Com o impasse sobre a fábrica da Ford perto do fim, após o governo da Bahia anunciar sua compra, a montadora chinesa de carros elétricos BYD vai começar a pisar mais fundo no acelerador para colocar em marcha seu plano de avançar no mercado brasileiro.
Em entrevista exclusiva ao NeoFeed, o novo chairman da BYD no Brasil, Alexandre Baldy, que acaba de assumir o posto, dá alguns detalhes do plano da montadora.
O objetivo da BYD é começar as obras de três fábricas no polo industrial de Camaçari, na Bahia, em outubro, quando o fundador da montador chinesa, Wang Chuanfu, considerado o “Elon Musk” chinês, deve vir ao Brasil.
Faltam ainda detalhes sobre como a BYD deve assumir a antiga fábrica da Ford, que deixou de fabricar veículos no Brasil, em 2021 – o valor a ser pago é um deles. Mas, de acordo com o novo chairman da BYD, a compra da área é a única possibilidade admitida pela montadora chinesa.
“Os chineses não querem concessão não onerosa, de longo prazo, preferem a compra”, diz Baldy, ex-deputado federal por Goiás e que já foi ministro da Cidades no governo de Michel Temer e secretário dos Transporte Metropolitanos de São Paulo na gestão de João Dória.
O investimento previsto é de R$ 3 bilhões para fabricar carros e caminhões elétricos, além de chassi para ônibus na Bahia a partir do segundo trimestre de 2024. Quando estiver plenamente em operação deve gerar 5 mil empregos.
Das três unidades industriais previstas, uma será dedicada à produção de 150 mil unidades ao ano de carros elétricos e híbridos. A segunda fábrica vai produzir chassis para ônibus e caminhões elétricos. A terceira será voltada ao processamento de lítio e ferro fosfato, que atenderá ao mercado externo.
Atualmente, a BYD, além da importação de veículos, já tem uma operação industrial em Campinas, onde faz montagem de ônibus elétricos, e em Manaus, para montagem de baterias.
Outro plano para alavancar a marca chinesa de carros elétricos no Brasil é praticamente multiplicar por quatro a sua rede de concessionárias, passando de 26 para 100 até o fim deste ano, estabelecendo presença em boa parte do território brasileiro.
Baldy não descartou também a possibilidade de construir uma unidade para fabricar chassi de ônibus elétricos no Pará, estado que sediará a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30) em 2025, sem dar maiores detalhes sobre o plano.
O avanço no Brasil da BYD (iniciais em inglês de “Build Your Dreams” ou “Construa Seus Sonhos”), que fabrica 5 milhões de carros elétricos globalmente, mais do que a própria Tesla de Elon Musk, coincide com a desembarque de diversas montadoras chinesas no País.
Nos últimos dois anos, três fabricantes chinesas de carros elétricos - GWM, BYD e Higer Bus - anunciaram investimentos que somam mais de R$ 20 bilhões, visando a produzir veículos elétricos. Um quarto grupo, o XCMG, avalia iniciar operações até 2025.
E, pouco a pouco, essas empresas vêm ganhando espaço no promissor mercado de carros elétricos. Nos sete primeiros meses de 2023, o mercado de veículos leves eletrificados no Brasil emplacou 39.701 unidades, um aumento de 68,5% em relação ao mesmo período em 2022, de acordo com dados da Fenabrave, a associação que representa as concessionárias.
Para se ter uma ideia do posicionamento dos chineses nesse segmento, dos dez modelos de EVs mais emplacados em julho, seis são de montadoras chinesas, como GWM, CAOA Chery e BYD.
Atualmente, a BYD importa quatro veículos inteiramente elétricos (Tan, Han, Yuan Plus e Dolphin) e um híbrido plug-in (Song Plus DM-i). O Dolphin e o Song Plus serão produzidos na futura fábrica de Camaçari a partir de 2025.
O Dolphin, por sinal, já virou líder do mercado de EVs, com mais de 3 mil unidades importadas em apenas dois meses. As vendas nos dez primeiros dias de agosto, por exemplo, foram 112% maiores que o mesmo período de julho.
Ao ser lançado no Brasil por R$ 150 mil, o modelo obrigou a concorrência a se mexer. O JAC e-JS1 e o Caoa Chery iCar, ambos de montadoras chinesas, além do Renault Kwid elétrico, reduziram o valor de venda de seus modelos para competir com a BYD.
“O sucesso de vendas do Dolphin nos levou a revisar nosso planejamento. Hoje, ele já representam 40% do mercado de veículos elétricos”, diz Baldy.
Mas a BYD não aposta apenas em carros “populares” no segmento elétrico. O sedã Seal, novo lançamento no Brasil previsto para o fim deste mês. por exemplo, tem potência de 531 cv e deverá chegar ao mercado por cerca de R$ 350 mil – metade do preço de um Porsche Taycan 4S, com potência semelhante.
Essa estratégia agressiva ajudou a consolidar a BYD como a maior produtora mundial de veículos elétricos, com 5 milhões de unidades, ultrapassando a Tesla.
A solução Haddad
Não era segredo para ninguém que a BYD iria se instalar na Bahia. Desde o fim do ano passado, quando anunciou planos de se instalar no Brasil, a montadora vinha negociando com a Ford a compra da fábrica desativada em Camaçari.
Mas a disputa comercial EUA/China se tornou um grande obstáculos para a BYD. A Ford, uma centenária empresa americana, não queria vender suas instalações em Camaçari, onde fabricou o Ecosport e o Ka.
“A solução para o impasse com a Ford partiu de uma sugestão do ministro Fernando Haddad”, revela Baldy. A alternativa foi vender a fábrica para o governo da Bahia, mediante pagamento de “valores de mercado” à montadora americana, cujo montante ainda não foi definido.
Agora, o governo baiano provavelmente deverá efetivar uma operação de venda do complexo à BYD, com valores equivalentes aos negociados com a Ford.
A compra da fábrica da Ford não foi - e não será – o único obstáculo a ser enfrentado pela BYD. As montadoras instaladas no Sudeste se uniram para evitar a prorrogação de incentivos fiscais federais para montadoras instaladas no Nordeste e Centro-Oeste, que dispõem isenção de Imposto de Renda e de IPI, além dos benefícios dos governos estaduais.
A BYD, por exemplo, tem redução de 95% do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) cobrado do governo baiano. Em julho, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), anunciou ainda a isenção de IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) para os proprietários de carros elétricos com valor até R$ 300 mil que sejam produzidos na Bahia e circulem no estado.
“Não tem indústria que tenha condição competitiva de se instalar no Norte, Nordeste ou Centro-Oeste sem estímulos fiscais”, diz Baldy, lembrando que cerca de 60% da indústria de autopeças está localizada no Sudeste e no Sul, maiores centros consumidores.
Ele admite que a reforma tributária pode pôr fim aos incentivos federais. “Mas, se vierem, faremos mais investimentos”, diz Baldy.