Uma penetração ainda baixa e um potencial bilionário de receitas, com alta recorrência de compras. Ao combinar esses elementos, o setor de supermercados online tem despertado, na mesma proporção, o apetite de gigantes do varejo alimentar e de grandes marketplaces.
A associação entre esses dois mundos tem sido, até aqui, o modelo vencedor nessa corrida inicial dos carrinhos virtuais. E esse formato está ganhando mais fôlego com uma nova parceria. Em um acordo antecipado com exclusividade ao NeoFeed, o Carrefour Brasil é a mais nova opção na prateleira de supermercados online do Mercado Livre.
Com a parceria, o grupo francês, que já tem presença na plataforma, reforça esse pacote com categorias de alimentos e um tempero adicional: o modelo de fulfillment. Todo o processo - do armazenamento e separação dos itens até as entregas na última milha - estará a cargo do Mercado Livre.
“Essa é a categoria menos madura e, por consequência, a de maior potencial no e-commerce”, afirma Kael Lourenço, diretor de marketplace do Mercado Livre, ao NeoFeed. “Com essa parceria, nós saímos na frente ao conciliar o nosso nível de serviço com o sortimento e a força da marca do Carrefour.”
Diretor sênior de serviços digitais e comerciais do Carrefour Brasil, Alexandre Gyurkovits reforça: “Mesmo entre o cliente nativo digital, ainda não existe uma cultura tão agressiva para produtos alimentares”, diz ele. “O que estamos fazendo é tentar contribuir para mudar essa cultura.”
Até então, o Carrefour marcava presença no Mercado Livre com as categorias de eletroeletrônicos, bazar e têxtil. Ao mesmo tempo, o contrato marca a primeira iniciativa do marketplace sob o conceito de venda geolocalizada na categoria de supermercados. Ou seja, as entregas acontecerão em um raio específico – não revelado – dos centros de distribuição do grupo, começando pelas regiões Sudeste, Norte e Centro-Oeste.
Um dos pontos de partida será o CD em Cajamar (SP), instalado em uma área de 110 mil metros quadrados. Ainda neste ano, as regiões Nordeste e Sul devem ser adicionadas a esse mapa da parceria.
Alguns dados dão a medida da estrutura à disposição. A logística foi o maior foco dos investimentos de R$ 17 bilhões do Mercado Livre no Brasil em 2022. Entre outros formatos, essa malha tem mais de 10 centros de fulfillment e cerca de 100 centros de menor porte dedicados à última milha.
Com essa rede, a meta da dupla é manter os níveis de serviço do Mercado Livre. Segundo Lourenço, o marketplace já entrega no mesmo dia em 100 cidades do País. A plataforma conclui, em média, 75% das suas entregas em até um dia, em 2,1 mil municípios, e 85% delas em até 48 horas, em 4,7 mil praças.
Inicialmente, o mix terá cerca de 300 SKUs, com alimentos e categorias como bebidas, cuidados pessoais, higiene, limpeza e infantil. Entretanto, ao menos nessa primeira fase, os produtos perecíveis, um dos grandes desafios para escalar esse segmento, não farão parte do pacote.
De acordo com os executivos, haverá um trabalho a quatro mãos e orientado por dados para expandir, rever e ajustar esse sortimento. Nessa largada, não há um tíquete mínimo para efetuar as compras. É possível adquirir um único item e de baixo valor.
Ao acessar o fluxo de consumidores que trafegam pelo Mercado Livre, com um mix mais amplo, um dos racionais da parceria é ampliar não apenas a frequência de compras nessa vertical – na faixa de 1,5 a 1,8 transações por mês. Mas também, o tíquete médio, em um conta que vai além dos cliques virtuais.
“Hoje, por exemplo, um cliente que compra no físico e no online gasta, em média, R$ 148, contra uma média de R$ 118 de quem consome só no online e de R$ 100 de quem usa só a loja física”, diz Gyurkovits. “E o que temos percebido é que esse cliente digital também já começa a fazer compras de abastecimento.”
De olho nessa tendência, o Carrefour também está presente em parceiros como Magazine Luiza, Via, iFood e Rappi. Em outra iniciativa recente, o grupo fechou uma parceria com a Cornershop para entregas em 15 minutos, começando por São Paulo.
