Com muitas dúvidas no mercado a respeito do futuro da política fiscal e as consequências para inflação e juros, a Safari Capital tem se afastado do setor que mais entende e se especializou desde que começou a operar, em 2015: o consumo. 

A gestora, com mais de R$ 500 milhões em ativos sob gestão, está fechando o ano com uma redução significativa de seus investimentos em nomes do consumo. Depois de iniciar com mais de dez ações em carteira, ela terminará 2022 com apenas quatro ativos do setor: Renner, Localiza, Direcional e Cury.

Essa cesta enxuta de empresas do setor é algo que a casa não fazia desde 2017, quando o País sentia os efeitos de uma das piores crises econômicas de sua história, na esteira do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. 

“A nossa ideia é ter uma carteira leve, porque ano que vem vai ser desafiador e nós precisamos ter agilidade”, diz Marcelo Cavalheiro, fundador e gestor da Safari Capital, ao NeoFeed. “Essa indecisão do governo custou muito caro, a história toda de varejo e consumo ficou comprometida.”

O mercado vem digerindo muito mal algumas das propostas do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva, em especial a PEC da Transição de R$ 145 bilhões, avaliando que elas prejudicam a possibilidade de reduzir a taxa básica de juros, a Selic, que está em 13,75%.

O mercado previa que as taxas iriam começar a cair a partir do segundo semestre de 2023. Agora, sem uma âncora fiscal clara e com sinais de expansão do gasto público, bancos e casas de análise não acreditam mais que isso possa acontecer no próximo ano.

A situação é particularmente complicada para o varejo. A razão é simples: juros altos prejudicam a intenção de consumo das famílias. Se elas compram menos, as empresas do setor sofrem o baque. 

Em meio ao pessimismo generalizado com a economia e com a bolsa, Cavalheiro diz que dois dos nomes investidos pela Safari possuem histórico comprovado de execução operacional, liquidez elevada, permitindo expandir a posição se a situação melhorar ou reduzir se ocorrer o contrário, além de estarem em bons níveis de preços. 

Uma das posições da Safari em consumo é a Renner. Para Cavalheiro, por mais que possa sentir uma desaceleração no consumo, o histórico da empresa é muito bom e ela está muito bem posicionada financeiramente desde que realizou um follow on de R$ 4 bilhões em abril de 2021. 

Marcelo Cavalheiro, cofundador e gestor da Safari Capital

Mais de um ano após a operação, a companhia não realizou nenhum grande movimento no mercado, apesar das pressões para que ela utilizasse o dinheiro para realizar aquisições para fortalecer seu ecossistema.  

Com esses recursos em caixa, a Safari acredita que ela deve conseguir lidar com um cenário imprevisível no ano que vem e amortecer os efeitos da inadimplência do seu braço financeiro. A Realize registrou um aumento de 217% em perdas líquidas com crédito no terceiro trimestre, na comparação com o mesmo período de 2021. 

Outra razão para apostar na Renner, segundo o gestor, é o fato de que a ação caiu demais em 2022. No ano, os papéis da Renner acumulam queda de 15,5%. 

“A Renner resistiu à pressão do mercado e hoje está numa situação muito boa”, diz Cavalheiro. “Com os juros em 13,75% ao ano, a quanto outras empresas tomariam dinheiro no banco? Provavelmente a 20% ao ano. A Renner está aplicando dinheiro, isso é uma maravilha”

O segundo nome em que a Safari está alocada é a Localiza. Por mais que a companhia seja intensiva em capital, Cavalheiro avalia que a empresa possui um histórico de retornos robusto e entra numa fase com a incorporação da Unidas. 

“A empresa hibernou por conta do acordo com a Unidas. Agora que foi feito, ela divulgou planos de crescimento, novas linhas de negócio. E ela é a maior do setor de locação de veículos”, afirma. “Fora que tem um valor de mercado gigante (R$ 50,4 bilhões) e os gringos com certeza vão olhar.”

Também na parte de consumo, mas no segmento de incorporação, a Safari está posicionada em Direcional e Cury, que devem se beneficiar dos sinais emitidos por Lula de que vai investir no programa habitacional Minha Casa Minha Vida. “E elas são boas pagadoras de dividendos e estão com valuations bastante descontados”, afirma Cavalheiro. 

O restante da posição da gestora está concentrada em ativos ligados a commodities, caso de Vale, que deve se beneficiar dos indícios de retomada da China, além de um call em dólar para se prevenir do que Cavalheiro chama de qualquer “barbeiragem” vinda de Brasília.

Isso não significa que a Safari não esteja olhando para outros nomes de consumo. Segundo Cavalheiro, se o novo ministro da Fazenda, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad vier com um plano econômico que enderece parte das preocupações do mercado com a situação fiscal, existe a possibilidade de nomes do setor de consumo terem um desempenho positivo em 2023. 

Ele acredita que boas possibilidades podem surgir em nomes ligados ao varejo de alta renda, como Arezzo e Grupo Soma, pelo fato de o público ser menos afetado pelas circunstâncias econômicas. 

No caso das plataformas de e-commerce, as expectativas não são otimistas. O fraco desempenho visto na Black Friday é apenas um sintoma dentro do segmento, com as empresas vindo mal há tempos. Para ele, o nome que desponta no setor é o Mercado Livre.

Para o varejo de alimentos, ele avalia que o upside para o setor, a ampliação dos programas de distribuição de renda, já veio. Dentre as posições que contava estavam os nomes de Assaí e Grupo Matheus. 

“O varejo alimentar andou muito, a gente até reduziu um pedaço da exposição, e daqui para frente eles não tem uma história nova para contar, não tem um trigger para fazer o papel andar”, afirma. “Uma boa parte do que tinha de bom foi para o preço.”