No ano passado, a Surf Telecom, uma operadora móvel virtual (MVNO, da sigla em inglês) que presta serviços de telefonia celular para outras empresas e provedores de internet no modelo white label, caminhava para uma abertura de capital no exterior.
O objetivo era buscar recursos, estimados na ordem de US$ 200 milhões na época (atualmente mais de R$ 1 bilhão), para reforçar seu braço financeiro (a Surf Fintech), bem como crescer sua operação tradicional de telefonia celular, que presta serviços para Correios, Uber e Pernambucanas, entre diversos outros varejistas, e até para times de futebol.
Mas uma briga com a Plintron Holdings, dona de 40% das ações preferenciais da companhia, barrou o processo de se tornar uma empresa pública. A sócia foi à Justiça para impedir a abertura de capital e conseguiu uma liminar interrompendo o processo. Em resumo, a empresa alega que o IPO era uma estratégia para diluir sua participação e, assim, impedir que assumisse o controle da empresa.
Agora, a Surf está tentando retomar o processo de abertura de capital em meio a uma série de incertezas e briga com seu sócio. “Em relação a abertura de capital, o processo é iminente e não será aqui na B3”, disse ao NeoFeed Alexandre Pieroni, sócio da Surf Telecom e COO da operação fundada por Yon Moreira, ex-vice-presidente da antiga Brasil Telecom.
Pieroni não quis dar mais informações de como pretende levar adiante a abertura de capital, afirmando que isso vai acontecer no momento adequado. Mas o NeoFeed apurou que há duas estratégias em curso. A primeira é derrubar a liminar conseguida pela Plintron Holdings que impede o IPO. A segunda é se tornar uma empresa pública via uma holding nas Ilhas Caymann, a Surf Group Holdings Limited, que controla indiretamente a Surf Telecom no Brasil, e fazer a listagem nos Estados Unidos.
Em nenhuma delas, o caminho será fácil. De acordo com um profissional de um banco de investimento, que assessorou dezenas de IPOs no mercado brasileiro nos últimos anos, sem resolver a disputa com a Plintron Holdings, será difícil conseguir que os investidores apostem na companhia. “Se não resolver essa disputa, ela terá dificuldades de enfrentar o mercado”, diz essa fonte.
A Plintron Holdings pagou US$ 4 milhões por uma fatia de 40% da Surf Telecom em outubro de 2016. Pelo acordo, a companhia, que tem sede em Cingapura, se comprometeu a realizar quase US$ 15 milhões de investimentos.
Com esse aporte, ela poderia converter as ações preferenciais em ordinárias, além de ter a opção de comprar mais 20%, assumindo o controle da empresa no Brasil. Dona de uma solução de computação em nuvem que permite criar operadoras virtuais, justamente o negócio da Surf Telecom, a Plintron Holdings opera em 25 países.
Atualmente, o controle da Surf Telecom está nas mãos da Maresias Participações, que detém uma fatia de 60% da companhia e é controlada por Yon Moreira. A Plintron Holdings alega que a Surf Telecom tem retardado o processo para que ela possa assumir o controle. E o que o IPO seria uma forma de diluir sua participação.
Em agosto do ano passado, o juiz Eduardo Palma Pellegrinelli, da 1ª Vara Empresarial de Conflitos de Arbitragem, suspendeu o processo do IPO a pedido da Plintron Holdings. A discussão deve ser decidida em um processo de arbitragem mediado pela Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC), que pode demorar mais de dois anos.
“O direito de a Plintron assumir o controle é cristalino”, afirma André Chateaubriand, sócio da área de contencioso e arbitragem do escritório de advocacia Mattos Filho, que representa a Plintron Holdings. “E a Surf se recusou a efetivar a conversão (das ações). É uma ação muito objetiva e há um caminho na arbitragem.”
No momento, a Surf Telecom trabalha para derrubar a liminar da 1ª Vara Empresarial de Conflitos de Arbitragem, o que eliminaria a barreira para que a companhia pudesse prosseguir com seu processo de IPO. A companhia brasileira alega que há irregularidade na representação processual e aponta inconsistências na procuração do representante da Plintron.
Na visão da Surf, houve alteração relevante no controle da Plintron. O grupo Lycamobile, que é uma operadora virtual presente em 23 países fundada pelo empresário do Sri Lanka radicado na Índia, Allirjah Subaskaran, passou a ter participação de 60% da companhia.
A Surf Telecom argumenta que procuração usada na disputa judicial no Brasil, de janeiro de 2019, é anterior a essa alteração. Com a mudança do controle acionário, não houve ratificação da procuração à representante da Plintron no Brasil. Com base nisso, o representante da empresa no País não teria poderes para constituir advogados no País.
