A Aegea, segunda maior empresa de saneamento do País, venceu na sexta-feira, 11 de abril, os três lotes em disputa do leilão dos serviços de distribuição de água e de tratamento de esgoto do estado do Pará, demonstrando grande apetite, refletidos em ágios de 200% e 650% do valor de outorga fixa, além de 12% de ágio no bloco em que não teve concorrentes.
A disputa na B3 abriu o calendário nacional de leilões de saneamento em 2025, com 29 certames previstos – sendo a maioria para concessões e cinco pelo modelo de parcerias público-privadas (PPPs), totalizando R$ 73 bilhões de investimentos.
Além do leilão paraense, outros três dos cinco principais certames do ano serão nas regiões Norte e Nordeste, áreas com baixa cobertura de saneamento e, na visão dos investidores, atraentes para as empresas do setor.
A concessão do Pará, uma das mais aguardadas, prevê R$ 15,21 bilhões em investimentos ao longo de 40 anos, além de R$ 1,42 bilhão em outorgas fixas pagos pela empresa para assumir a operação em 99 dos 144 municípios paraenses, incluindo a capital, Belém.
Os municípios paraenses foram divididos em quatro lotes, mas em um deles – o Bloco C, na região oeste do Estado - não houve entrega de ofertas, o que vai obrigar a realização de um novo leilão, após ter o edital reformulado.
O Bloco A, que inclui as cidades consideradas mais rentáveis - entre elas Belém, Ananindeua e Marituba, num total de 2,4 milhões de habitantes -, tinha outorga mínima de R$ 1,042 bilhão. A Aegea ofereceu ágio de 12%, apesar de ser a única a apresentar proposta.
Nas três principais cidades do bloco, a estatal Cosanpa (Companhia de Saneamento do Pará) continuará responsável pela produção de água e pela venda ao concessionário, que cuidará da distribuição — modelo semelhante ao das concessões no Rio de Janeiro.
O leilão desse lote causou tensão nos últimos dias, em virtude de uma decisão liminar que tirava o município de Ananindeua da disputa.
O desembargador Roberto Gonçalves de Moura, presidente do Tribunal de Justiça do Pará, porém, reverteu a liminar horas antes do leilão, atendendo um pedido do governo estadual.
Nos demais blocos houve disputa, com a Aegea vencendo com folga o Bloco B, que reúne 50 municípios, derrotando a Servpred, uma empresa local que presta serviços de saneamento no Pará, oferecendo R$ 140,9 milhões de outorga, ágio de 650% .
A maior disputa, porém, ocorreu no Bloco D, que inclui uma vasta região com 23 cidades, incluindo Marabá, e 923 mil habitantes. A Aegea venceu a briga contra duas concorrentes - o consórcio Eldorado Saneamento, da Servy, e o Consórcio Azevedo e Travassos – oferecendo ágio de 200%, pagando R$ 117,8 milhões em outorga.
“A Aegea tem satisfação em poder contribuir com a inclusão sanitária no Brasil, não é só saúde, é levar dignidade”, afirmou o vice-presidente regional da empresa, Renato Medicis, ao bater o martelo na B3. “Já atuamos em duas cidades no Pará, Barcarena e Novo Progresso, e agora vamos poder ampliar, olhando sempre a questão da vulnerabilidade.”
Desafios à frente
O leilão paraense é emblemático por dar início a um projeto de impacto ambiental na região amazônica, onde a sustentabilidade é ainda mais prioritária, e pelo fato de Belém sediar no segundo semestre a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30.
O estado apresenta apenas 51,1% de distribuição de água potável e 8,5% de coleta de esgoto – distante da meta estipulada pelo marco regulatório de saneamento, que prevê 99% da população brasileira com acesso à água tratada e 90% à coleta e tratamento de esgoto até 2033.
Entre os desafios da Aegea estão altos investimentos em um estado com área territorial extensa e baixa densidade populacional. O edital determina também que 30% dos usuários terão direito à tarifa social, com um desconto de 50% na tarifa residencial para consumo de até 15 metros cúbicos por mês.
“O Pará tem um longo caminho a trilhar no saneamento, a parceria com a iniciativa privada vai ser essencial para superar esse desafio”, afirmou Christiane Dias, diretora-executiva da Abcon, entidade que representa as operadoras privadas de saneamento.
Depois de praticamente dobrar a participação em concessões nos últimos dois anos, passando de 15,7% em 2023 para os atuais 30% – graças aos leilões da Sabesp, de Sergipe e do Piauí em 2024 -, a previsão é de que empresas privadas fechem 2025 à frente de 44% das concessões de saneamento do País.
Um dos atrativos do calendário de leilões deste ano para o setor privado é o grande número de certames nas regiões Norte e Nordeste.
As duas regiões, com os piores índices de saneamento do País, vão atrair um total de 29 leilões, recebendo a maior parte dos investimentos previstos, cerca de R$ 56 bilhões ou quase 77% do total de R$ 72 bilhões estimados para o ano.
Além do Pará, haverá leilões em Pernambuco, na Paraíba e em Rondônia. Somados a outras duas licitações menores, previstas para Alagoas e Bahia, esses certames vão beneficiar 355 municípios e uma população total de 19,8 milhões de pessoas.
Especialistas admitem que leilões envolvendo estados com grandes populações urbanas tendem, a princípio, concentrar maior interesse das grandes empresas do setor.
O apetite da Aegea na disputa paraense, porém, afastou temores de que leilões em regiões mais vulneráveis não atrairiam as gigantes da área.
“Quando o investidor analisa se vale a pena entrar um processo de concorrência pública, estuda uma série de fatores, incluindo a modelagem do contrato de concessão, as garantias contratuais que estabelecem os riscos, as regras de equilíbrio econômico-financeiro e até a maturidade regulatória dos órgãos de estado”, diz Renato Fernandes de Castro, sócio do escritório Almeida Prado & Hoffmann Advogados e especialista em contratos de infraestrutura.
No caso do Pará, o lote que acabou cancelado por falta de interessados evidenciou a ausência de um equilíbrio econômico-financeiro no contrato previsto pelo edital, item que costuma pesar na opção de uma empresa de participar de leilão.