Dennis Herskowicz, CEO da Totvs, encabeçou nos últimos anos uma leva de M&As para transformar a empresa de software em uma companhia com negócios diversos. Foi com essa visão que comprou a RD Station, fez uma joint venture com a B3 e outra com o Itaú. Agora chegou a hora de acelerar um deles.
“Será um ano de escalada para a Totvs Techfin”, diz Herskowicz, ao NeoFeed, sobre o braço financeiro da companhia. “O mercado de serviços financeiros é brutalmente maior do que qualquer mercado de tecnologia. Mas temos uma pequena fatia disso. Ainda somos pedra e não vidraça nesse caso.”
A empresa acaba de antecipar ao NeoFeed seu primeiro movimento de 2024 nesse sentido. Trata-se de um acordo com a PagBrasil, empresa de pagamentos digitais, com ofertas que cobrem diversos meios e transações nessa área, do checkout no e-commerce ao repasse do valor das vendas aos lojistas.
Com essa abrangência, a companhia sediada em Porto Alegre (RS) passa a ser o braço oficial de pagamentos da Totvs Techfin, em um acordo que coloca mais uma peça no quebra-cabeça que a Totvs vem montando para estruturar a fintech.
No fim de 2019, quando decidiu ir além dos softwares de gestão que lhe deram fama, a empresa pagou R$ 455 milhões pela Supplier para começar a erguer esse braço financeiro. E, em abril de 2022, anunciou uma joint venture com o Itaú Unibanco para turbinar de vez a nova frente.
A demora para a aprovação dessa união fez com que a unidade andasse a passos mais lentos que o inicialmente projetado. Mas com o sinal verde dado ao acordo, em julho de 2023, o plano é colocar o pé no acelerador para recuperar o tempo perdido.
Alguns dados extraídos "dentro de casa" dão a exata dimensão do potencial à frente. A partir das transações feita por seus mais de 70 mil clientes, a Totvs estima um mercado endereçável de R$ 107,2 bilhões a ser capturado apenas com a oferta de produtos e serviços financeiros a essa base.
Para efeito de comparação, em softwares de gestão, seu negócio tradicional, o mercado projetado pela companhia é de R$ 47,5 bilhões. A diferença é que, enquanto a Totvs detém uma fatia de 15,3% desse segmento, na indústria financeira, seu market share ainda é incipiente, de 0,4%.
A partir da sociedade com o Itaú, o braço financeiro incorpora outros números de olho nessas cifras bilionárias. Pelos termos da transação, o banco fez um aporte primário de R$ 200 milhões no capital social da joint venture, além de um pagamento à vista de R$ 410 milhões em troca de 50% da operação.
O acordo prevê ainda um pagamento adicional de até R$ 450 milhões, a ser realizado após cinco anos, e atrelado ao alcance de determinados indicadores. E a ampliação do portfólio é, já nesse primeiro momento, o principal trajeto para entregar essas métricas.
“Estamos com um roadmap de desenvolvimento importante”, afirma Herskowicz. “Teremos novidades a partir desse trimestre. E, ao longo do ano, vamos lançar soluções de capital de giro, em particular, para médias empresas, um novo consignado e ofertas de gestão de caixa, muito focadas em conta digital.”
Um dos projetos no forno envolve uma nova versão do produto Mais Negócios, que dá às empresas a opção de ofertarem uma linha de crédito às companhias que compram seus produtos e serviços. E de anteciparem, ao mesmo tempo, o recebimento do valor dessas vendas.
“Estamos testando um prazo mais longo para esse produto, que, hoje, tem um prazo médio entre 50 e 60 dias”, afirma. Ele não revela os prazos que estão sendo validados nessa nova roupagem. No terceiro trimestre de 2023, levando-se em conta todo o portfólio da Techfin, esse indicador ficou em 61,3 dias.
O produto em questão começou a ser testado em um projeto-piloto no fim de 2023, com uma base mais restrita de clientes. “O piloto é um bicho vivo”, diz o CEO. “Se sentirmos que a demanda é interessante e que o spread se encaixa, não temos motivo para não escalar esse produto.”
Cross sell
Além dos M&As, outra via de expansão da operação e do portfólio financeiro são as parcerias com empresas conectadas a essa cadeia. Desde 2020, por exemplo, a Totvs Techfin mantém uma oferta de crédito consignado com a Creditas. A nova parceria com a PagBrasil tem a mesma lógica.
