A montadora chinesa Great Wall Motors (GWM) inaugura nesta sexta-feira, 15 de agosto, sua fábrica brasileira em Iracemápolis, no interior paulista, com presença confirmada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com estratégia agressiva, a GWM prevê montar 50 mil carros em versões elétrica, híbrida a gasolina e plug-in e, depois, modelos a diesel e voltados ao mercado de luxo do Centro-Oeste ligado ao agronegócio, reforçando a presença chinesa no setor automotivo nacional.

A GWM, no entanto, não é um caso isolado de investimento chinês no mercado automobilístico brasileiro. Após JAC, Chery e BYD, além da própria GWM, instalarem fábricas no País, outras marcas chinesas pouco conhecidas já circulam pelas ruas brasileiras via importação direta.

São exemplos Neta, Omoda & Jaecoo, GAC e Zeekr. Além dessas marcas, SAIC, Leapmotor e Geely também confirmaram chegada em 2025. E outras quatro — Changan, FAW, Dongfeng e BAIC (já presente com os caminhões Foton) — se preparam para entrar no mercado.

No total, são 16 marcas de automóveis chinesas que estarão circulando pelas ruas brasileiras até o fim deste ano, uma marca inédita e que já está começando a incomodar as montadoras estabelecidas há décadas no Brasil.

Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), os veículos leves chineses representaram 62,1% dos carros importados no Brasil no primeiro semestre de 2025.

As marcas chinesas já não estão na rabeira dos rankings automobilísticos. A soma das vendas de BYD, Caoa Chery e GWM, por exemplo, as colocaria no quarto lugar, atrás apenas de Volkswagen, Fiat e GM, segundo dados da Fenabrave, a associação que representa as concessionárias.

Neste ano até julho, as três marcas chinesas venderam 110.856 veículos, o que representa um aumento de 26,5%, quando comparado com o mesmo período do ano passado. A fatia de mercado é de 10,46%.

Mais: em julho deste ano, cinco marcas chinesas entraram no ranking da Fenabrave. Além do trio acima, passaram a figurar na lista GAC e Omoda & Jaecoo (marcas da Chery que são comercializadas apenas fora da China, com operação conjunta no Brasil independente da Caoa Chery).

As vendas dessas cinco marcas foram 48% maiores do que o mesmo mês de 2024 e representaram uma fatia de 11,9% do mercado – mais uma vez, atrás apenas de Volkswagen, Fiat e GM.

Esse avanço preocupa montadoras tradicionais. As vendas de veículos produzidos no Brasil caíram 10% no varejo no primeiro semestre de 2025. Com isso, no início do mês, a Anfavea reduziu a projeção de crescimento de vendas internas em 2025 de 6,3% para 5,0%, o equivalente a 2,765 milhões de unidades.

Não é, portanto, surpreendente a disputa pública que envolveu, recentemente, a Anfavea e a BYD em torno da redução de imposto de kits para veículos elétricos no formato SKD (semipronto) e para híbridos CKD (completamente desmontados). O fato, independentemente de brigas pelos corredores de Brasília, é que os carros chineses estão avançando rapidamente no mercado brasileiro.

“A entrada dos veículos chineses é marcada por tecnologia, novidade, preço competitivo, eletrificação e design inovador”, afirma Milad Kalume Neto, diretor da consultoria K.LUME.

De acordo com ele, fatores internos e externos explicam essa invasão. A China enfrenta excesso de produção e busca novos mercados, como o Brasil, diante das barreiras tarifárias impostas por EUA e Europa.

Nos últimos 15 anos, destaca Kalume Neto, a indústria chinesa evoluiu e superou problemas de qualidade. “Além disso, o mercado brasileiro de elétricos e híbridos ainda é recente, o que favorece a aposta das marcas chinesas.”

Neste ponto, reside talvez a principal estratégia das montadoras chinesas para ganhar mercado no Brasil. A briga não é por carros de entrada, mas sim por nichos específicos, cujo custo inicial é elevado.

“O segmento de maior incidência de compra no Brasil está entre R$ 95 mil e R$ 120 mil, onde há forte competição entre modelos como Polo e Onix”, afirma Kalume Neto. “Os chineses representam apenas uma parte desse segmento.”

Uma fonte que conhece de perto a movimentação das montadoras chinesas no Brasil diz que esse é o momento de desembarque geral. Mas que nem todas devem ficar por aqui - o que deve significar, ao longo do tempo uma saída de muitas marcas. As que ficarem no Brasil devem ganhar mercado, a despeito do aumento da carga tributária.

A alíquota de importação, que era zero até 2024, subiu para cerca de 20%, conforme a motorização, e deve chegar a 35%. Isso elevou os preços dos importados, mas a margem dos chineses ainda é alta. A indústria nacional, por outro lado, não obteve ganhos significativos.  A pressão da Anfavea para antecipar a alíquota máxima reflete a preocupação com a competitividade.

