi mais que o dobro do que minha ação vale”, complementa
Hahn não cita nomes. Mas sua fala é uma referência direta à venda de uma participação minoritária da Cimed para o Fundo Soberano de Cingapura (GIC). O acordo, anunciado na segunda-feira, 17 de março, por cerca de R$ 1 bilhão, em troca de uma fatia de 12,5%, segundo estimativas do mercado.
“Ninguém precifica o que eu tenho hoje no portfólio”, diz Hahn. “Talvez seja uma falta de diligência do mercado ou mesmo uma falha nossa de não trazer um disclosure maior. O fato é que eu tenho uma empresa muito melhor do que quando abri capital e ela vale um quarto do que valia no IPO.”
A Blau Farmacêutica concretizou seu IPO no Novo Mercado da B3 em abril de 2021, quando teve sua ação precificada em R$ 40,14, captou R$ 1,26 bilhão em uma oferta primária e foi avaliada em R$ 7,2 bilhões. Hoje, a empresa vale R$ 2,2 bilhões.
Os papéis fecharam o pregão de terça, 18, com alta de 3,90%, cotados a R$ 12,51. Em 2025, porém, as ações acumulam uma desvalorização de 4,8%. Em doze meses, no entanto, elas registram uma alta de 5,4%.
Dono de uma fatia de 82,5% na empresa, Hahn também comenta o fato de a empresa ter obtido uma autorização da B3 para manter um free float de 16,55%, abaixo do mínimo de 20% exigido. Ele observa que, no IPO, a ideia era colocar um mínimo de 25% das ações no mercado.
“A verdade é dura e crua. O mercado não quis comprar”, diz ele. “Eu tinha e ainda tenho interesse em vender. O grande desafio é o valor. Como vou vender com a ação valendo quatro vezes menos? Mas acredito que, com o tempo, os resultados vão trazer a valorização e poderemos aumentar o free float.”