Somando esses acordos a seus canais, a varejista fechou o terceiro trimestre de 2022 com um GMV digital de R$ 1,4 bilhão, alta anual de 95,4%. No varejo alimentar, o salto foi de 131,3%, para R$ 726 milhões. No período, a receita líquida total do grupo cresceu 40,2%, para R$ 26,3 bilhões.
Alguns números ilustram a moeda de troca do Mercado Livre nessa equação. Entre julho e setembro de 2022, a receita líquida do grupo no Brasil cresceu 33,9%, para US$ 1,4 bilhão. No período, foram 42 milhões de compradores únicos, levando-se em conta a operação em toda a América Latina.
O GMV da empresa na região foi de US$ 8,6 bilhões. A companhia não revela a fatia dos supermercados nesse bolo. “Hoje, a penetração do online desse formato gira entre 1,5% a 3% do mercado como um todo”, afirma Lourenço, acrescentando que o Mercado Livre segue essa média.
Atualmente, a oferta do marketplace nessa vertical inclui cerca de 50 mil SKUs e parcerias com redes como GPA e Mambo, além de marcas como Heineken, Unilever e P&G.
Parte desses acordos, como o GPA, também inclui o modelo de fulfillment. No caso do Mambo, um ponto relevante é o fato de a parceria envolver produtos perecíveis, em São Paulo e na Grande São Paulo.
Entre outros componentes, o que destaca a ampliação dos laços com o Carrefour é o fato de o grupo ser o líder em faturamento no varejo alimentar. E também a previsão de escalar a oferta por todo o País.
Concorrência
Segundo dados mais recentes da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o setor movimentou R$ 611,2 bilhões em 2021. Realizada pela consultoria britânica Dunnhumby em maio de 2022, outra pesquisa traz um termômetro do avanço das gôndolas virtuais.
De acordo com o estudo, naquele período, 83% dos consumidores fizeram compras online da categoria. O Mercado Livre figurou no topo, com 17% das transações, seguido pela Amazon, com 16%. O Carrefour/Atacadão foi o primeiro entre as redes tradicionais, com 11%.
Ao lado do Carrefour e do Magazine Luiza, também com 11%, outro player se destacou: a Americanas, na esteira das aquisições da plataforma Supermercado Now e do Hortifruti Natural da Terra, esse último, por R$ 2,1 bilhões.
Fragilizada pela descoberta recente de um rombo de R$ 20 bilhões e um pedido de recuperação judicial com dívidas de R$ 43 bilhões, a Americanas deve abrir caminho para outros players no setor.
Os executivos do Mercado Livre e do Carrefour medem as palavras sobre a situação. “Nossas estratégias são revistas constantemente e estamos sempre atentos a oportunidades de ganho de market share. Não é diferente do que já faríamos”, diz Lourenço.
Gyurkovits acrescenta: “Temos que aproveitar essas oportunidades para acolher o cliente. Inclusive porque também somos parceiros da B2W”, afirma.
O fato é que, ao menos em uma esfera, a dupla já ocupou um espaço da rival. Com o escândalo, a Americanas desistiu de patrocinar o Big Brother Brasil 2023. O Mercado Livre assumiu o seu posto e o Carrefour se tornou o mercado oficial do programa.
À parte dessa vitrine, há outros riscos para a Americanas. “Preço, promoções, variedade e qualidade são pilares dessa vertical”, diz Daniela Moribe, diretora da Dunnhumby. “Um dos grandes desafios será equacionar essas questões com os fornecedores para não afetar a oferta na ponta.”
Em relação à parceria entre Mercado Livre e Carrefour, ela enxerga uma estratégia assertiva, especialmente em um mercado ainda em maturação e no qual cada uma das pontas precisa de capacidades adicionais para ganhar escala.
De um lado, os marketplaces trazem um volume substancial de usuários já habituados às compras online e um conhecimento sobre todas as dinâmicas do e-commerce. De outro, as grandes redes de varejo alimentar detêm o mix e a experiência de décadas para lidar com as nuances desse segmento.
Ela ressalta, no entanto, um risco, em particular, para as redes varejistas tradicionais à medida que essa vertical ganhe corpo e, naturalmente, cada player decida disputar esse terreno unicamente com suas próprias forças, depois de aprender as regras do jogo com seus parceiros.
“Grupos como o Carrefour estão cortando atalhos, especialmente com esse modelo de fulfillment”, afirma. “Mas, ao mesmo tempo, teoricamente, eles também estão colocando todos os dados de seus clientes e todo o seu conhecimento de gestão no ambiente e mão de outro grande player.”