A Mater Dei está unindo o “health” ao “tech” no caminho para criar uma nova unidade de negócios que envolve parte dos ativos de tecnologia comprados pela rede de hospitais no boom de M&As protagonizado pelo setor de saúde.
Essa estratégia tem origem na aquisição, em 2021, de 50,1% da A3Data, startup mineira de análise de dados e inteligência artificial. Desde então, a Mater Dei e sua investida uniram forças para desenvolver ferramentas que estão sendo usadas dentro de casa. Mas que começam a extrapolar essa fronteira para serem ofertadas ao mercado, inclusive, para outros hospitais.
“A inteligência artificial tem um peso grande para melhorar e tornar mais eficiente os nossos processos internos”, diz José Henrique Dias Salvador, CEO da Mater Dei, membro da terceira geração da família fundadora da rede, que assumiu o comando da operação em novembro de 2023. “Mas tem também um upside de levarmos isso ao sistema de saúde por meio de produtos.”
Nesse pacote, quem está próxima de inaugurar a prateleira de produtos com status comercial é uma plataforma de atenção primária, que leva o nome de Maria.
“A Maria capilariza e potencializa o atendimento, pois consegue fazer uma parte importante da triagem com um custo mais baixo e sob a supervisão de uma equipe médica”, diz Salvador. “É uma porta de entrada para uma jornada completa e uma forma de contribuir para reduzir a sinistralidade do setor.”
Após testes que tiveram início em meados de 2023, em um “laboratório” que envolveu cerca de cinco mil funcionários da própria Mater Dei, a plataforma já está disponível em todos os locais em que a rede opera. Em paralelo, há tratativas com grandes clientes interessados em adotá-la.
Outras três soluções estão a caminho de seguir esse mesmo trajeto. A primeira é a Com+partilha, que é usada para a gestão e o remanejamento de leitos e da escala de profissionais em hospitais, a partir da previsão de dados como ocupação.
“Esse remanejamento responde por uma faixa de 35% a 40% dos custos dos hospitais, que têm muita variabilidade em momentos de crises respiratórias e epidemias”, afirma o CEO. “Com a plataforma, é possível prever o volume de profissionais que será necessário em 15, 30 dias.”
Ao integrar as bases de dados dos hospitais, a plataforma também pode ser usada pelas áreas de recursos humanos para gerenciar frentes como banco de horas, registros de ponto e programação de cirurgias, além de trazer informações sobre as competências de cada membro dos times de enfermagem.
A vitrine inclui ainda o Remunera, sistema que sugere pacotes de serviços em parceria com os planos de saúde e o preço ideal para essas ofertas, com base em estatísticas das operações. E o Nuvie, que transcreve prontuários eletrônicos e pedidos médicos via reconhecimento de voz.
Passagem de bastão e desafios
O maior espaço dado à A3Data, cuja aquisição foi liderada por Salvador, coincide com a sua chegada ao posto de CEO da Mater Dei. Ele substituiu Henrique Salvador, seu pai, que comandou a rede por 11 anos e que assumiu como presidente do Conselho de Administração.
Essa passagem de bastão integra um plano mais amplo de sucessão, com a chegada de outros membros da terceira geração da família Salvador, fundadora do grupo, a cargos de direção. Seus antecessores do clã, por sua vez, passaram a fazer parte do conselho de administração e de comitês da empresa.
Antes de ser escolhido como CEO, Salvador cumpriu todos os requisitos previstos no plano de sucessão. Ele trabalhou, por exemplo, em três rivais – Dasa, Albert Einstein e Sírio-Libanês. E teve passagens por diversas áreas da Mater Dei – do comercial ao posto de diretor de operações.
“O grupo tinha desafios importantes por conta desse crescimento mais acelerado pelas aquisições”, observa. “E foi um processo, ao mesmo tempo, de continuidade, que permitiu oxigenar tanto o Conselho de Administração quanto a gestão no dia a dia.”
