Belém - Quando o empresário Denis Minev foi convidado para ser enviado especial da COP30, na capital do Pará, como representante do setor privado da Amazônia, André Corrêa do Lago, presidente do evento, quis saber: “Qual é a medida de sucesso para a região?”
O CEO do grupo Bemol então respondeu:“ Eu gostaria que a minha geração entregasse mais Amazônia para a próxima geração do que recebeu. Mas também que entregasse muito mais riqueza”. Uma das medidas de médio prazo é se, daqui a cinco a dez anos, de três a cinco empresas nascidas por agora na Amazônia, chegarem à B3.
“Empresas que cresceram a ponto de abrir capital. Aí eu vou considerar que a COP teve sucesso”, diz Minev, em entrevista ao NeoFeed. “Eu sei que assim parece um pouquinho de utopia. Não está simples, não está fácil. Vai precisar de muita cooperação, vai precisar de muito financiamento, mas está visível.”
Aos 49 anos, formado em economia pela Universidade Stanford e com MBA pela Wharton School, Minev herdou do avô materno Samuel Benchimol um negócio, mas também a paixão pela Amazônia e a confiança na prosperidade sustentável e inclusiva da região.
Trinta e três anos antes de Minev surgir como uma das figuras-chave da primeira COP realizada no Brasil, Samuel estava na Rio-92. Naquele evento da ONU, o cofundador do grupo Bemol foi um dos primeiros a falar sobre a compensação entre agressores e conservadores da natureza - conceitos que mais adiante resultariam na teoria dos créditos de carbono.
Em 13 de agosto de 1942, Samuel e os irmãos Israel e Saul inauguraram a primeira Bemol, em Manaus. Com o tempo, o empreendimento expandiu e se diversificou. Além da rede de lojas de departamento, o grupo inclui serviços financeiros, logística, e-commerce, telefonia, farmácias, mercados, loterias e cerca de 4,1 mil colaboradores em quase 70 cidades do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima… a Amazônia Ocidental, costuma-se dizer, é da Bemol.
“Em 25 das 27 unidades da Federação, o e-commerce é liderado pelo Mercado Livre ou pela Amazon. No Amazonas e em Roraima, somos nós”, diz Minev. “Esse é um dos nossos maiores orgulhos.”
Desde 2021, ele ocupa a cadeira de CEO do grupo. Uma atividade que combina com a de investidor em soluções para o desenvolvimento sustentável da economia da floresta.
Entre os temas que lhe são mais caros, estão os sistemas agroflorestais - aquele modelo que combina cultivos agrícolas e, em alguns casos, a criação de animais, com a plantação de espécies nativas, otimizando assim o uso do espaço e dos recursos naturais e promovendo a biodiversidade.
O empresário recebeu o NeoFeed em uma das salas da Blue Zone, área restrita da COP30 onde ocorrem as negociações oficiais, para uma conversa sobre o presente e o futuro da Amazônia.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O que é a economia amazônica hoje?
Ela é muito marcada por alguns grandes projetos. Carajás é a maior mina de ferro do mundo. E tem também minas de bauxita em Juruá e estanho no Amazonas. É um dos maiores investimentos minerais do mundo. Uma riqueza inacreditável Tem também as hidrelétricas: Belo Monte, Santo Antônio, Jirau. Gás natural, petróleo… São projetos relevantes, mas as comunidades onde eles estão inseridas não são muito ricas. São um pouco melhores do que as vizinhas, mas não muito. Do centro da Amazônia para o norte, a base econômica é muito focada em transferências federais.
Que tipos de transferência?
Transferências pessoais como Bolsa Família, aposentadoria rural, Seguro Defeso. Mas tem também as transferências federais para municípios e para os estados. Se você for ver como é a arrecadação do governo de Roraima ou do governo do Amapá, na prática são transferências federais. Esses estados não têm base econômica relevante.
E o que acontece no sul da Amazônia?
Ali prevalece o agro. Mas tem dois agros na Amazônia. Um é aquele de meia cabeça de gado por hectare e baixíssima produtividade, muito comum em assentamentos rurais do Incra. O outro é o caso clássico do Mato Grosso, mas também está acontecendo em Rondônia e no Sul do Pará, onde tem a soja e uma pecuária um pouco mais intensiva — com três, quatro cabeças de gado por hectare, onde as pessoas estão ficando razoavelmente ricas. Eu diria que a inveja do resto dos amazônidas é Lucas do Rio Verde e Sinop [cidades mato-grossenses].
"A economia do Amazonas é completamente voltada para Manaus por causa da Zona Franca, que tirou toda a energia empreendedora do resto do Estado"
Qual é a importância da Zona Franca de Manaus para a região?
É um ponto completamente fora da curva. A economia do Amazonas é completamente voltada para Manaus por causa da Zona Franca, que tirou toda a energia empreendedora do resto do Estado. Em alguma medida, foi bom. Porque se você tivesse gasto essa energia empreendedora nos anos 1980 e 1990, isso teria sido desmatamento. Enquanto Rondônia tem cerca de 28% da área desmatada e o Pará, 20%; o Amazonas tem 2%. E uma das explicações para isso é que a Zona Franca atraiu o investimento e conteve a expansão predatória sobre a floresta.
E ainda têm as atividades ilegais.
Sim. Com o ouro a quase US$ 4 mil a onça, é muito difícil segurar o garimpo. Além disso, o eixo do tráfico de drogas mudou da tríplice fronteira com o Paraguai e a Argentina para a tríplice fronteira com Colômbia e Peru. A economia de Tabatinga, no Amazonas, por exemplo, é majoritariamente baseada no tráfico.
