A bolsa de valores brasileira caminha para terminar 2025 com mais de 30% de alta, com o Ibovespa em dólar subindo quase 50%. A forte valorização fez parte de uma maior diversificação global, com saída de recursos dos Estados Unidos, um movimento que, segundo o gestor americano David Wolf, deve persistir em 2026.

“Há uma tendência que ainda é de diversificação, com dinheiro saindo da concentração em ativos americanos. Isso se reflete nos metais, como ouro, platina, prata. É uma forma de se proteger contra uma eventual desvalorização do dólar”, diz Wolf, em entrevista ao NeoFeed.

“O mais importante para mim é não ficar 100% exposto ao dólar. Tem que ter muito cuidado com isso”, complementa.

Essa preocupação, diz Wolf, está ligada à perda de credibilidade da política monetária americana, diante dos crescentes riscos de interferência do governo de Donald Trump - que ele descreve como “muito caótico”.

“Houve um caos nos EUA, causado pelo Trump e as tarifas, o que gerou movimento de saída de ativos americanos e da moeda americana. E não precisa muito dinheiro para fazer preço aqui no Brasil. Teve até emergente que subiu mais”, diz ele.

Com problemas locais ainda em aberto, Wolf avalia que os juros elevados no Brasil têm sido um grande ativo na atração desse capital.

Filósofo de formação, Wolf recorda que entrou no mercado financeiro quase por acaso. Formado em Massachusetts, mudou-se para Nova York na esperança de seguir carreira como escritor. “Mas vi rapidamente que seria impossível”, recorda.

A virada veio quando alguém sugeriu que ele olhasse para a área de sales & trading. “Bati de porta em porta até conseguir uma vaga na Payne Webber, no mortgage trading desk.”

Depois disso, trabalhou em praças como Londres, Tóquio e Minneapolis, antes de chegar ao Brasil para atuar nas operações da Cargill. Desde então, não saiu mais do País.

Por aqui, teve passagens pela tesouraria do Unibanco e, mais recentemente, foi gestor da Armor Capital. Atualmente, está dedicado à gestão dos recursos próprios e à escrita de sua newsletter periódica, em que pondera suas análises de mercado.

“Como estudei Filosofia, gosto de argumentos, lógica, evidência — montar um argumento. Isso me ajuda no mercado”, diz Wolf.

Confira, a seguir, os melhores trechos da entrevista.

A Bolsa brasileira subiu mais de 30% em 2025, com entrada de fluxo estrangeiro. O que explica esse fluxo?
O investidor local é muito sensível à política, por bons motivos. Mas o estrangeiro vê o investimento aqui como algo mais macro. Houve um caos nos EUA, causado pelo Trump e as tarifas, o que gerou movimento de saída de ativos americanos e da moeda americana. E não precisa muito dinheiro para fazer preço aqui no Brasil. Outros emergentes até subiram mais. Mas foi uma história mais macro.

O fator eleitoral teve relação?
Foi um movimento também puxado pela possibilidade de uma eleição com alguém da direita. Hoje, há preocupação de que o filho do Bolsonaro [Flávio] tenha menos chance de ganhar. Um contato meu falou: “Se o Lula ganhar, posso perder ou até ganhar um pouco. Mas se a direita ganhar, eu ganho duas ou três vezes o que investi”. Estão vendo uma assimetria positiva para o Brasil. Não estou dizendo que concordo com isso.

E qual é a sua visão?
O “trend is your friend”. Acho importante continuar investindo no Brasil. É um trade com oportunidade: o câmbio pode oscilar de R$ 5,30 para R$ 5,60 em pouco tempo. Por exemplo, na quarta-feira [24 de dezembro] o dólar caiu 1,3% — isso foi dinheiro do estrangeiro entrando. Eles não estão saindo da posição. Acho que tanto a moeda quanto a Bolsa podem continuar melhorando. Há uma tendência que ainda é de diversificação, com dinheiro saindo da concentração em ativos americanos. Isso se reflete nos metais: ouro, platina, prata. É uma forma de se proteger contra uma eventual desvalorização do dólar.

"Há uma tendência que ainda é de diversificação, com dinheiro saindo da concentração em ativos americanos"

O que tem causado isso?
As causas são muitas. A administração Trump está muito caótica, isso é claro. E, se você olhar para as curvas longas dos países do G3, do G7, há muita pressão nas taxas de juros — consequência da dívida acumulada. O Brasil tem uma dívida muito ruim. É perigoso. Mas esse problema fiscal existe também nos países desenvolvidos.

Você acredita que a política monetária americana pode sofrer alguma perda de credibilidade, com interferência do Executivo?
Infelizmente, sim. Acho que veremos uma fusão de fato entre o Tesouro e o Fed. O secretário do Tesouro vai acumular funções e ganhar peso na política monetária. Isso aconteceu durante a Segunda Guerra, quando o governo precisava levantar dinheiro. Por patriotismo, as pessoas compravam papéis longos com rendimento abaixo da inflação. Essa repressão financeira durou até 1952, quando decidiram separar Tesouro e Fed. Mas acho que estamos voltando a essa lógica. Isso gera muito desconforto e faz o Brasil, relativamente, parecer mais interessante. Temos muitos problemas aqui, claro. Fico frustrado, como gringo, com a lentidão do progresso. A governança é muito difícil. Três dos últimos quatro presidentes foram presos. Então, é complicado.

