A Arco Educação publicou na Securities and Exchange Commission (SEC) na quarta-feira, 26 de julho, a emissão de uma debênture, não conversível em ações, no valor de R$ 550 milhões, com taxa de CDI + 2,6% ao ano, com vencimento em julho de 2028.
Essa emissão ficou com Itaú e Santander, mas outros bancos entraram na competição pelos títulos da plataforma de educação, disse ao NeoFeed uma pessoa com conhecimento da oferta. No ano passado, a Arco já havia feito a emissão de uma debênture de R$ 1,22 bilhão a CDI + 2,3% ao ano.
O apetite pela dívida da Arco chegou a surpreender em razão da alavancagem da companhia, que estava em 3 vezes (x) a geração de caixa antes dessa emissão - agora, caso não use o dinheiro para reduzir a dívida de curto prazo, sobe para 3,9x considerando o múltiplo dívida líquida/Ebitda ajustado nos últimos 12 meses. Em maio, a empresa reportou um endividamento de R$ 3,3 bilhões, com um terço vencendo ainda este ano.
A Arco também vinha sentindo uma deterioração da sua liquidez. A capacidade de honrar os compromissos de curto prazo, que chegou a ser de 17,1x em 2018, caiu para 1,2x. “A estratégia faz parte, sim, da gestão de balanço patrimonial da companhia, mas na prática estão aumentando a dívida em mais meio bilhão de reais”, diz uma fonte que pediu anonimato.
Alongar os prazos de pagamento faz parte do planejamento da Arco em meio ao processo de fechamento de capital da companhia. Embora não tenha uma data para convocar a assembleia e apresentar a proposta de deslistagem na Nasdaq, a expectativa é que esse movimento ocorra em setembro - após a apresentação dos resultados do 2º trimestre, no fim de agosto.
Neste momento, o NeoFeed apurou que o comitê independente formado por Edward Ruiz, ex-Deloitte; Stelleo Tolda, ex-CEO do Mercado Livre; Carla Schmitzberger, ex-Alpargatas; e Beatriz Amary, da Amadeus Capital, estão em tratativas finais de análise da proposta feita no fim do ano passado pelos fundos General Atlantic (GA) e Dragoneer, que hoje têm menos de 5% do capital da Arco. O banco de investimentos Evercore foi contratado para dar o fairness opinion.
A proposta de aquisição de 51% das ações em circulação foi apresentada pelos fundos no fim do ano passsado. O valor inicial era de US$ 11 por ação. Em maio, eles elevaram para US$ 13, o que significa um desembolso de, aproximadamente, US$ 350 milhões para adquirir a participação dos demais minoritários.
A reunião entre acionistas para a aprovação é considerada proforma pelo mercado. A família fundadora Sá Cavalcante detém 49% do capital da empresa de educação, mas 88,1% do poder de voto. E, embora não sejam vendedores e nem entrarão para compor, há um alinhamento à proposta de GA e Dragoneer - desde que haja aprovação dos quatro membros do comitê.
No pregão de quinta-feira, 27 de julho, a ação fechou cotada a US$ 12,76. O valor é 60% acima do piso de negociação, registrado em novembro do ano passado. Porém, o papel ainda precisa de mais de 80% de valorização para chegar no preço de estreia na Nasdaq, em setembro de 2018. Hoje, o consenso dos analistas de preço-justo é de US$ 17.
Além de GA e Dragoneer, três fundos com posição relevante na Arco manifestaram o desejo de continuar como acionistas privados da companhia, apesar da deslistagem na Nasdaq. “Esse é um business que a GA acredita e sempre acreditou. Fechar o capital agora vai fazer a empresa voltar ao normal para poder fazer direito”, diz uma fonte próxima à gestora.
O timing do fechamento de capital
O que tem sido questionado nesse movimento da Arco é o timing do fechamento de capital. O mercado enxerga que a companhia está pronta para destravar seu valor nos próximos anos, com a consolidação das aquisições, os ganhos com a sinergia de todas as operações e a simplificação dos processos. Porém, ela quer colocar poucos à mesa.
