O temor de uma bolha relacionada aos ativos de inteligência artificial, após a forte valorização recente, nunca esteve tão grande nos Estados Unidos.

Dados do Google Trends, que monitoram as buscas na principal plataforma de pesquisa do mundo, mostram que o termo “AI bubble” atingiu máxima histórica nesta semana, com o volume de procuras mais do que dobrando em relação a agosto.

Os temores já fazem preço em Wall Street, com as ações de grandes representantes da tese caminhando para encerrar a semana com perdas multibilionárias em valor de mercado. Ao longo da semana, Nvidia e Microsoft chegaram a acumular perdas de 5%, enquanto a AMD e Palantir caíram mais de 10%.

Em termos nominais, somente a Nvidia chegou a perder mais de US$ 230 bilhões em valor de mercado ao longo da semana, mesmo após ter superado as expectativas em balanço do terceiro trimestre, divulgado na quarta-feira, 19 de novembro. Um dos destaques do trimestre foi o crescimento de 62% da receita para US$ 57 bilhões, superior ao próprio guidance.

O cenário só não foi pior graças ao presidente do Federal Reserve de Nova York, John Williams, que aumentou o apetite ao risco ao sinalizar que banco central americano deverá voltar a cortar a taxa de juros ainda neste ano.

Antes do discurso de Williams, em uma conferência organizada pelo Banco Central do Chile nesta sexta-feira, 21 de novembro, os principais índices de Nova York chegaram a operar em queda, sob os temores de bolha.

O mercado europeu, que fecha mais cedo devido ao fuso horário, terminou o dia em queda, com o Stoxx 600 recuando 0,33%. A Ásia também sentiu os efeitos. O índice de Hong Kong, Hang Seng, que concentra as principais empresas de tecnologia da China, caiu 2,4% nesta madrugada, encerrando a semana com uma perda semanal de 5,1%, a maior desde abril.

Charles Ferraz, head de investimentos offshore do ASA, reconhece o aumento dessa preocupação, dado o enorme crescimento nos investimentos previstos por essas empresas. "Isso gera dúvidas se esses investimentos irão gerar os retornos esperados."

Ferraz, no entanto, pontua que a valorização das empresas relacionadas à inteligência artificial tem sido acompanhada de lucros crescentes e que a maior parte dos investimentos será feita via fluxo de caixa. "Começamos a ver nos últimos trimestres um aumento do endividamento, mas ainda é relativamente baixo."

Ricardo Peretti, estrategista de ações Brasil do Santander Research, está acompanhado esse tema há meses e afirma que esse pode se tornar um ponto crítico para os mercados.

“O resultado da Nvidia foi robusto e mostrou que a demanda por chips de IA segue bem sólida (o que afasta os temores de bolha no curto prazo). Contudo, esse cenário de interdependência precisa ser monitorado de perto”, afirma. “A Nvidia vende chips para a OpenAI, enquanto a OpenAI se compromete a usar os data centers, que serão construídos pela Oracle. Essa interdependência começa a ficar preocupante.”

Se uma dessas partes não sair como o previsto, destaca o estrategista, o dano pode ser grande. “Não acho que é uma bolha. As empresas são sólidas e os valuations justificados. Mas se houver alguma evidência que chacoalhe um pouco essa confiança dos investidores em inteligência artificial, é algo que pode ser transformacional”, diz Peretti.

Nesse cenário, segundo Peretti, não seria apenas uma ação, como a da Nvidia, que cairia. “Ela puxaria todas as outras de tecnologia e boa parte do S&P 500 para baixo.”

Quem pretende inflar essa desconfiança é Michael Burry. O investidor, que ficou famoso por antecipar a crise hipotecária de 2008, saiu de um hiato de dois anos sem publicar no X para alertar sobre a possibilidade de uma bolha no setor de inteligência artificial.

No início da semana passada, Burry alertou que grandes empresas do setor estariam inflando seus lucros ao subestimar a depreciação dos investimentos ao alongar a vida útil dos chips — o que, estima ele, entre 2026 e 2028 tal depreciação pode estar subestimada em US$ 176 bilhões.

Agora, Burry prepara um novo relatório para a próxima terça-feira, 25 de novemvro. "Isso piora", afirmou. Se, no mercado, investidores buscam entender se Burry (de novo) viu algo que ninguém está olhando, executivos de big techs começam a abordar o assunto.

À BBC, Sundar Pichai, CEO da Alphabet, afirmou que a IA vive um “momento extraordinário”, mas que também há alguma “irracionalidade”. "[Se houver uma bolha], nenhuma companhia estará imune, inclusive nós.”