No fim de abril, o mundo dos investimentos de impacto ficou agitado após a Spectra Investimentos publicar uma carta aos clientes questionando essa estratégia. Em um dos trechos, a gestora de ativos alternativos fala sobre a pretensão “romântica” de combinar retornos com impactos socioambientais.

A carta veio num momento em que essa estratégia de investimento está sob ataque - especialmente após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, que possui uma agenda anti-ESG. Um levantamento da consultoria Morningstar mostra que os americanos reduziram sua exposição a fundos mútuos sustentáveis pelo 10º trimestre consecutivo e que esse movimento começou a ser visto, também, na Europa.

Para Daniel Izzo, CEO da Vox Capital, uma das referências no universo dos investimentos de impacto, o momento anti-ESG e investimentos socioambientais se trata de uma “marolinha”. Ele avalia que o momento político atual não vai conseguir esconder a necessidade de debater as consequências das ações humanas sobre temas como clima e desigualdade e qual o papel dos investimentos em mitigar, ou não, essas questões.

“Não dá para esconder que estamos perdendo biodiversidade em ritmos assustadores, que há um aumento assustador da desigualdade social, que pode ser piorado com a IA”, diz Izzo, ao NeoFeed. “Queira ou não, essas discussões terão que voltar para a mesa.”

Izzo destaca que o foco da Vox Capital é em investimentos de impacto e que, por enquanto, essa modalidade não está sentindo os efeitos do movimento anti-ESG. Ele cita que a casa aumentou seus ativos sob gestão em R$ 200 milhões neste ano, para R$ 1,4 bilhão, com crescimento nos fundos de renda fixa e multimercados, mais captações feitas na parte de venture capital (VC).

Na parte de VC, a casa participou, em outubro do ano passado, da rodada de R$ 10,5 milhões feita pela Intuitive Care, startup que atua com serviços de tecnologia financeira para hospitais, clínicas e laboratórios. A Vox já investiu na Nude, de produtos à base de aveia, e na Celcoin.

A respeito da discussão entre retorno e impacto, Izzo diz que o mais importante é o mercado começar a entender que todos os investimentos têm algum tipo de consequência e que é preciso começar a ponderar isso muito mais do que a questão do retorno financeiro.

“Uma discussão madura não é se a gente entrega mais retorno, mas como incorporar a dimensão do impacto em toda a análise de investimento. Não dá mais para, em 2025, querer retorno sem se perguntar o que o investimento está ajudando a criar”, diz ele.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:

Como você avalia o momento atual para investimentos de impacto, quando o conceito de ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança corporativa) está cada vez mais escanteado?
Pode-se escantear o termo ESG, mas não dá para escantear a real necessidade dos seus temas hoje em dia. Mas é importante destacar que o que a Vox faz não é ESG, é impacto. A diferença é que o ESG olha principalmente para como as coisas são feitas, se consideram as questões do E [meio ambiente], do S [social] e do G [governança]. Existem empresas com ESG forte, mas com produtos ou serviços cujo impacto não é bom. O investimento de impacto olha para o produto ou o serviço que entrega.

Mas você não vê uma contaminação dessa maré contrária ao ESG para investimentos de impacto?
Eu acho que pode até ter, mas eu acho que é uma marolinha. É uma turma que está falando absurdos e fazendo absurdos. Tudo isso vai ajudar no sentido contrário, de fortalecer o tema e a agenda, porque não dá para tapar o sol com a peneira. Não dá para esconder que estamos perdendo biodiversidade em ritmos assustadores, que há um aumento assustador da desigualdade social, que pode ser piorado com a IA. Queira ou não, essas discussões terão que voltar para a mesa.

Qual o peso da política em reduzir investimentos nessas frentes? Ou tem outras coisas influenciando?
É puramente político. Infelizmente o ESG caiu nessa história de lados políticos, e eu não sinto isso em investimentos de impacto, não vejo ataques a investimentos de impacto ainda. É uma pena porque quando cai nisso vira algo de ‘se eu sou de esquerda, sigo toda essa linha aqui, até as mesmas coisas que eu teria a dificuldade de concordar’ e vice-versa. O ESG acabou caindo nesse balaio de gato. Tudo é polarizado, até a camisa da Seleção Brasileira, tudo é politizável. A quem isso serve, eu não sei.

