Em junho de 2023, Fabio Godinho embarcou em sua terceira passagem na CVC Corp. O regresso como CEO veio na esteira de outro retorno. A família do fundador da empresa, Guilherme Paulus acabara de ampliar sua fatia na operadora de turismo, voltando a ser a acionista de referência da companhia.
Godinho assumiu uma empresa fragilizada pela descoberta de distorções contábeis e pela pandemia. E, nos primeiros seis meses, ativou o modo sobrevivência, renegociando dívidas e promovendo uma volta ao básico, centrada em lojas físicas. Já em 2024, ele elegeu novos focos, como os pacotes exclusivos.
Agora, a CVC está de malas prontas para levantar voo em uma terceira escala do seu turnaround, que incluirá uma série de conexões em tecnologia, na busca por preços mais competitivos e na expansão de lojas.
“Além de um gap de preço para fechar, temos um catch up grande de tecnologia para fazer”, diz Godinho, CEO da CVC Corp, ao NeoFeed. “E somos uma empresa de turismo, não de tecnologia. Sozinhos, não vamos conseguir.”
Batizado de Projeto 100, essa nova etapa inclui, na partida, uma bagagem de mais de 100 projetos a serem implantados até 2027. Boa parte deles na área de tecnologia e por meio de parcerias com empresas como a Oracle.
A principal iniciativa nessa direção envolve, porém, um contrato de 15 anos que está sendo assinado neste mês com a Amadeus, empresa europeia fundada em 1987 pela Air France, Iberia, Lufthansa e Scandinavian Airlines System. E que é o principal player global na área de tecnologia para turismo.
O acordo prevê a adoção de plataformas como a Amadeus Discover, que sugere um pacote com o que o turista pode fazer em cada destino, baseada em dados como a época do ano e o número de viajantes. Ela usa inteligência artificial, um recurso que a CVC quer integrar em todas os contatos com o cliente.
“Isso inclui o lead gerado no online, entender quem é esse cliente, para onde ele vai viajar e quanto quer gastar, até a recomendação do melhor preço”, diz Godinho. “E também a sugestão de compra de seguros, de outros serviços, antes do embarque, até a assistência durante toda a viagem.”
A busca por preços mais competitivos também tem assento nesse novo itinerário. No caso dos pacotes no exterior, o roteiro que começa a ganhar mais contornos envolve parcerias em cada região com grupos internacionais de turismo, para a negociação conjunta de preços e condições.
Essa estratégia teve início pelo Velho Continente, por meio de uma associação com a Ávoris, grupo de turismo da Espanha e de Portugal. E, em duas semanas, Godinho embarca para negociar parcerias na China. Na América do Norte, a CVC já tem conversas avançadas com um player mexicano.
A nova escala reserva espaço ainda para avanços em áreas da fase dois da reestruturação. Uma delas também passa pelos valores que cabem no bolso do consumidor. Aqui, desde 2024, a CVC tem buscado ampliar o leque de opções de financiamento das viagens além do cartão de crédito.
Hoje, esse portfólio inclui, por exemplo, parcerias com empresas como Nubank e PicPay, e modalidades como Pix, o uso do saque-aniversário do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), consórcios e opções financiadas pela própria CVC.
Em 2024, essas alternativas já representaram 36,7% das transações. “A grande movimentação desse ano vai ser o novo crédito consignado privado”, diz o CEO. “Já temos dois bancos em desenvolvimento para entrar, no máximo, em 90 dias.”
Concorrência
Os novos passos da CVC acontecem em paralelo a movimentações no setor. No fim de 2024, a Prosus, dona do iFood, desembolsou US$ 1,7 bilhão na compra da Decolar, uma das principais online travel agencies (OTAs, na sigla em inglês).
Godinho não nega que parte da nova guinada, em particular, a tecnológica, busca reduzir a distância em relação às OTAs. Mas ressalta que também está atento a players como Azul Viagens, Orinter e, em especial, a ViagensPromo, que vive séria crise e, segundo rumores, está prestes a pedir falência.
“O overlap que temos com as OTAs em vendas é de cerca de 25%. E são mais as viagens de estadia mais curta, focadas em preço, com margens menores e que nem são muito fortes na CVC”, diz. “Por outro lado, quando falamos da ViagensPromo, são R$ 1 bilhão em vendas indo para o mercado.”
Todos esses movimentos integram a aposta da CVC para tentar se diferenciar nesses dois fronts. Batizada como "figital", essa estratégia envolve o foco em sua rede de lojas físicas, sem abrir mão dos leads gerados nos canais digitais e das vendas com assistência, algo raro entre as OTAs.
Como parte desse modelo, a CVC inaugurou 301 lojas em 2024, sendo 41 na Argentina e 260 no Brasil. E, no País, um dado resume outro terreno onde a operadora está avançando. Do total de lojas abertas, 72%, foram em cidades do interior.
“Antes, como dependíamos 100% do cliente entrar nas lojas, nosso modelo era baseado em grandes lojas, de 150 metros quadrados, em metrópoles e com capex de R$ 300 mil”, diz. “Hoje, com o 'figital', abrimos unidades de 25 metros, com um capex de R$ 70 mil e em cidades de mais de 10 mil habitantes.”
Em 2024, a expansão deve acontecer em um ritmo um pouco menor do que em 2024. Mas, ainda assim, o plano é registrar o dobro da média histórica da CVC – de 100 inaugurações anuais.
Recuperação em andamento
Em alguns dos números mais recentes, a CVC reportou um lucro líquido ajustado de R$ 53,8 milhões em 2024, revertendo a perda de R$ 238,3 milhões, apurada um ano antes, e registrando a maior cifra nessa linha desde 2018.
O Ebitda ajustado avançou 100,4%, para R$ 389,4 milhões. Já a dívida líquida recuou de R$ 414,3 milhões para R$ 241 milhões, enquanto a alavancagem foi de 0,6 vez, contra 2,1 vezes em 2023.
Em relatório, o BTG Pactual destacou o “sólido crescimento nas vendas” no Brasil e os sinais de melhora operacional. Mas ressaltou o fluxo de caixa livre como um ponto negativo.
“Saudamos a recuperação em andamento, mas nossa recomendação neutra reflete, em última análise, os grandes desafios pela frente, com o progresso da desalavancagem e o crescimento da competição com as OTAs”, escreveu o banco.
No mercado de capitais, as ações da CVC encerraram o pregão da segunda-feira, 12 maio, cotadas a R$ 2,26, queda de 2,16%, dando à empresa um valor de mercado de R$ 1,18 bilhão. Em 2025, os papéis registram, porém, uma valorização de 63,7%.
“Obviamente, não vamos sair de queimar R$ 1 bilhão para gerar R$ 1 bilhão de caixa em um ano. Tudo é uma progressão”, diz Godinho.