O mundo vive um momento de intensas transformações. As mudanças climáticas têm elevado a frequência de eventos extremos, enquanto o conflito prolongado entre Rússia e Ucrânia levanta preocupações sobre possíveis desdobramentos em outros países da Europa.
É nesse cenário de instabilidade e incertezas que o BNP Paribas Cardif, braço de seguros do maior banco da França, busca acelerar seus negócios tanto dentro quanto fora do continente europeu.
No Brasil, para a celebração do aniversário de 25 anos de operações no País, Pauline Leclerc-Glorieux, CEO global do BNP Paribas Cardif, falou com exclusividade ao NeoFeed sobre a importância da diversificação regional do negócio diante do cenário atual.
“A diversificação é interessante porque nos permite exercer bem o nosso papel como seguradores. Em alguns anos, certas regiões terão um desempenho melhor do que outras”, afirma Leclerc-Glorieux.
Com € 287 bilhões sob gestão e € 36,5 bilhões em prêmios brutos emitidos, o BNP Paribas Cardif está presente em 30 países, dos quais 21 na Europa.
Essa presença inclui regiões que enfrentam riscos crescentes de instabilidade geopolítica, como a Alemanha — que tem ampliado seus investimentos em defesa —, a Polônia, que se prepara para uma possível escalada do conflito, e a própria Ucrânia, em guerra desde 2022.
Outro risco crescente é a maior incidência de catástrofes naturais que, segundo a executiva, poderá dificultar a oferta de seguros em determinadas regiões. “Isso é algo que vemos em todo o mundo e que tem impactado a forma como enxergamos o setor de seguros”, diz ela.
Para Leclerc-Glorieux, é necessário que as seguradoras trabalhem em conjunto com governos locais para, em alguma medida, reduzir a incidência de catástrofes naturais.
“Se ficarmos apenas esperando que as seguradoras paguem as indenizações quando ocorrer uma catástrofe natural — considerando que essa tendência é crescente —, chegará um ponto em que o seguro poderá se tornar caro demais ou até mesmo inviável em determinadas regiões”, diz ela.
Principal operação do BNP Cardif na América Latina, a divisão brasileira possui 25 milhões de clientes, com os seguros feitos exclusivamente via parcerias com empresas que atendem diretamente o cliente final.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Como parte do maior banco da Europa, gostaria de entender como estão vendo as questões geopolíticas que estão acontecendo no continente. Como precificar a venda de um seguro de carro em um país que corre o risco de entrar em guerra?
As taxas são baseadas na diversificação. Quando você é uma seguradora, sabe que alguns riscos vão acontecer — alguns clientes vão ficar doentes, alguns carros vão se envolver em acidentes, algumas regiões podem sofrer desastres naturais. O que você tenta fazer, como seguradora, é garantir que tenha um portfólio suficientemente diversificado, de forma que, se algo der errado — ou melhor, se um risco se concretizar em algum lugar —, isso seja compensado pelo fato de não ocorrer em outro. Nosso negócio é justamente lidar com riscos. Então, sabemos que eles vão ocorrer em algum ponto, mas buscamos equilibrar isso. Nem todos os carros terão acidentes. Nem todos os clientes ficarão doentes. Nem todas as regiões enfrentarão uma catástrofe natural. É assim que enxergamos as coisas.
É um método de diversificação?
O seguro é, essencialmente, sobre diversificação. Existem riscos que, individualmente, o cliente não conseguiria suportar. Nosso papel, como seguradora, é neutralizar esses riscos e torná-los suportáveis, porque conseguimos diluí-los e diversificá-los.
A diversificação geopolítica, com presença em 30 países, é uma vantagem em meio às tensões atuais?
Sempre foi algo positivo, porque, se você pensar na situação econômica, o setor de seguros está muito ligado ao consumo — afinal, se você compra um carro, precisa segurá-lo; se compra uma casa, também precisa de um seguro. E, quando olhamos para diferentes regiões geográficas, vemos que nem todos os países terão o mesmo dinamismo econômico ao mesmo tempo. Então, sim, a diversificação é interessante porque nos permite exercer bem o nosso papel como seguradores. Em alguns anos, certas regiões terão um desempenho melhor do que outras.
"O seguro é, essencialmente, sobre diversificação. Existem riscos que, individualmente, o cliente não conseguiria suportar"
Tem algum país em que atuam que estaria mais exposto ao risco de uma guerra que outro, por exemplo?