Essa nova parceria ilustra um outro elemento que vem ganhando relevância no ecossistema da Totvs: a busca para que cada divisão vá além de suas fronteiras e ajude a impulsionar as vendas das outras unidades.
Nesse caso, o contrato com a PagBrasil foi fechado e será levado ao mercado, assim como todas as soluções financeiras da Totvs, por meio da Techfin. Mas tem como um de seus principais racionais encorpar a oferta de Business Performance.
Segundo pilar na estratégia de diversificação da Totvs, a divisão de Business Performance teve como ponto de partida a compra, em março de 2021, da RD Station, por R$ 1,8 bilhão.
“Em Business Performance, um dos grandes focos de crescimento em 2024 é o e-commerce”, observa Herskowicz. “Nós já temos uma suíte muito sólida nesse segmento, mas faltava uma solução de pagamentos e a PagBrasil vem exatamente para preencher essa lacuna.”
Com clientes como Tramontina e Samsung, a PagBrasil traz, além do seu portfólio, a integração com plataformas como Shopify, VTEX e Salesforce. Em contrapartida, ao se associar com a Totvs e ter acesso aos milhares de clientes da companhia, a empresa encurta boas distâncias para ampliar suas vendas.
“O Brasil é gigante e há demanda por pagamentos digitais em todas as regiões”, diz Ralf Germer, cofundador e CEO da PagBrasil. “Mas é muito difícil chegar a todos os cantos. E a Totvs consegue fazer isso.” Ele acrescenta que, além do laço comercial, a parceria inclui o codesenvolvimento de produtos.
Colchão reforçado
O pano de fundo para todos esses movimentos é o colchão reforçado com a chegada, enfim, do Itaú à operação. Nesse desembarque, as vantagens destacadas por Herskowicz não estão restritas ao fato de que, em voo solo, a fintech levaria “décadas para chegar ao ponto em que o Itaú está”.
Ele ressalta que a divisão financeira tem autonomia para buscar o financiamento de suas operações em frentes como fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDCs). Mas, por contrato, o Itaú se comprometeu a prover recursos em larga escala e em condições mais favoráveis para a unidade.
“Com a joint venture, nós, basicamente, resolvemos a questão de funding já na partida”, diz ele. “E não apenas sob a ótica de aumentar os limites e a produção de crédito, mas também, do ponto de vista da redução do custo e da melhoria de eficiência desse funding. Tudo isso já está acontecendo.”
O custo de funding no terceiro trimestre de 2023, por exemplo, caiu 14,5% sobre um ano antes. No período, a carteira de crédito, por sua vez, somou R$ 1,97 bilhão, alta anual de 9,7%, enquanto a inadimplência acima de 90 dias recuou 30 base points, para 1,6%.
Já a receita da divisão cresceu 15,9%, em base anual, no trimestre. No acumulado de janeiro a setembro de 2023, o salto foi de 10,5%, para R$ 324,7 milhões. O número ainda é pequeno perto da receita de R$ 3,4 bilhões da Totvs no período. Mas há quem enxergue além dessa conta.
“Nós vemos a Techfin, a joint venture com o Itaú, como o segmento de maior potencial de upside“, escreveram os analistas Fred Mendes, Lucca Brendim, Mirela Oliveira e Gustavo Tiseo, do Bank of America, sobre a operação mais ampla que a Totvs como um todo está construindo.
O relatório, divulgado na quinta-feira, 11 de janeiro, ressalta que a Totvs está preparando um cenário para mais um ano de desempenho superior. E reforçam a perspectiva de que sua fintech pode começar a ganhar protagonismo nesse contexto.
“O ano de 2024 deve ser importante para a Techfin e devemos ter mais visibilidade sobre o desenvolvimento de produtos que hoje representam apenas cerca de 5% da sua receita total”, acrescentam os analistas, reiterando a recomendação de compra e o preço-alvo de R$ 44 para a ação, um upside de 35,6% sobre a cotação atual.
Os papéis da Totvs encerraram o pregão da quinta-feira com ligeira queda de 0,03%, cotados a R$ 32,43. Nos últimos 12 meses, porém, as ações acumulam uma valorização de 12,23%. A empresa está avaliada em R$ 19,5 bilhões.