No fim de 2017, quando mergulhou em uma profunda reestruturação, a Lojas Marisa tinha uma série de desafios internos pela frente. Entre outras questões, era preciso readequar a rede de lojas, reduzir estoques, retomar o foco nas mulheres da classe C e recuperar o atraso em sua estratégia digital.
Em pouco mais de três anos, a varejista conseguiu avançar em uma boa parte dessa agenda, mesmo sob os impactos mais recentes da Covid-19. E, com a lição de casa mais próxima de ser concluída, a empresa entende que chegou a hora de olhar além das suas fronteiras.
Nessa direção, a Marisa costurou uma parceria com a plataforma de inovação aberta Distrito para se aproximar de startups, em especial, aquelas que atuam nos espaços do varejo e de moda, essas últimas, também conhecidas como fashiontechs.
A estratégia passa pela criação de um programa de inovação aberto, patrocinado pela Marisa. E reforça a coleção de projetos da rede para 2021, com iniciativas como um marketplace, a oferta digital produtos e serviços financeiros e o investimento em dark stores.
“Nossa relação com esse mundo era esporádica e não coordenada”, diz Marcelo Pimentel, CEO da Marisa, ao NeoFeed. “Queremos ir além das paredes das nossas lojas e, através dessas parcerias, conhecer novas tecnologias e ensinar nosso time a pensar diferente.”
Gustavo Araújo, CEO do Distrito, acrescenta: “A Marisa vai abrir toda sua estrutura de lojas, logística e digital para plugar essas startups”, observa, destacando que todos saem ganhando nessa equação. “Nós podemos apoiar mais empresas, as startups ganham escala e a Marisa acelera a sua transformação.”
Marisa e Distrito selaram o acordo na virada do ano e, desde então, trabalham a quatro mãos para mapear as startups mais aderentes às demandas da varejista, que elegeu como pilares dessa iniciativa o omnichannel e a experiência das clientes.
Segundo o hub de inovação, existem 60 startups dedicadas exclusivamente à moda no País e outras 250 com soluções para o setor, além de 748 retail techs. Araújo também coloca nessa conta 793 startups de marketing. “Há muitas tendências em experiência de consumo, como as live commerces”, diz.
Além do live commerce, a Marisa vai priorizar outras duas vertentes nesse início do programa. A primeira delas é o social commerce e os novos canais de compra, como WhatsApp e Instagram. “Mas não estamos olhando apenas a venda em si, e sim, a interação com a nossa cliente”, diz Pimentel.
Nesse sentido, o segundo foco envolve startups que ajudem a varejista a dar velocidade à estruturação do seu data lake, como parte de um esforço para dar uma nova conotação ao slogan “De mulher para mulher”, pelo qual a rede ficou conhecida.
“Nossa ideia é olhar para todos os pontos de contato com essas clientes, incluindo nossas lojas físicas”, diz o executivo. “E ter um diálogo cada vez mais personalizado, para que ela possa escolher como, quando e onde comprar conosco.”
Desde agosto, a Marisa conta com uma nova ferramenta para conhecer melhor essa base e interagir com esse público. Lançado, na época, ainda como um projeto-piloto, o aplicativo da varejista alcançou 4 milhões de downloads e hoje já responde por 36% das vendas digitais da companhia.
Da mesma forma, o vínculo da empresa com o público feminino também será reforçado na associação com o Distrito. “Com esse hub de fashiontechs, outra proposta é incentivar o empreendedorismo feminino”, afirma Araújo.
Já as parcerias com as startups que irão ajudar a Marisa nessas jornadas podem envolver alguns formatos. O leque passa pela inclusão dessas empresas como fornecedoras, o desenvolvimento a quatro mãos e a compra de participações ou do controle dessas operações.
Conta digital, marketplace e dark stores
Além das fashiontechs, a varejista também está de olho na aproximação com as fintechs. Essa abordagem vai ao encontro dos planos da rede para digitalizar e encorpar seu portfólio de produtos e serviços financeiros, que hoje tem uma base de 6 milhões de clientes, sendo 2 milhões ativos.
