No varejo de eletroeletrônicos, a Allied vende anualmente mais de 11 milhões de itens. São celulares, notebooks, videogames e tevês que abastecem as gôndolas de 3,5 mil lojistas de todo o País, bem como diversas operações online.

Mas quase ninguém sabe que a Allied está por trás dessas vendas. O que pode parecer um problema de marca, na verdade é um posicionamento estratégico. A empresa, controlada atualmente pelo fundo Advent e fundada pela família Radomysler há 20 anos, cresceu como um distribuidor de produtos de tecnologia. Nos últimos anos, no entanto, criou um braço de varejo online e físico.

Sabe a loja de celulares da Samsung? A Allied administra 150 delas. E os pontos de vendas de eletrônicos em varejistas como Sam's Club, Marabraz e Maxxi, entre tantos outros? São também da Allied, que funcionam no conceito de “store-in-store”.

Comprou online pela MobCom? Mais uma vez é a Allied que processa a venda, pois é dona da marca, que atua como um seller dos principais marketplaces do Brasil – da Amazon as Lojas Americanas, do Magazine Luiza a Via (ex-Via Varejo) até o Carrefour.

Agora, após captar R$ 197 milhões, em abril deste ano, em uma oferta restrita, dos quais R$ 180 milhões vão para o seu caixa, a Allied vai usar esses recursos para crescer seu braço varejista online e físico, a sua aposta de longo prazo para sustentar sua expansão, aumentar a rentabilidade e agradar os investidores que começam a acompanhar os resultados trimestrais da companhia.

“Sem sacrificar a distribuição, que é uma forte geradora de caixa, vamos trilhar o caminho de tornar a empresa cada vez mais varejista”, afirmou Silvio Stagni, CEO da Allied, em sua primeira entrevista após o IPO da empresa, ao NeoFeed. “A lucratividade do varejo é maior do que a da distribuição.”

É fácil de entender essa preocupação de crescer a área de varejo. No primeiro trimestre de 2021, a margem bruta da distribuição foi de 16%. A do varejo (físico e digital), 30%. A margem bruta é um indicador que mede a porcentagem de lucro que uma empresa ganha com cada venda.

É verdade que a distribuição vai seguir sendo a “vaca leiteira” da Allied por muito tempo ainda. Nos três primeiros meses do ano, ela teve um receita líquida de R$ 837,3 milhões, um crescimento de 23,5% na comparação com o mesmo período do ano passado. Com esse desempenho, ela representou 74% do resultado. É uma dependência muito grande. Mas, há um ano, essa fatia era ainda maior: 80%.

O varejo digital, por exemplo, dobrou a participação neste trimestre, para 15,4%. A receita da área, que foi de R$ 173,2 milhões, avançou 178,3%. O físico, por sua vez, cresceu 24%, resultado impactado pelo fechamento das lojas por conta de recrudescimento da pandemia no Brasil. “Em até 5 anos, queremos que (a receita) seja metade distribuição e metade varejo”, afirma Stagni.

Como atingir essa meta? Em primeiro lugar, o plano é crescer organicamente. No começo deste ano, a Allied incorporou mais seis lojas da Samsung, sua principal parceira no varejo físico. Na parte online, a empresa desenvolveu parcerias estratégicas com grandes fabricantes, através de lojas autorizadas para empresas como Google e Apple.

Silvio Stagni, CEO da Allied

A companhia vem crescendo também através da venda de produtos e serviços nos sites das próprias operadoras de telefonia ou nas lojas e quiosques em que vende celulares – são mais de 100 pontos.

Nesse quesito, a Allied desenvolveu um produto digital que permite que o cliente possa comprar o celular e sair da loja com o plano de uma operadora. Hoje, essa solução está em mais de 5 mil pontos de vendas – a parceria mais recente foi fechada com a Lojas Americanas.

