A Aegea iniciou 2025 com um apetite incomum num ano com um calendário de leilões de saneamento gordo, com 29 certames previstos – sendo a maioria para concessões e cinco pelo modelo de parcerias público-privadas (PPPs), totalizando R$ 73 bilhões de investimentos.

A empresa venceu o primeiro leilão do ano, dos serviços de distribuição de água e de tratamento de esgoto do estado do Pará, com previsão de R$ 15,21 bilhões em investimentos ao longo de 40 anos, assumindo a operação em 99 dos 144 municípios paraenses, incluindo a capital, Belém.

Chamou a atenção a determinação da Aegea no certame paraense: levou os três blocos em disputa, com ágios de 200% e 650% em outorgas fixa, num total de R$ 1,42 bilhão, além de 12% de ágio no bloco em que não teve concorrentes. O estado apresenta apenas 51,1% de distribuição de água potável e 8,5% de coleta de esgoto.

Nesta entrevista ao NeoFeed, o CEO da Aegea, Radamés Casseb, não esconde a meta prioritária a seguir da empresa: vencer o leilão de Pernambuco, agendado para o segundo semestre, que vai exigir investimentos da ordem de R$ 18,9 bilhões para atender 184 municípios, incluindo a região metropolitana do Recife.

Embora mais de 80% da população de Pernambuco tenha acesso à rede de distribuição de água, somente 34% têm coleta de esgoto. “Temos capacidade de operar em lugares com a tarifa mais baixa, em domicílios com baixa renda e, ainda assim, garantir o retorno para o ecossistema financeiro que financia a empresa e fazer a diferença, transformação e a inclusão sanitária nesses lugares”, afirma.

Nos últimos dois anos, a Agea investiu R$ 6 bilhões por ano construção de rede de água, de esgoto, em estações e elevatórias e em um processo de automação da parte elétrica. Hoje está presente em 865 municípios de 15 estados. Com o leilão do Pará, a empresa passará a atender 37 milhões de pessoas.

Casseb enxerga o setor de saneamento como um casamento de longo prazo, que requer equilíbrio muito grande entre o funding, a estrutura de capital, o perfil do investidor e a maturidade de risco contratual da região a ser alvo de contrato. Tudo isso num processo a longo prazo.

“Por isso, damos prioridade a projetos como os do Norte e Nordeste, que têm a necessidade do investimento, mas sob uma cadência adequada, com tarifa adequada para as pessoas”, diz Casseb.

O CEO da Aegea afirma que, a despeito do cenário de juros elevados, o mercado de saneamento está aquecido, o que explica a entrada de empresas de outros segmentos no setor, como a multinacional espanhola Acciona – que migrou da área de energia para adquirir uma parceria público-privada no Paraná – e a Equatorial, que assumiu 15% do controle acionário da Sabesp.

O próximo passo, diz Casseb, é a chegada de empresas estrangeiras de saneamento ao mercado brasileiro: “Companhias francesas, espanholas e israelenses estão rondando, estudando alternativas para compor consórcios e joint ventures, à espera do momento para entrar no nosso mercado.”

Tudo isso, segundo ele, graças aos avanços proporcionados pelo marco regulatório do saneamento.  De acordo com Casseb, o marco permitiu um sem-número de associações, desde subdelegações de concessões, como é o caso do Piauí, passando por concessões plenas, como de Manaus; privatizações, como da Corsan; e até um modelo híbrido de investimento, como da Sabesp.

Na Aegea, desde desde 2011 e como CEO a partir de 2020, Casseb conclui. “Nem no melhor desenho eu poderia imaginar o que estamos vivendo hoje no setor.”

Lei a seguir os principais trechos da entrevista de Radamés Casseb:

A Aegea saiu na frente no calendário de leilões de 2025 vencendo o primeiro certame do ano, no Pará. Estão previstos outros 28 leilões este ano. Qual a estratégia da Aegea diante de um calendário de leilões tão extenso?
Procuramos estudar sempre todos os projetos que vão a leilão, analisar o que as autoridades esperavam quando modelaram o certame em disputa. Gostamos de ir a campo entender como é a realidade de cada lugar, pois isso sempre traz aprendizado e motivação para buscar a solução para os problemas locais. Essa etapa de estudos é fundamental para a empresa – o objetivo é fazer uma coleta de cenários e da evolução dos modeladores dos projetos, como o BNDES e o IFC (International Finance Corporation, ligado ao Banco Mundial), para entender como elaboram o edital.