Investimentos

Aos poucos, as chinesas vão também apostando em projetos industriais. O mais recente deles é o da GWM, que pretende competir não só com montadoras brasileiras, mas também com outras marcas chinesas

Com estratégia agressiva, que inclui diversificação de modelos, formação de fornecedores nacionais e forte investimento em pós-venda, o plano de investimentos da GWM no Brasil é de R$ 10 bilhões até 2032, com R$ 4 bilhões já autorizados para a primeira fase, até 2026.

Teste em linha de produção da fábrica da GWM em Iracemápolis (SP)
Teste em linha de produção da fábrica da GWM em Iracemápolis (SP)

A fábrica de Iracemápolis — que antes, sob a Mercedes, produzia de 6 mil a 8 mil veículos — foi totalmente adaptada para iniciar com 30 mil unidades e chegar rapidamente a 50 mil. Dos 530 funcionários já contratados, o número deve subir para mil até o fim do ano, quando a unidade passará a operar em dois turnos.

A GWM inaugura sua linha de produção com mais de 60 mil unidades vendidas (Haval, Ora e Tank nos últimos três meses), com recorde de 3.217 unidades no mês anterior e crescimento anual de 21%, frente à média de 5% do mercado brasileiro.

Segundo Ricardo Bastos, diretor de assuntos institucionais da GWM Brasil, a transição será feita com estoque de veículos importados, enquanto a produção nacional acelera.

“Vamos iniciar com atividades consolidadas, como soldagem, pintura, montagem e controle de qualidade”, afirma. A operação inclui recepção de itens do chassi, soldagem da estrutura, pintura e montagem final (motor e suspensão), garantindo, segundo Bastos, qualidade igual a dos veículos fabricados na China.

Cerca de 60% da capacidade será dedicada ao Haval H6, híbrido e híbrido plug-in, com baterias e motores elétricos. Os outros 40% serão divididos entre a picape Poer e o Haval H9, inicialmente movidos a diesel, voltados ao segmento de luxo do Centro-Oeste ligado ao agronegócio.

Embora haja possibilidade de eletrificação futura desses modelos, a prioridade inicial é o diesel. A GWM também planeja produzir híbrido-flex com etanol. Para isso, desenvolve um ecossistema de fornecedores, incluindo empresas como a Bosch, para criar o sistema flex — tecnologia que a GWM não possui na China — e parceiros com capacidade ociosa para fabricar peças.

Bastos explica a escolha pelo modelo de importação “peça por peça”, diferente do usado pela BYD, que utiliza kits SKD (semipronto) e CKD (completamente desmontado). Embora mais trabalhoso, esse modelo permite uso de incentivos fiscais como o ex-tarifário e o programa Mover.

“Esse modelo é melhor para o Brasil, pois permite que a cadeia de autopeças tenha contato com o projeto, especialmente em híbridos e híbridos plug-in com muita eletrônica, multimídia, câmeras e sensores de alta tecnologia, ainda não produzidos aqui”, afirma Bastos.

A iniciativa da BYD de pedir redução temporária das tarifas de importação para veículos desmontados gerou atrito com a Anfavea. A empresa chinesa alegava que a medida era essencial para viabilizar sua fábrica em Camaçari (BA).

Em resposta, montadoras como Volkswagen, GM, Toyota e Stellantis se uniram à Anfavea e enviaram carta ao presidente Lula, alertando que o benefício colocaria em risco R$ 180 bilhões em investimentos e milhares de empregos.

A Anfavea acusou a BYD de buscar vantagens injustas e ameaçar a cadeia produtiva com uma “montagem de parafusos” sem valor agregado.

A BYD respondeu na mesma moeda. “O incômodo das concorrentes não tem a ver com impostos, nem com montagem, nem com empregos. Tem a ver com a perda de protagonismo”, informou a empresa, em nota.

Diante da pressão, o governo optou por solução intermediária: o Gecex-Camex rejeitou a isenção por três anos, mas concedeu cota de importação com alíquota zero por seis meses, no valor de US$ 463 milhões (cerca de R$ 2,6 bilhões), válida até janeiro de 2026.

O governo antecipou também a alíquota máxima de 35% para veículos desmontados de julho de 2028 para janeiro de 2027, atendendo parcialmente à Anfavea. Para o consultor Kalume Neto, as montadoras nacionais pagam o preço por adiar a entrada na eletrificação.

“Desde 2015, quando foi instituído imposto de importação zero para eletrificados, a indústria nacional não investiu nesse segmento, mesmo com subsídios”, afirma Kalume Neto. “A falta de alinhamento entre as montadoras prejudicou o desenvolvimento do setor, e agora, com a entrada de marcas chinesas como BYD e GWM, aumentou a preocupação e as disputas internas na Anfavea."

Procurada pelo NeoFeed, a Anfavea não fez comentários para essa reportagem.