Sem grande alarde, a empresa está fazendo uma aposta em serviços financeiros. Em uma época em que a maioria das empresas de varejo quer se tornar fintech, a Allied está silenciosamente construindo a sua. Desde 2019, a empresa criou a Soudi, uma plataforma digital para crédito e soluções financeiras.

Os números desse braço financeiro ligado ao varejo ainda são incipientes. A carteira de recebíveis somava apenas R$ 18,7 milhões no fim do primeiro trimestre de 2021. Mas isso deve avançar nos próximos meses, impulsionado pela Samsung, que está colocando essa solução em todas as suas lojas.

Hoje, quando um consumidor compra um smartphone em uma loja Samsung pode adquirir o financiamento da Soudi de forma digital. Mas o aparelho vem com uma tecnologia que permite bloqueá-lo caso o cliente deixe de pagar o empréstimo.

A solução começou sendo implementada nas lojas da Samsung operadas pela Allied. Mas deu tão certo que vai ser expandida para toda a rede física da fabricante coreana de smartphone – mais de 330 espalhadas pelo Brasil. “Vamos aumentar essa carteira”, diz Stagni.

Com  R$ 140 milhões para M&A, a Allied vai usar os recursos no plano de crescer a área de varejo. Três alvos estão na mira. O primeiro deles é o mercado de produtos de celulares recondicionados. “É um mercado gigante nos Estados Unidos. No Brasil, ainda é incipiente”, afirma o CEO da Allied.

A Allied estuda também desenvolver produtos “white labels” para serem vendidos em seus parceiros do varejo. A ideia, nesse caso, é comprar alguma empresa com atuação na China para trazer os produtos importados de lá e apenas acrescentar as logomarcas na hora da venda.

Outro plano, que não tem a ver com o crescimento do varejo, é se tornar mais relevante na distribuição de produtos para empresas. “Somos ainda pequenos nessa área”, afirma Stagni.

No momento, a Allied informa que tem um pipeline de 15 empresas sob análise. “Devemos fechar de três a quatro aquisições ao longo de 2021”, diz Luís Gustavo Ferraz Antunes, diretor financeiro da Allied.

No caminho para ser mais varejista, no entanto, a Allied tem outra lição de casa para fazer. A principal delas é reduzir sua dependência da venda de smartphones. Na área de distribuição, os aparelhos móveis representaram 55% da vendas nos três primeiros meses de 2021. No varejo digital, 88%. E no físico, 74%.

“A Allied depende ainda muito de um produto cujas vendas estão em queda”, diz Ivair Rodrigues, diretor de pesquisas da consultoria IT Data. “Se não diversificar, o negócio não avança.”

Em 2017, foram vendidos 52,2 milhões de celulares no mercado brasileiro, segundo pesquisa da IT Data. No ano passado, as vendas caíram para 45 milhões, uma queda de 14,3% em três anos. “O mercado está saturado”, afirma Rodrigues.

Nos últimos anos, a Allied iniciou uma diversificação de produtos e incluiu computadores, e-readers, linha marrom (tevê e áudio) e videogames no mix de produtos que vende via distribuição ou em suas lojas via parceiros.

Agora, a companhia está acrescentando a venda de linha branca, com a Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, e com a fabricante chinesa Midea. “Esse é um mercado de R$ 50 bilhões, do mesmo tamanho do de celulares”, diz Stagni. Produtos para a casa conectada, em parceria com o Google e a brasileira i2GO, também fazem parte da estratégia.

Com apenas um mês cotada na B3, as suas ações praticamente se mantiveram estáveis – um tímido avanço de 1,6% desde o dia 12 de abril. A própria abertura de capital não foi fácil. O plano era captar mais de R$ 500 milhões.

Mas, no fim, a empresa só conseguiu menos da metade desse valor. E o processo só foi adiante porque a Advent e a família Radomysler, fundadora da empresa, bancaram boa parte da oferta primária. Agora, a companhia começa o verdadeiro teste do mercado.