Isso é essencial para a Aegea decidir se vai participar de todos os certames ou ser mais seletiva?
Seguimos dois critérios para definir a escolha. O primeiro deles é saber se podemos fazer a diferença, gerar transformação naquele lugar com o conhecimento acumulado pela empresa. Também estudamos se essa transformação a que nos propusemos é relevante para os players envolvidos. Saneamento é um casamento de longo prazo. Então, precisa fazer sentido para a população, para o regulador do poder concedente e para o investidor.

“Saneamento é um casamento de longo prazo, precisa fazer sentido para população, poder concedente e investidor”

E o segundo critério?
Procuramos sempre dar prioridade para o adensamento de clusters. Ao longo desses 15 anos de vida da companhia, enxergamos a Aegea como uma companhia de melhor performance operacional no setor, capaz de operar em lugares com a tarifa mais baixa, em domicílios com baixa renda e, ainda assim, garantir o retorno para o ecossistema financeiro que financia a empresa e fazer a diferença, transformação e a inclusão sanitária nesses lugares.

Poderia explicar melhor a proposta de adensamento clusters?
Se é um lugar onde a empresa ainda não atua e tem uma densidade de economia suficiente para poder manter um time de qualidade para poder fazer essa diferença, então é prioritário para nós.

Os leilões nas regiões Norte e Nordeste deste ano vão atrair a maior fatia dos investimentos previstos, R$ 56 bilhões, incluindo Pernambuco, Paraíba e Rondônia, todas com esse perfil que agrada à Aegea. Qual o certame que mais interessa?
Pernambuco é o grande projeto nesse pipeline de leilões de 2025. Estamos estudando há muito tempo soluções para podermos ser competitivos no estado. Lugares onde a empresa já está presente também interessam. Rondônia é um exemplo: operamos em quatro cidades, assim como interessam regiões do Nordeste onde há clusters com densidade próxima dos lugares onde estamos presentes. Tudo isso ajuda no processo de decisão da empresa.

Qual sua percepção do apetite do mercado para tantos leilões de saneamento em 2025?
Acredito que, por um lado, o desafio da estrutura de capital e essa situação macroeconômica desafiadora têm criado um ambiente de deixar mais seletivo o processo de escolha para quem já está embarcado com projetos na carteira. Por outro lado, esse pipeline de leilões está motivando empresas, construtoras e companhias de outros setores a começar a olhar os projetos de saneamento, à procura de um novo mercado.

Isso representa uma ameaça em médio prazo às empresas de saneamento?
Já temos visto isso num tempo recente, com a Acciona entrando numa parceria público-privada (PPP) no Paraná e em alguns consórcios participando de PPPs no interior de Alagoas. A Equatorial, por exemplo, debutou no Amapá em 2021 (no ano passado, a empresa do ramo de energia adquiriu 15% das ações da Sabesp, tornando-se o principal investidor da empresa). São companhias que operam em outros setores olhando para a oferta de projetos de saneamento, ganhando, conquistando espaço. Então, é natural esperar uma competição com players novos, com novos entrantes, nesse segmento de saneamento, que é dos mais competitivos.

É possível, então, imaginar uma segunda leva, de empresas de saneamento do exterior tentando entrar no mercado nacional, tendo em vista essa quantidade de leilões?
O interesse pelo mercado brasileiro é enorme. Diria que essas empresas de fora estão “rondando”. São companhias francesas, espanholas e israelenses estudando alternativas de compor consórcios e joint ventures à espera do momento para entrar no nosso mercado. Mas as que têm conseguido entrar a bordo do mercado são, principalmente, empresas de investimento com capital estrangeiro.

Qual a vantagem desse tipo de investidor em entrar aqui comparado com as companhias de saneamento de fora?
Eles têm conseguido estabelecer uma nova conexão com operadores estabelecidos, como a gente, ou com novos operadores, e feito associações que permitem aliar competência técnica com capacidade econômica a serviço da universalização. Estamos vendo isso acontecer, contentes, porque essa competição tem aumentado e isso é bom paro o Brasil. Temos observado isso crescer, mesmo com ambiente desafiador.

Quais os atrativos para uma empresa de saneamento atuar no mercado num cenário de juros altíssimos como os de hoje?
Soluções de projetos e de universalização de saneamento requerem um equilíbrio muito grande entre o funding, a estrutura de capital, o perfil do investidor e a maturidade de risco contratual da região a ser alvo de contrato. O payback clássico de um negócio de saneamento são de 16 a 18 anos. Então, o fundo de investimento que tentar olhar à luz de uma taxa Selic vai perder o jogo. Estamos falando de um planejamento de 30 anos. A cadência do investimento, a cadeia de supply, os processos de financiamento em longo prazo e a capacidade do equity com retorno para os acionistas são longevos.

