Aos 66 anos, o economista e consultor iraniano-americano Nouriel Roubini está se reinventando. Conhecido por prever a crise financeira de 2008 e, principalmente, por seus prognósticos pessimistas quanto ao cenário econômico - o que lhe rendeu o apelido de Dr. Doom ("Doutor Apocalipse”) -, Roubini finalmente terá a chance de provar que suas previsões sombrias podem gerar retorno financeiro para os investidores.

O Atlas America, fundo ETF recém-criado, será listado nos Estados Unidos no segundo semestre. E Roubini, como economista-chefe e cofundador da Atlas Capital Team, será um dos três gerentes de portfólio à frente do fundo.

O novo desafio não assusta o veterano economista, professor emérito da Universidade de Nova York e muito respeitado no mercado financeiro, apesar do famoso pessimismo em suas previsões. "Tenho aconselhado gestores de ativos por meio de minhas consultorias econômicas há décadas", afirmou Roubini ao jornal britânico Financial Times (FT), que revelou a nova investida do "Doutor Apocalipse".

O economista diz que a ideia de gerenciar investimentos de terceiros surgiu após a publicação de seu livro Megathreats (“Mega-ameaças”, em tradução literal), de 2022, no qual listou dez grandes riscos que ameaçam o planeta, com consequências para a economia global.

Entre eles, as mudanças climáticas, ameaças da inteligência artificial (IA), fim da globalização, guerra comercial EUA x China, a bomba-relógio demográfica, risco de estagflação e o alto endividamento dos países ricos, entre outras ameaças.

“Percebi que há uma variedade de riscos que estão surgindo que são novos e diferentes e com os quais precisamos nos preocupar", afirmou. Com isso, seu fundo mescla a avaliação de riscos citados no livro com outros mais recentes, como inflação mais alta, degradação do dólar, escassez de alimentos e recursos, polarização política e ataques cibernéticos.

O resultado é um fundo com uma visão ao mesmo tempo cautelosa e inovadora, marcada logo de cara por um questionamento à tradicional abordagem de investimento com carteira de ações/títulos na proporção 60/40.

"Se você assumir que os preços dos títulos e das ações estão negativamente correlacionados, funciona, desde que a inflação esteja baixa e estável e não haja outros riscos de cauda", disse Roubini. "Mas, em 2022, o S&P 500 caiu 15% e os títulos do Tesouro de 10 anos, 20%; os ativos defensivos tradicionais não eram defensivos.”

Segundo ele, a solução a ser oferecida pela Atlas Capital é um portfólio composto por títulos do Tesouro de curto prazo (até dois anos), que estão menos expostos ao aumento da inflação, ao lado de "uma cesta otimizada de ativos baixos ou negativamente correlacionados".

Esta cesta inclui ouro, fundos de investimento imobiliário "resilientes ao clima" (Reits), títulos do Tesouro protegidos contra a inflação e commodities agrícolas - considerados estrategicamente importantes "quando o fornecimento de alimentos é ameaçado por conflitos climáticos e geopolíticos".

O fundo mira retornos moderados, que, segundo Roubini, são "muito melhores do que retornos de renda fixa, com muito menos volatilidade, do que ações, sem perder dinheiro durante eventos cisne negro”, referindo-se a eventos financeiros difíceis de prever.

Mudanças climáticas

Chama a atenção na estruturação do portfólio do fundo a tentativa de transformar as ameaças que Roubini costuma pregar em oportunidades de investimento. "Queremos investir na reconstrução da infraestrutura dos EUA. Queremos garantir a segurança alimentar, a produção de metais verdes e terras raras", disse Roubini.

As mudanças climáticas, tema que o economista sempre cita em suas palestras, foram incorporadas de maneira agressiva ao portfólio de Reit proposto pelo fundo. A visão de Roubini é que a mudança climática tornará lugares como a costa da Flórida e do Texas quase inabitáveis, principalmente porque as seguradoras tendem a retirar a cobertura de danos.

"Acreditamos que haverá migração em massa na América do Norte e que a migração em massa terá um impacto significativo nos preços dos imóveis”, disse o economista.

Ele cita a constatação da migração em massa ocorrida durante a pandemia, quando milhares de pessoas deixaram Nova York e São Francisco para Austin e Miami, com impacto entre 15% a 20% nos preços dos imóveis. Nas projeções do fundo, por exemplo, um terço da população americana precisará se mudar num cenário de mudança climática extrema.

Outra novidade é que a Atlas está avaliando a tokenização do fundo - com transações registradas em uma blockchain - para permitir que investidores não americanos invistam.

Roubini está esperançoso de que isso pudesse permitir que as ações do ETF fossem usadas como meio de pagamento. "Isso é maior do que um ETF. É maior do que uma moeda digital. É algo que os governos não podem fazer", acrescentou.