O contexto desafiador não é exclusivo da Mater Dei, que, em um intervalo de menos de um ano após o seu IPO, em abril de 2021, no qual captou R$ 1,4 bilhão, desembolsou cerca de R$ 1,8 bilhão nas aquisições de cinco hospitais.
Desde 2022, após a onda de M&As, as redes têm sido pressionadas por uma “tempestade perfeita” que, entre outros pontos, inclui a demanda reprimida da Covid-19, a alta dos juros, a elevação nos custos médicos e os atrasos nos repasses das operadoras.
Nesse cenário, olhar para “dentro de casa” virou um mantra para esses players. Na visão, porém, de parte do mercado, a Mater Dei tem, a princípio, uma marcha mais lenta que seus pares na B3 para executar essa estratégia, especialmente no que diz respeito ao ramp up dos ativos adquiridos.
Esse é o caso do BTG Pactual que, em janeiro deste ano, rebaixou a recomendação da companhia, de compra para neutra, além de reduzir o preço-alvo da ação, de R$ 12 para R$ 9,50.
“Depois de apresentar um crescimento orgânico robusto nos últimos anos, o foco (da Mater Dei) segue na integração, o que, até agora, não surpreendeu muito”, escreveram os analistas Samuel Alves e Yan Cesquim.
Na B3, o desempenho também parece refletir esse olhar menos otimista. As ações encerraram o pregão da segunda-feira, 22 de abril, em queda de 1,93%, cotadas a R$ 5,58. No ano, elas acumulam uma desvalorização de 33,1%, dando à empresa um valor de mercado de R$ 2,1 bilhões.
“Nesse período de integrações nós tivemos, naturalmente, erros e acertos”, afirma Salvador, quando questionado sobre esse cenário. “Mas, agora, estamos num caminho de construção muito mais positivo, que, certamente, será capturado nos próximos meses e anos nos nossos hospitais.”
No retrato mais recente da operação, o balanço de 2023, a Mater Dei apurou um lucro líquido ajustado de R$ 213 milhões, alta anual de 2,1%. Já a receita líquida avançou 24,1%, para R$ 2,1 bilhões, e o Ebitda, 17%, para R$ 525,6 milhões.
A rede fechou o ano com uma posição de caixa, equivalentes de caixa e aplicações financeiras de R$ 319 milhões, uma queda de 16%. A dívida líquida cresceu 11,8%, para R$ 924,9 milhões. Enquanto a alavancagem recuou de 1,9 vez, há um ano, para 1,8 vez.
Uma das medidas que tem sido adotadas pela Mater Dei é a internalização de serviços nos hospitais adquiridos, em áreas como medicina diagnóstica e oncologia. Outra frente são as expansões, em 2024, das unidades em Goiânia e de Uberlândia.
Em greenfields, está prevista para o segundo semestre a abertura do décimo hospital da rede, em Nova Lima (MG). Mais para frente, em 2027, um segundo projeto é uma unidade em Santana, zona norte de São Paulo, na joint venture com a Atlântica Hospitais, braço da Bradesco Seguros.
Instalado em uma área de 45 mil metros quadrados, de propriedade do BSP, braço imobiliário do Bradesco, o projeto marcará a entrada da Mater Dei em São Paulo e prevê um investimento de R$ 600 milhões, que será aportado pela seguradora.
Salvador não descarta que a parceria renda outros frutos, assim como acordos similares com outros players. “Esse formato pode favorecer ativos que já entrem mais ancorados em planos dos parceiros e que já tenham um potencial de mercado endereçável mais garantido”, diz.
Esse apetite parece não ser o mesmo, porém, quando o tema são novos M&As. Ao menos no curto prazo. Aqui, Salvador mantém o discurso de que a prioridade em 2024 é rentabilizar o que já está na base, mesmo não fechando as portas para eventuais acordos nessa esfera.
“Não vamos endividar demais a companhia para fazer uma aquisição”, afirma. “E a correção dos preços dos ativos privados, normalmente, é mais lenta. Isso está começando a acontecer agora. Então, caso apareça alguma oportunidade com um valuation adequado, podemos fazer algum movimento.”