Esse é o argumento principal para que a Surf Telecom peça a extinção do processo e possa seguir adiante com seu IPO. A Plintron, por meio da Mattos Filho, alega que não há problemas com a documentação.
A disputa entre as duas empresas não se resume à questão societária. No ano passado, a briga ganhou contornos dramáticos. A Plintron era também fornecedora da solução de tecnologia que permitia a Surf Telecom prestar serviços aos seus clientes.
Unilateralmente, a empresa tirou do ar o sistema e a Surf Telecom teve de correr para substituir a solução, deixando seus clientes vários dias fora do ar. Isso gerou outro processo, que corre em Nova York.
5G e infraestrutura própria
Por que a Surf Telecom tenta retomar o IPO? A companhia tem dito a investidores que tem planos de participar do leilão da tecnologia 5G, que pode ocorrer ainda neste ano, segundo o Ministério das Comunicações.
A companhia está construindo também sua rede própria e já conta com frequências para operar na região metropolitana de São Paulo e no Rio de Janeiro com a tecnologia 4G. Hoje, por ser uma MVNO, a Surf Telecom contrata os serviços de outra operadora. No caso, a parceria é com a TIM.
Questionado se o IPO era para obter recursos para participar do leilão do 5G e construir sua rede própria, Pieroni, da Surf Telecom, respondeu: “Por que não? Tendo mais recursos, aceleramos os nossos planos.”
De acordo com ele, a Surf Telecom faturou R$ 210 milhões em 2020, vem dobrando de tamanho nos últimos anos e deve crescer 50% em 2021. A operadora virtual contava, em março deste ano, com 637 mil assinantes do serviço de telefonia celular via os parceiros para os quais presta serviços.
A rede própria da Surf Telecom já atende as comunidades de Paraisópolis e Sapopemba, em São Paulo, além de municípios como Mauá, Diadema, Guarulhos e Osasco, na região metropolitana de São Paulo. No Rio de Janeiro, o foco é na Rocinha.
A estratégia é prestar serviços em regiões em que as grandes operadoras de telefonia, como Vivo, TIM, Claro e Oi, não têm tanto interesse econômico. Com a rede própria, a Surf Telecom vai além da telefonia celular e pode oferecer banda larga fixa através da tecnologia móvel. “Essas comunidades não são bem servidas pelas operadoras tradicionais”, afirma Davi Braga, CTO da Surf Telecom.
Ao mesmo tempo em que tenta se preparar para o futuro, a Surf Telecom mantém o foco em seu modelo de negócio tradicional. A companhia que começou a operar em 2017, através da operadora de celular dos Correios, conquistou clientes importantes nos últimos tempos, como a Uber e o banco Bmg.
No caso da Uber, cujo serviço entrou em operação no início deste ano, os motoristas e entregadores da empresa têm acesso a um plano de telefonia celular pré-pago com WhatsApp e Waze ilimitado. Os preços variam de acordo com a categoria do programa de vantagens do Uber Pro.
“O produto ainda está em expansão”, diz Silvia Penna, gerente de operações da Uber no Brasil. “Já estamos presentes em Minas Gerais, Brasília, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Bahia, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.”
Mas a Surf Telecom também perdeu outros clientes de peso, como o Magazine Luiza e o Banco Inter, que lançaram suas operadoras de telefonia celular que funcionava com a infraestrutura da Surf Telecom na retaguarda. O Banco Inter, por exemplo, migrou a infraestrutura da sua operadora Intercel para a Vivo. Além disso, alguns parceiros da Surf Telecom com os quais o NeoFeed conversou reclamaram da qualidade do serviço prestado.
Em nota, a Surf Telecom informou que tem “excelente relação com seus parceiros comerciais, tendo em vista seu crescimento nos últimos anos” e que “não tem notícia de descontentamento por parte de nenhum cliente atual da empresa”.
A competição também tem aumentado nessa área. Além da Surf Telecom, há outras empresas como Datora, America Net e Safra que atuam nesse segmento de MVNOs. “Há uma explosão de operadoras virtuais no Brasil”, diz Eduardo Tude, presidente da consultoria especializada em telecomunicações Teleco.
O número de MVNOs saltou de 24, em 2019, para 90, no ano passado, de acordo com levantamento da Teleco. As operadoras móveis virtuais contavam com 1,63 milhão de acessos em 2020, um crescimento de 36%. Ainda assim, a base é pequena: apenas 0,7% do total de linhas móveis ativas no Brasil em dezembro de 2020.