A Marisa programa lançar a plataforma que irá materializar essa transição no início do segundo semestre. “O plano é fazer a transição para uma conta digital, onde vamos oferecer muito mais do que transações”, diz Pimentel, citando modalidades como seguros saúde e seguros garantia.
Essa iniciativa se relaciona com outra novidade: o marketplace da rede, cujo projeto foi antecipado pelo NeoFeed em novembro do ano passado. A plataforma, que entrará no ar em maio, ainda em fase de testes, trará ofertas em categorias como beleza, perfumaria e educação financeira.
“Não queremos ser mais um marketplace para competir no mercado aberto”, explica o executivo. “Somos os únicos que podem falar de mulher para mulher e vamos investir na oferta de conteúdo sob a ótica desse público e o programa com o Distrito também pode auxiliar nesse sentido.”
Segundo o Distrito, existem 60 startups dedicadas exclusivamente à moda no País e outras 250 com soluções para o setor, além de 748 retail techs
Com a entrada nessa passarela, a Marisa dá sequência a uma agenda que começa a render frutos. De uma participação de 2%, há três anos, as vendas digitais representam hoje 13,3% da receita total da companhia.
No acumulado de janeiro a setembro de 2020, a varejista reportou uma receita líquida de R$ 1,01 bilhão, queda de 34,6%, sob os efeitos da Covid-19. O prejuízo líquido foi de R$ 403,3 milhões, contra R$ 125,1 milhões, um ano antes. Já as vendas digitais avançaram 115,6% no período.
Para apoiar o avanço desses canais, reduzir os prazos de entrega e os custos na última milha, a Marisa inaugurou, em fevereiro, sua primeira dark store, em São Paulo. A capital paulista foi escolhida por responder, juntamente com a Grande São Paulo, por mais de 40% dos pedidos no e-commerce da rede.
“Estamos ajustando esse modelo e entendendo que ele faz muito mais sentido do que pulverizar mini-hubs em todas as nossas lojas”, diz Pimentel. Até o fim desse semestre, a expectativa é abrir outras 10 dark stores, em capitais como Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador.
Para Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese, a evolução da Marisa nas vendas online e multicanal, bem como em outras áreas, como a limpeza do seu estoque e a reformulação do parque de lojas, é um sinal de que a companhia fez, de fato, o seu dever de casa.
“A empresa vinha em franca recuperação e a pandemia veio como uma marretada no momento em que eles estavam tirando a cabeça da água”, afirma. “Mas a agenda de 2020 foi de sobrevivência e a Marisa aguentou o tranco.”
Ele ressalta, porém, que algumas rivais estão mais avançadas no digital, como a Riachuelo, que já conta com uma iniciativa com startups e que anunciou, em 2020, o projeto do seu marketplace, também antecipado pelo NeoFeed. “Hoje, porém, quem está mais à frente é a C&A, que já tem um marketplace rodando e muitas outras iniciativas em curso de digitalização”, diz Serrentino.
Já no mercado de capitais, a Marisa ainda não conseguiu retomar a curva ascendente que vinha trilhando antes da Covid-19. No início de março de 2020, o valor de mercado da rede girava em torno de R$ 3,5 bilhões, segundo a consultoria Economatica.
Hoje, a Marisa está avaliada em R$ 1,34 bilhão, próxima do patamar do fim de 2017, quando iniciou sua reestruturação
Hoje, a empresa está avaliada em R$ 1,34 bilhão, próxima do patamar do fim de 2017, quando iniciou sua reestruturação. E a perspectiva de novas restrições no funcionamento das lojas, com o recrudescimento dos casos do novo coronavírus, torna esse contexto novamente desafiador.
“O ponto positivo é que não desperdiçamos 2020”, diz Pimentel. “Hoje, temos uma operação muito mais saudável, um caixa robusto e um estoque novo performando melhor. Estamos muito mais preparados e prontos para a retomada.”