No fim de outubro, Tim Cook, CEO da Apple, fez uma visita surpresa à China. A passagem do executivo teve como pano de fundo as vendas aquém do esperado do iPhone 15 no país da Grande Muralha, terceiro maior mercado global da companhia, e o avanço de players locais na categoria.

O desempenho decepcionante do carro-chefe da Apple não é, no entanto, o único sinal de alerta para Cook na China. Se a empresa da maçã vem perdendo fôlego nessa disputa com nomes como Honor, Vivo e Oppo, em outra corrida, a gigante praticamente nem saiu do lugar: os veículos elétricos.

As primeiras pistas de que a Apple investiria nessa seara surgiram há nove anos. De lá para cá, porém, a empresa não apresentou nada de efetivo nessa direção. Enquanto isso, algumas das principais rivais do iPhone na China, o maior mercado global de carros elétricos, estão acelerando nesse espaço.

O exemplo mais recente foi dado pela Xiaomi. Em evento realizado na quinta-feira, 28 de dezembro, em Pequim, a companhia, que ganhou fama como a “Apple da China”, apresentou oficialmente o Xiaomi SU7, sedã que marca sua entrada na categoria de carros elétricos.

Com a expectativa de chegar às lojas nos próximos meses, em duas versões, conectadas a outros dispositivos da marca, o modelo ainda não teve seus preços divulgados. Mas a fabricante deixou claro suas ambições ao dar a partida nessa estratégia, que prevê um aporte de US$ 10 bilhões em dez anos.

“Trabalhando duro nos próximos 15 a 20 anos vamos nos tornar um dos cinco maiores fabricantes de automóveis do mundo”, disse Lei Jun, presidente-executivo da Xiaomi, durante o lançamento. Ele afirmou ainda que o plano, com o tempo, é rivalizar com carros da “Tesla e da Porsche”.

Na mesma semana, a Huawei foi outra companhia a apresentar novidades. A empresa anunciou o lançamento do Aito M9, um SUV elétrico de luxo embarcado com sistemas e tecnologias de sua lavra e conectado aos dispositivos da marca. O modelo tem previsão de chegada, inclusive no Brasil, em 2024.

O Aito M9 é mais um veículo desenvolvido pela empresa com a montadora chinesa Seres. A Huawei ingressou na categoria de carros elétricos há pouco mais de dois anos e as parcerias com companhias locais do setor, como Chery e Changan, têm sido um atalho para ganhar tração nessa nova competição.

Há cerca de um mês, em um de seus movimentos mais recentes, a empresa anunciou que fará um spin-off da sua unidade softwares e componentes para carros inteligentes. Nesse percurso, a Huawei já atraiu a participação da Changan e segue buscando outros parceiros para a operação.

Os investimentos da Huawei nessa nova arena integram seus esforços para se recuperar dos efeitos dos embates entre China e Estados Unidos nos últimos anos. Nesse período, a empresa foi impedida de obter chips fabricados com tecnologia americana para equipar seus dispositivos.

A entrada em carros elétricos é vista como a oportunidade de diversificar as fontes de receitas da companhia. E, ao mesmo tempo, de impulsionar as vendas de smartphones e outros dispositivos, dada a integração de todo esse ecossistema.

Da mesma forma, a Xiaomi também enxerga a categoria como um dos motores para reverter a queda em seu lucro, diante de um cenário de estagnação nas vendas de smartphones e da crescente concorrência de fabricantes de aparelhos de menor custo.

Em paralelo, a corrida das duas empresas também é vista como uma forma de se preparar e antecipar o provável desembarque da Apple nesse espaço. No mercado, a expectativa é de que a estreia do “Apple Car”, que também deve trazer recursos de direção autônoma, só aconteça em 2026, contra a previsão anterior de 2025.

Os planos da empresa na categoria começaram a ser desenhados em 2014, por meio de um projeto batizado de Titan. Entre idas e vindas, a iniciativa já contou com o envolvimento de nomes como Doug Field, um ex-executivo da Apple que voltou à companhia após uma passagem pela Tesla.

Enquanto o projeto não sai da “garagem”, em seu mercado principal, os smartphones, a Apple segue em um trajeto desafiador. Segundo a consultoria Counterpoint Research, a empresa fechou o terceiro trimestre com uma participação de 14,2% no país, ante uma fatia de 15,3%, um ano antes.

Nesse intervalo, as vendas do iPhone na China recuaram 10%. Ao mesmo tempo, a líder Honor ampliou sua liderança, saltando de uma fatia de 17,2% para 18,3%. Xiaomi e Huawei também avançaram. A primeira, de 13% para 14%. E, a segunda, de 9,1% para 12,9%.

Os problemas da Apple não se restringem ao mercado chinês. Nessa semana, a empresa foi proibida pela International Trade Commission (ITC) de vender modelos do Apple Watch nos Estados Unidos, sob a alegação de violação de patentes da empresa, também americana, Masimo.

Na sequência da decisão, a Apple obteve uma suspensão temporária da determinação, o que permitiu a retomada nas vendas dos dispositivos. A empresa também entrou com um recurso para reverter a sanção imposta pela ITC.

As ações da Apple estavam sendo negociadas com ligeira alta de 0,55% na Nasdaq por volta das 12h (horário local). No ano, os papéis da companhia, avaliada em US$ 3,02 trilhões, acumulam uma valorização superior a 49%.