“Eles vão passar por um processo de desalavancagem e este ano tem tudo para ser um turning point, com os próximos três anos positivos. Mas a deslistagem gera uma ‘dor de corno’ em quem estava no momento ruim e não poderá aproveitar a empresa operacionalmente”, diz um gestor, que está comprado no papel.
A ação da Arco, que chegou ao topo de US$ 59,15 em fevereiro de 2020, foi derretendo até o piso de US$ 7,99 em novembro passado. A pandemia foi um problema para a empresa de educação, que viu sua saúde financeira se deteriorar no período.
“A Arco tinha incentivo para M&A e vinha fazendo esse caminho muito bem, mas veio o lockdown e a empresa estava inchada, esperando uma receita maior, que não veio”, afirma um profissional que conhece muito bem a companhia.
Desde o IPO na Nasdaq, a Arco adquiriu 15 empresas e gastou R$ 3 bilhões. Em fevereiro do ano passado, foram a PGS e a Mentes do Amanhã, dois ativos da Pearson Education no Brasil. Antes, ficaram sob o guarda-chuva do grupo Edupass, plataforma de benefícios educacionais; a edtech Eduqo; a Me Salva!, de cursos preparatórios para vestibular; e os sistemas educacionais COC e Dom Bosco.
Os maiores cheques foram para Positivo Educação (R$ 1,65 bilhão), Escola da Inteligência (cerca de R$ 480 milhões) e os grupos COC e Dom Bosco (R$ 920 milhões).
Esse apetite pelo crescimento inorgânico teve um impacto no endividamento da companhia, que chegou a R$ 3,3 bilhões - equivalente a 78,6% do valor de mercado de R$ 4,2 bilhões (US$ 884,9 milhões). De acordo com a plataforma TradeMap, o endividamento das empresas de educação Yduqs, Ser Educacional e Cruzeiro do Sul é de R$ 4,2 bilhões, R$ 503,7 milhões e R$ 190,9 milhões, respectivamente.
Além das dívidas financeiras, nem todas as aquisições da Arco foram pagas. Positivo, International School e Escola da Inteligência têm a receber, ao todo, R$ 1,38 bilhão.
Desse montante, há uma arbitragem em andamento com os fundadores da International School. Portanto, os R$ 438 milhões devidos não serão pagos de imediato. Segundo apurou o NeoFeed, a disputa não questiona o valor, mas o prazo desse pagamento, algo que só deve acontecer em meados de 2024.
Um modelo questionado
Há visões críticas a esse modelo assumido pela Arco. Uma fonte, que também pediu anonimato, disse que o problema da plataforma de educação começou no IPO, quando a empresa se colocou como parte de um segmento de edtechs de crescimento acelerado e alto valuation.
A tese apresentada aos investidores foi de que a Arco seria capaz de fazer investimentos baixos em empresas que seriam adicionadas ao ecossistema delas para crescer por meio da tecnologia. “Eles não conseguiram adquirir empresas estabelecidas e trabalhar em ganho de eficiência e nem uma empresa especializada em desenvolvimento e crescimento de startups”, diz essa fonte.
De qualquer forma, o fluxo de caixa da Arco nos últimos anos vem sendo insuficiente para gerar receita para a companhia. A empresa registrou um caixa negativo de R$ 100 milhões em seu ano fiscal de 2022. Nos dois anos anteriores, os valores foram positivos em R$ 92 milhões e R$ 24 milhões, respectivamente.
“Como a empresa vai conseguir gerar, ao menos, R$ 1,2 bilhão de caixa operacional para conseguir cumprir os compromissos assumidos se vem queimando caixa constantemente?”, questiona uma fonte.
Em apresentação ao mercado de junho deste ano, a Arco informa que a expectativa é de uma margem Ebitda para este ano entre 36,5% e 38,5% para as soluções pedagógicas e de -10% para as soluções de gestão financeira (com projeção de breakeven em 2024 e uma performance entre 30% e 40% no longo prazo). No primeiro trimestre, a margem Ebitda consolidada da companhia foi de 20,7%.
Procurada pelo NeoFeed, a Arco não quis se manifestar para a reportagem.