Considerado por especialistas como o setor mais atraente para investimentos em infraestrutura nos últimos cinco anos, a área de saneamento segue em alta no Brasil.

Nesta quarta-feira, 22 de maio, a B3 realiza mais uma licitação, desta vez da promovida pela Sanepar – estatal de saneamento do Paraná e considerada uma das mais eficientes do País.

A licitação inclui três parcerias público-privadas (PPPs) de esgoto, que somam cerca de R$ 3 bilhões de investimentos. As PPPs vão atender 112 municípios e cerca de 900 mil pessoas, com contratos de 24 anos.

Para cada lote, será considerado vencedora a empresa que oferecer o maior desconto sobre a remuneração a ser paga pela Sanepar à concessionária, calculada por metro cúbico de esgoto medido.

Duas das maiores empresas privadas de saneamento do País, Aegea e Iguá, estão concorrendo no leilão da Sanepar. Além das duas, GS Inima, Sacyr e Acciona também enviaram propostas para as PPPs, reforçando a pujança do setor.

Os investimentos em saneamento básico cresceram 16,19% em 2023 e alcançaram R$ 24,54 bilhões. Para 2024, a Inter.B Consultoria projetou nova expansão, de 24,16%, elevando os recursos para R$ 30,47 bilhões no ano.

O leilão da Sanepar, no entanto, ocorre num momento de grande expectativa do setor, por causa de dois fatores que podem impactar no calendário de privatizações e leilões de PPPs previstos para este ano.

Um deles é o processo de desestatização da Sabesp, a maior empresa de saneamento do País, que deve ocorrer até agosto na B3. A disputa pela estatal de economia mista paulista é considerada prioritária pelas gigantes privadas do setor, que com isso podem reavaliar sua estratégia até esse leilão.

A proposta do governo paulista é atrair um acionista de referência para reduzir a participação do Estado na  empresa. A operadora vencedora da disputa do leilão deteria ao menos 15% de participação na Sabesp e o compromisso de não vender as ações por um prazo mínimo de cinco anos.

Ao fim do processo, o Estado, que hoje detém o controle da companhia com 50,3% dos papéis, ficaria com uma fatia em torno de 20%.

Outro fator, menos relevante por enquanto, está relacionado ao eventual o impacto da reforma tributária para as empresas que atuam na área de saneamento. Elas vão perder a baixa tributação a que estão submetidas atualmente, passando a pagar uma alíquota elevada.

A dúvida é se esses dois fatores poderiam interferir tanto na participação em leilões como no planejamento de investimentos das empresas de saneamento no curto prazo.

Hoje, além do processo de desestatização da Sabesp, há pelo menos outros cinco em estruturação pelo BNDES, nos estados de Sergipe, Rondônia, Paraíba, Pernambuco e Pará.

Apetite

A julgar pelo interesse das empresas envolvidas na licitação da Sanepar, porém, o apetite por novos investimentos segue intacto, em especial por parte da Aegea.

A empresa, que em 2023 já havia conquistado uma primeira PPP de esgoto da Sanepar, para a região Centro-Litoral, chegou a questionar, sem sucesso, no Tribunal Contas Estadual do Paraná (TCE-PR) e na Justiça, uma restrição do edital, que veta que um mesmo grupo leve os 3 contratos de PPPs.

Para Ewerton Henriques, diretor de Infraestrutura do Banco Fator, a priorização das empresas de saneamento para o leilão da Sabesp em detrimento de outras disputas faz sentido, pela posição privilegiada que o vencedor da estatal paulista passará a ocupar no mercado.

“Todos os players que têm condição de participar de uma licitação do porte da Sabesp, e não são muitos, sabem que comprometer recursos com outros leilões pode dificultar a oferta final pela Sabesp, mas é preciso lembrar que cada empresa tem capacidade financeira diferente”, diz.

Henriques observa que, como apenas as gigantes do setor terão condições de brigar pela Sabesp, outras empresas interessadas em entrar no mercado possam centrar investimentos em outros leilões, como o da Sanepar.

“É o caso da Acciona, que atua em outros setores de infraestrutura e, neste leilão da Sanepar, vai sinalizar qual papel pretende ocupar na área de saneamento, na qual é entrante”, diz.

Outro especialista, Percy Soares Neto, da Transparente Consultoria e ex-diretor-executivo da Abcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto), afirma que o formato do leilão da Sanepar até permite a uma empresa interessada na Sabesp, como a Aegea, participar para ganhar.

“A PPP tem outro modelo de contrato, pois a empresa vencedora não precisa aportar um grande investimento inicial, ele ocorre por meio do desconto na tarifa”, afirma, acrescentando que boa parte da injeção de recursos da concessionária é estruturada por meio do fluxo de caixa que já existe, em especial no caso do Sanepar.

O consultor acredita  que o setor de saneamento passará por uma mudança significativa após o leilão da Sabesp, porque a empresa vencedora dessa disputa se tornará um player relevante, condizente com a união de forças com a Sabesp.

Cláusula polêmica

Soares adverte, porém, que a cláusula de non-compete, incluída pelo governo paulista no processo de desestatização da Sabesp, impõe uma limitação para que o acionista de referência vencedor participe de novos leilões do setor.

A regra estabelecerá que, havendo interesse em participar de um novo projeto, o acionista de referência terá de levar essa discussão para o conselho de administração da Sabesp. Apenas no caso de a Sabesp optar por não participar desse projeto, o sócio de referência poderá disputar individualmente.

“Isso vai impor um desafio para quem for o acionista estratégico da Sabesp, impactando o mercado”, diz Soares.

Sobre os efeitos da reforma tributária no setor, o especialista diz que ainda é cedo para prever um efeito: “O setor de saneamento não se saiu bem na reforma tributária, mas tem todo o processo de regulamentação, com mobilizações no Congresso Nacional que devem atenuar esse impacto.”

Fernando Gallacci, sócio do escritório SouzaOkawa Advogados, também acredita que a reforma tributária não deve causar repercussão imediata nos leilões, pois ainda há pouca visibilidade sobre eventual impacto no reequilíbrio dos contratos de concessões.

“A tendência é seguir como está até que o tema fique mais claro na execução dos contratos e na legislação regulamentadora”, diz Gallacci.