Eu não posso afirmar se há risco de guerra aqui ou ali — e realmente eu não sei. Não pensamos especificamente em termos de um risco geopolítico isolado. Portanto, não estou em posição de dizer que este ou aquele país tem um risco maior ou menor. Nós procuramos fazer o nosso trabalho como seguradores em todos os lugares onde for possível, é isso que fazemos.
Mas isso muda a forma como vocês precificam o risco, certo?
Isso muda a forma como precificamos o risco? Bem, a maneira como precificamos o risco, como seguradora, é sempre pensando: o que pode acontecer? Catástrofes naturais, situação econômica, doenças, pandemias. Isso faz parte do nosso trabalho.
As catástrofes naturais são algo que vêm ganhando cada vez mais importância no mercado de seguros.
O que temos observado — e há dados muito bons sobre isso, especialmente vindos das resseguradoras — é que, de fato, a ocorrência de catástrofes naturais está aumentando. O mais interessante é que não se trata apenas de grandes desastres naturais: eventos climáticos em geral, que não necessariamente configuram uma catástrofe, mas que têm maior frequência e menor impacto individual, também estão aumentando.
E com impactos globais?
Sim, isso é algo que vemos em todo o mundo e que tem impactado a forma como enxergamos o setor de seguros. Cada vez mais, entendemos que o seguro precisa ser visto como parte da solução para lidar com o aumento do risco climático em escala global.
O que falta?
Para isso, é preciso que o setor de seguros trabalhe em conjunto com governos e municípios, garantindo que também sejam tomadas ações para reduzir o impacto desses eventos. Se ficarmos apenas esperando que as seguradoras paguem as indenizações quando ocorrer uma catástrofe natural — considerando que essa tendência é crescente —, chegará um ponto em que o seguro poderá se tornar caro demais ou até mesmo inviável em determinadas regiões.
"É fundamental combinar o seguro com ações concretas, assegurando que, quando um evento climático extremo ocorrer, seu impacto seja menor"
Como se daria esse trabalho em conjunto?
É fundamental combinar o seguro com ações concretas, assegurando que, quando um evento climático extremo ocorrer, seu impacto seja menor. Por exemplo, por meio de investimentos em infraestrutura que ajudem a limitar os danos causados por essas catástrofes.
Que tipo de produtos de seguro estão mais expostos a esse tipo de evento extremo e catástrofes naturais? Seguros para agricultores, por exemplo?
No BNP Paribas Cardif, asseguramos principalmente as pessoas — indivíduos e o que elas possuem. Portanto, não fazemos seguros agrícolas. É por isso que avaliamos o impacto das catástrofes naturais mais em seguros residenciais e seguros de automóveis.
Como enxergam o fato de bancos e grandes empresas, especialmente nos Estados Unidos, estarem recuando no tema da sustentabilidade?
Acompanhamos como as coisas estão evoluindo no mundo todo, mas seguimos comprometidos com o nosso próprio plano de negócios e nossa própria trajetória. Falando especificamente pelo BNP Paribas Cardif, estamos trabalhando em nossos investimentos, seguimos uma trajetória de emissões líquidas zero (net zero) e buscamos tornar o seguro mais acessível
É uma vantagem em relação a bancos que desconsideram aspectos sociais e ambientais?
Como seguradora, sempre adotamos uma visão de longo prazo. Porque precisamos estar aqui para os clientes daqui a dois, cinco, dez anos. Uma seguradora precisa ter perenidade. E, quando você pensa no longo prazo, você pensa em sustentabilidade. É assim que enxergamos isso.
A instituição está em busca de alguma aquisição ou novos negócios no Brasil?
Crescemos principalmente de forma orgânica. Fizemos pouquíssimas aquisições. O que fizemos foi expandir nosso modelo de negócios, que é muito específico. Fazemos seguros de uma forma muito especial: trabalhamos por meio de parceiros, distribuidores, que não são especialistas em seguros, mas que têm clientes que precisam de seguros. Acreditamos que é uma maneira muito poderosa de resolver o que chamamos de insurance gap — a lacuna de proteção em seguros.
Essa lacuna de seguros no Brasil é uma questão cultural?
Você está certo ao dizer que a taxa de penetração de seguros no Brasil é menor do que a que temos na Europa. Mas, mesmo na Europa, ela ainda é relativamente baixa. Não estou dizendo que a Europa é um mercado maduro e o Brasil não é. Na verdade, vejo o Brasil como um país bastante maduro. Mas há bastante potencial de crescimento.