Dá para dizer então que, no relativo, não foi o mundo que ficou mais atrativo, mas, sim, os Estados Unidos que não são mais um porto seguro?
Estamos falando de problema fiscal, da falta de clareza sobre como o governo Trump pode interferir na economia — especificamente na condução do Fed. Isso gera receio e faz o investidor pensar: “Onde vou colocar meu dinheiro?” Sabemos que o valuation aqui [no Brasil] ainda é bom. A Bolsa está pagando 15% para aguentar a volatilidade, especialmente agora, que talvez demore um pouco mais de tempo. Mas sim, o contexto não mudou muito. O que aconteceu em 2025 nos leva a olhar para 2026. E há confirmação dessa tendência de desconfiança no primeiro mundo — mencionei os metais. É impressionante o que eles estão sinalizando nesse sentido.

E o que isso significa na prática? O mercado vê risco de inflação mais forte nos EUA, por conta dessa interferência, o que tiraria poder de compra do dólar? 
É por aí. Estruturalmente, poderíamos ver o dólar cair bem. Isso aconteceria se o Fed, sob comando do Tesouro, trouxesse juros bem abaixo do neutro — digamos, 1,5%, 2%. Isso faria a curva longa cair. Os hedge funds, os macros, carregariam 10 anos contra um funding a 1,5%, com yield de 3,5%, por exemplo. Não estou dizendo que é isso que vai acontecer, mas o mercado parece preparado. E se acontecer mesmo, haverá uma grande mexida nos ativos financeiros, e o dólar vai cair. De uma forma até engraçada, estão “hedgeando” a posição nos Estados Unidos com o Brasil. É algo paradoxal.

"Um dos motivos de o Brasil ter ido bem foi o carregamento. Se você tira o carregamento, fica menos atrativo"

Quanto a Selic a 15% entra na conta desse investidor estrangeiro que decide fazer hedge com Brasil? Se cair muito, tira atratividade?
Sim, os juros caindo aqui tira atratividade. Um dos motivos de o Brasil ter ido bem foi o carregamento. Se você tira o carregamento, fica menos atrativo. Agora, do outro lado, esse mesmo carregamento pode melhorar se o Fed for mais agressivo nos cortes. Depende muito da velocidade.

Nos EUA, como deve se desenvolver o ciclo de política monetária?
Hoje, o mercado está precificando muito pouco corte. A economia está legal, e não se espera uma desaceleração — muito menos uma recessão. Se houver uma desaceleração forte, seria uma surpresa.

Como se proteger nesse cenário?
Eu sou alguém que acredita muito na importância da diversificação, que não quer dizer comprar uma empresa de healthcare e uma de tecnologia nos EUA. Isso não é diversificação. Diversificação é quando você tem classes diferentes de ativos: commodities, bolsa denominada em outra moeda, TIPS (títulos protegidos da inflação). É importante ter um mix de tipos de ativos. Porque ninguém sabe o que vai acontecer. No começo do ano, todo mundo faz projeções: que a Bolsa vai para 75 mil, os juros para 12%. Eu não tenho ideia desses números. O que quero é estar preparado para vários cenários. Para não morrer se estiver errado e me dar bem se estiver certo.

Um pouco daquela lógica do “All Weather”, do Ray Dalio?
Exatamente. O que eu estou falando não é nada de novo. É o “All Weather”. E admiro muito o gestor brasileiro que não tem acesso ou está limitado para operar lá fora. Eu acho muito difícil gerar resultado positivo ficando restrito. Quem consegue operar amplamente aqui no Brasil, eu admiro. É muito difícil.

Considerando essa saída dos EUA que você descreveu, o quanto disso já está no preço?
Focando nos juros de curto prazo nos EUA, eu acho que o que pode acontecer é uma desaceleração, que é o meu cenário base. Isso traria os juros para baixo e faria o dólar cair. Em segundo lugar, há o risco de uma interferência do Tesouro na condução do Fed. Não sabemos se isso vai acontecer, mas a possibilidade existe. E eu não ficaria surpreso.

Como adaptar esse cenário ao modelo all-weather?
O mais importante para mim é não ficar 100% exposto ao dólar. Tem que ter muito cuidado com isso. Agora, dentro do mercado americano, tem toda a discussão sobre inteligência artificial, sobre valuation. Eu acho que é importante ter alguma coisa investida em tech, porque é uma tendência que deve continuar. Entrar na discussão sobre overinvestment e alavancagem é relevante, mas se sua carteira está limitada, talvez você não precise se aprofundar tanto nessas questões mais micro.

Tem algum país, moeda ou região que você enxerga com mais interesse nesse processo de diversificação?
Acho que a Europa está interessante. Eles estão quase virando um “adulto”, no sentido de que vão precisar fazer sua própria defesa, estão investindo em infraestrutura. A Europa está muito atrás na corrida tecnológica e acho que há consciência disso. Se começarem a contribuir na corrida de AI, seria muito positivo. Então, é importante ter alguma exposição à bolsa europeia. Hoje existem ETFs muito bons. Você pode comprar ETFs de bolsas globais, exceto EUA, bolsa europeia, bonds europeus. Eu uso muito isso.

E China?
A China já teve seu momento na minha vida. Hoje, você tem ativos lá que já refletem muita coisa negativa. Mas não vejo uma assimetria tão grande. Acho que vale ter um pouco de China, mas não acho que seja um caso claro de valor.