Alguns apontam que o ESG sofreu o mesmo que as startups, indo bem quando os juros estavam baixos e sofrendo quando o aperto monetário começou. A alta dos juros explica a reversão dos investimentos ESG e de impacto?
Esse movimento pegou toda a indústria de fundos. Temos resgates líquidos há alguns anos. Não acho que seja uma excepcionalidade de investimentos de impacto. Temos um fundo de renda fixa que tem crescido. Nós saímos de quase R$ 600 milhões sob gestão em 2023 para R$ 1,4 bilhão e estamos com perspectivas de crescer mais. Ao mesmo tempo que fica difícil de captar, as dores que o mundo começa a passar, sejam sociais ou ambientais, têm atraído a atenção aos investimentos de impacto.

Sobre investimentos de impacto, existe uma visão de que eles pressupõem retornos menores do que os ditos investimentos tradicionais. Num momento de juros altos, esse tipo de narrativa não prejudica a classe de ativos?
Isso é tão científico quanto astrologia. Tem gente que acha que sim, tem gente que acha que não, a gente não tem dados suficientes. Eu tenho fundos que estão acima da média, no top quartile, e tem fundos que estão abaixo. Com os dados que temos não está provado [se tem mais ou menos retorno]. Tudo na vida tem trade off.

"Todo investimento tem algum tipo de impacto. Por que só os investimentos de impacto tem que se preocupar com isso?"

Como assim?
O que defendemos não é que investimento de impacto tem mais ou menos retorno, mas o que todo mundo deveria estar olhando, medindo e controlando é o impacto que está causando. Todo investimento tem algum tipo de impacto. Por que só os investimentos de impacto tem que se preocupar com isso? Eventualmente você pode ter um trade off entre retorno financeiro e impacto. Mas uma discussão madura não é se a gente entrega mais retorno, mas é como incorporar a dimensão do impacto em toda a análise de investimento. Não dá mais para, em 2025, querer retorno sem se perguntar o que o investimento está ajudando a criar.

Como fazer essa análise e mensurar isso?
Infelizmente, eu não consigo calcular o quanto uma solução de saúde ou de alimentação saudável diminui o custo do SUS e, portanto, a TIR agregada. Mas tenho certeza que uma empresa de alimentação que é só gordura saturada e açúcar coloca pressão no sistema de saúde, é uma externalidade. A discussão de trade offs precisa ser mais madura do que falar apenas em retorno. Não podemos mais investir em coisas que colocam em risco o futuro da humanidade só porque tem uma TIR maior que as outras.

Mas não existe forma de mensurar o impacto?
A gente mede o impacto por solução que a empresa se propõe a fazer. Cada uma tem uma forma de medir o impacto, porque cada uma está resolvendo um problema diferente. É uma prática que existe há dez anos e está amadurecendo. Não acho que a gente vai chegar num índice que compara impactos, seria reducionista demais. Mas é como escrevemos na carta, como é que se mede risco? Risco também tem um lado subjetivo, e falar que como tem o subjetivo, não se deveria medir, isso a gente já passou. O mesmo vai ser com impacto.

Existe correlação entre impacto e retorno financeiro?
Se estiver entregando um produto ou um serviço que efetivamente melhora a vida das pessoas, podemos criar soluções mais resilientes e empresas mais perenes. Pode haver essa correlação, mas ela é tão científica quanto dizer que impacto não tem retorno. Se quiser ter o maior retorno possível, no curto prazo, eu abro uma bet. Mas não sei quanto uma bet é algo que a sociedade vai querer manter por muito tempo. Investir em bet é um risco maior do que investir em algo que pode trazer um impacto duradouro e positivo para as pessoas.

O que o mercado não entende a respeito dos investimentos de impacto?
A discussão que não está se fazendo é que mundo que estamos ajudando a criar. Discutir impacto virou só discussão de retorno financeiro. O que eu questiono é essa unicidade de métrica, como se a única coisa que importasse fosse o retorno financeiro. Eu estou olhando para criar soluções com retorno financeiro, mas isso é o meio, não o fim. O fim é que mundo que eu estou ajudando a criar quando tomo uma decisão de investimento? O que que eu estou deixando para os meus filhos e netos além do dinheiro?

Como estão as oportunidades de investimentos de impacto no País? Tem visto boas oportunidades no mercado? Quais áreas estão mais "quentes"?
As oportunidades são quase infinitas. Enquanto tiver problemas para resolver, tem espaço para investimento de impacto. O que temos visto aparecer bastante são oportunidades relacionadas ao agro, seja startup ou projetos junto a pequenos produtores para melhorar o uso de terra. Fintech continua quente, soluções de saúde também.