Do Brasil ao exterior, os primeiros meses de 2023 trouxeram à tona escândalos contábeis e outros casos que, em seus desdobramentos, colocaram em xeque a reputação das grandes empresas de auditoria. Entre elas, as chamadas “Big Four” do setor, um quarteto formado por KPMG, EY, Deloitte e PwC.

Um dos episódios emblemáticos foi a quebra do Silicon Valley Bank (SVB), nos Estados Unidos, no início de março. Além dos seus reflexos no mercado financeiro, o caso colocou sob os holofotes a KPMG, que, duas semanas antes do ocorrido, apresentou relatórios que atestavam a saúde financeira da operação.

Mais do que uma questão isolada, o acontecimento é, ao que tudo indica, apenas um entre outros exemplos de possíveis falhas em auditorias recentes realizadas em instituições financeiras do país. É o que mostra um levantamento do The Wall Street Journal, com base em dados da consultoria Calbench.

Segundo o jornal, assim como aconteceu com o SVB, os auditores de outros nove bancos de pequeno e médio porte nos Estados Unidos não sinalizaram que essas instituições estavam mais expostas a perdas quando assinaram os pareceres sobre os balanços dessas empresas relativos a 2022.

A análise em questão leva em conta os bancos que relataram as maiores perdas em títulos mantidos até o vencimento na proporção do patrimônio líquido dessas instituições. Nessa relação, o SVB ocupou a segunda colocação no ranking.

KPMG e Silicon Valley Bank

No caso do SVB, a KPMG ressaltou perdas potenciais com empréstimos como um assunto crítico de auditoria em seu relatório. Mas não fez menções ao que efetivamente quebrou o banco – a grande perda com sua carteira de títulos do Tesouro americano e com títulos lastreados em hipotecas.

“Os auditores não mencionaram o incêndio no porão ou a caixa de dinamite no primeiro andar, mas apontaram a pintura descascada na caixa de flores”, afirmou Erik Gordon, professor de administração da Universidade de Michigan, ao jornal americano.

O termo “assunto crítico de auditoria” está relacionado a uma mudança introduzida, em 2017, pelo órgão regulador das auditorias nos Estados Unidos. O plano era ajudar os investidores a identificarem riscos e incertezas ocultos nos balanços das empresas, com a obrigação, por parte das auditorias, de relatar qualquer tema crítico na aprovação das demonstrações financeiras de empresas listadas.

Nesse contexto, a crise deflagrada pelo SVB colocou em evidência a aposta de alguns bancos em investir agressivamente em títulos de longo prazo do governo americano que, por sua vez, tiveram grande desvalorização em 2022 quando o Federal Reserve elevou as taxas de juros.

Sob o ponto de vista contábil, os bancos americanos podem manter eventuais perdas nessa esfera fora de seus registros. Essa prática só é permitida, porém, caso essas instituições não tenham a intenção de vender esses títulos para atender às demandas de resgates.

Com a elevação das taxas de juros, essa manobra contábil foi bastante usada em 2022. Esse cenário e o caso do SVB só expuseram, no entanto, os riscos desse “ponto cego” nos balanços e a dificuldade dos bancos de menor porte de manterem indefinidamente esses ativos de longo prazo.

No universo dos dez bancos incluídos no levantamento, nenhuma auditoria classificou tais manobras como temas críticos nas demonstrações financeiras. As únicas ressalvas feitas estavam relacionadas a perdas estimadas com empréstimos ou outras dívidas.

EY e Wirecard

O fato é que esses dados reforçam um quadro recente de problemas relacionados a processos de auditoria, em diversos países. Em muitos deles, com punições estipuladas ou mesmo a perspectiva de sanções pesadas para as empresas do setor envolvidas nesses escândalos.

Na semana passada, por exemplo, a EY foi punida na Alemanha na esteira de uma série de fraudes contábeis que levou a Wirecard, empresa de pagamentos do país, à falência, em 2020, com uma dívida de US$ 4 bilhões.

Responsável pela auditoria da companhia anos que antecederam o escândalo, a EY foi proibida de fechar novos contratos com empresas listadas na Alemanha por um prazo de dois anos, além de receber como sanção uma multa de € 500 mil à empresa.

Em outro capítulo recente, em março deste ano, a Deloitte recebeu uma multa recorde de 212 milhões de yuans (US$ 30,8 milhões) e teve suas operações suspensas em Pequim, na China, por três meses, em função de falhas na auditoria da China Huarong Asset Management, entre 2014 e 2019.

PwC e Americanas

O mapa de possíveis sanções também inclui o Brasil e outra integrante das Big Four. Em janeiro, a revelação do escândalo contábil de R$ 20 bilhões na Americanas resultou na recuperação judicial da rede varejista e também colocou em xeque o trabalho da PwC, responsável pela auditoria da operação.

Como prova de que está sob o radar de eventuais punições, há cerca de duas semanas, a atuação da PwC foi um dos principais alvos da audiência pública promovida pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, dedicada exclusivamente a tratar do caso da varejista.

A falta de um representante da auditoria na sessão só reforçou as críticas à empresa. Entre outras questões, senadores como Otto Alencar (PSD-BA) e Omar Aziz (PSD-AM) avaliaram que a empresa foi, no mínimo, conivente no caso.