Ou seja, não há espaço para retorno rápido em projetos de saneamento?
O investidor que está querendo ter um retorno a cada trimestre ou a cada ano ou reciclar o seu capital a cada cinco anos deve buscar um projeto brownfield, de utilização ou revitalização de instalações e infraestruturas pré-existentes, em contraste com projetos greenfield, que são iniciados do zero. Ou seja, a empresa concessionária que está preocupada com o retorno rápido deve pegar projetos de saneamento que já estão universalizados ou próximos da cobertura de 100%. Mas esses projetos são de baixo interesse para a Aegea.

“Concessionária preocupada com o retorno rápido deve pegar projetos de saneamento que já estão próximos da cobertura de 100%"

O que atrai mais à Aegea?
É o equilíbrio de projetos que contemplem a disposição do capital nessa jornada de longo prazo. Por isso, damos prioridade a projetos como os do Norte e Nordeste, que têm a necessidade do investimento, mas sob uma cadência adequada, com tarifa adequada para as pessoas.

O leilão do Pará, vencido pela Aegea, é emblemático, pois o estado vai sediar a COP30, mas tem uma cobertura baixa de saneamento. Dá tempo de fazer alguma coisa em Belém, por exemplo?
A região metropolitana de Belém já tem 70% de cobertura de água. Mas sempre dá tempo de fazer a diferença. A crise do Rio Grande do Sul mostrou para nós, como companhia, que os planos de contingência, a capacidade humana, os treinamentos e o raciocínio dos planos, que foram postos à prova com intensidade quando veio a enchente gaúcha, estarão a serviço do governo paraense assim que a gente assinar o contrato. Neste momento, o processo ainda está em trâmites regulatórios, esperamos sentar logo com o poder concedente para discutir o que dá para fazer rápido.

O maior desafio é no interior do Pará, onde a cobertura é baixíssima...
Mas já temos um presente para a COP30: a concessão da cidade de Barcarena (ao lado da capital, Belém), que já era operada pela Aegea, vai atingir a meta de saneamento este ano – estamos antecipando a universalização em quase oito anos. O efeito da universalização numa cidade de 100 mil habitantes, com uma atividade econômica pujante, um porto espetacular (de Vila do Conde), na beira da baía do Guamá, um lugar lindo do ponto de vista de bioma, é especial. Vamos entregar esse presente para a COP como um tributo a esse momento.

A Aegea acaba de levantar R$ 2 bilhões em debêntures e os acionistas da empresa aprovaram recentemente o aumento de capital de R$ 424 milhões. A ideia seria investir esse dinheiro novo em concessões ou fazer um mix, uma parte em investimentos em novos projetos e outra para equilibrar o caixa?
Esses movimentos fazem parte do nosso liability anual. Com a concessão do Pará, que vai cobrir 99 municípios, vamos passar a operar 865 cidades no Brasil, atendendo 38 milhões de pessoas. Nos últimos dois anos, a companhia vem investindo uma grandeza de R$ 6 bilhões por ano em capex, em construção de rede de água, rede de esgoto, em estações e elevatórias, em um processo de automação da parte elétrica, ou seja, conectando a próxima casa. Então, do ponto de vista de giro normal de captações e gestão dessa estrutura de capital, estamos numa jornada de aplicação nos ativos, nos negócios, de suportar as várias concessões nas suas regiões.

O marco regulatório de saneamento chega ao quinto ano com grande participação da iniciativa privada nas concessões, que devem chegar a 45% em dezembro. É preciso fazer algum tipo de ajuste em termos regulatórios no marco?
Sempre podemos, de forma ambiciosa, desejar um algo a mais. Mas nem no melhor desenho poderia imaginar o que estamos vivendo hoje no setor. Quando a Aegea nasceu, em 2010, menos de um quarto dos itens regulatórios aprovados no marco regulatório estavam disponíveis.

E depois do marco?
Com a agenda de projetos andando, vimos a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, órgão regulador do setor) se estruturando com as audiências públicas, para as normas de referência. Tivemos o processo de arranjos de parceria público-privada com companhias estatais, permitindo a essa companhia pública que presta um bom serviço contrate o privado para suprir o que o seu balanço não possa atender, ou o tempo necessário para atingir a universalização.

Que tipo de inovação o marco permitiu?
O marco permitiu um sem-número de associações: subdelegações de concessões, como é o caso do Piauí; concessões plenas, como de Manaus; e privatizações, como da Corsan; ou um modelo híbrido de investimento - não um privado puro, mas vemos a Sabesp como um bloco de controle, que é uma composição entre o governo do Estado de São Paulo e investidores, entre eles a Equatorial. Claro, podemos acelerar o processo de normas, desde que se respeite a velocidade adequada, permita com que se ouça a sociedade, com que se discuta com que todos os players da cadeia, seja de fornecimento, seja econômico, seja operadores.