Sem falar na informalidade.
Eu gosto de dar o exemplo da cidade de São Sebastião do Uatumã, de 20 mil habitantes. Era assim quando eu servi o governo [ele foi secretário estadual de planejamento, entre 2007 e 2009]. A cidade foi construída em terra federal e a terra federal nunca foi concedida. Ou seja, toda a cidade é ilegal. Ninguém tem título para nada. Se você for a um restaurante e pedir um peixe, muito possivelmente o restaurante não tem CNPJ e o peixe foi capturado ilegalmente. Todas as casas têm no mínimo uma porta e uma janela de madeira. E essa madeira foi extraída ilegalmente.
Um ilegalidade que tem início no próprio Estado.
Esse império da informalidade impede qualquer grau de prosperidade. Não há renda formal, não se paga imposto de renda, muita gente não consegue ter conta bancária, não consegue justificar uma renda. Isso impede o acesso a crédito e restringe o desenvolvimento.
"A Amazônia Legal tem 500 milhões de hectares. Deles, 90 milhões estão desmatados. E, destes, 70 milhões são de baixa produtividade"
Como vencer todos esses entraves?
Não tem respostas simples ou certas. É preciso abordar tema a tema. Vamos pegar um tema mais fácil, apesar de ele não ser simples: o da terra degradada. A Amazônia Legal tem 500 milhões de hectares. Deles, 90 milhões estão desmatados. E, destes, 70 milhões são de baixa produtividade. Meia cabeça de gado por hectare, o que dá mais ou menos 100 quilos de proteína por ano; é nada.
É preciso inteligência para atacar o problema?
Usando boa piscicultura, é possível produzir 10 toneladas de peixe por hectare, 100 vezes mais proteína. Com sistemas agroflorestais, toneladas de comida. Se conseguirmos transformar 5 milhões desses 70 milhões em áreas altamente produtivas, pronto, está resolvido. A região se torna próspera. Dar boa produtividade a 10% dessa área torna a Amazônia uma região moderadamente rica.
Há empresas trabalhando nisso?
Hoje nós investimos em seis empresas que pretendem transformar terra degradada em sistemas agroflorestais. A Genera, por exemplo. Planta cacau e açaí com espécies nativas. Mas o foco é cacau. O potencial é produzir duas toneladas por hectare. Ou seja, estamos falando de US$ 16 mil por hectare depois do quarto ano. O açaí vai produzir cerca de 20%. Eles querem fazer isso em 50 mil hectares. Então, estamos falando de um faturamento anual de R$ 6 bilhões. Além disso, essas áreas devem em torno de 200 toneladas de carbono por hectare. Uma floresta natural oscila, mas armazena em torno de 600 toneladas. O sistema agroflorestal tem um efeito sobre a água, sobre a biodiversidade relevante.
Como você mesmo disse, os sistemas agroflorestais demoram para começar a produzir. Os investidores têm paciência?
Na Amazônia, não tem investimento de seis meses. Em seis meses tem garimpo. Os investimentos bons são longos. Vão requerer cinco, sete anos para maturar. E no Brasil de taxas de juros altas, é difícil. É complicado.
"Na Amazônia, não tem investimento de seis meses. Em seis meses tem garimpo. Os investimentos bons são longos"
Como é que faz?
(Risos) Você está na Faria Lima, você me diz. No nosso caso, a gente está investindo, com visão de longo prazo. Com algumas startups, a gente está conseguindo venture capital. Estamos entrando no capital da Belterra agora. [Trata-se de uma startup de Curitiba, especializada na implementação de sistemas agroflorestais.] Depois de anos discutindo, a Belterra finalmente conseguiu R$ 100 milhões do BNDES.
Então, é preciso sempre ter o incentivo do governo?
Hoje, soja não precisa mais de incentivo, mas no passado precisou de muito incentivo para para crescer. Minha esperança é que a gente aprenda a plantar cacau, dendê, açaí com uma produtividade altíssima. Aquela conta que a gente fez no começo da conversa: conseguir produzir duas toneladas de cacau por hectare.
A logística também é um gargalo.
É tudo muito caro na Amazônia. Você paga o mesmo Bolsa Família no interior da Amazônia que paga em São Paulo, mas o arroz chega pelo dobro ou triplo do preço. A logística é uma oportunidade essencial. A Amazônia tem as piores cidades do Brasil em qualquer métrica: segurança, educação, saúde, saneamento, entretenimento, o que quiser. Ou seja, um agrônomo não quer morar no interior da Amazônia. E como é que vai restaurar sem agrônomo?
Questão de atratividade?
Tem de tornar isso tudo atrativo para ele. Você precisa, por exemplo, de internet de qualidade. A Starlink fez um grande serviço à Amazônia. Ele [Elon Musk] pode ser um idiota, mas acho que ele comprou o lugar dele no céu com a conectividade em que ele deu à Amazônia. É fantástica a revolução que esse cara fez em uma região na qual ele nunca pisou. Conectividade é só um aspecto, né? Saneamento, por exemplo. Saneamento tá começando a acontecer.
"A Starlink fez um grande serviço à Amazônia. É fantástica a revolução que esse cara fez em uma região na qual ele nunca pisou"
Até recentemente se falava muito sobre a bioeconomia da Amazônia.
Teve uma onda de empresas locais da chamada bioeconomia. Mas elas morreram em torno de 2000, 2010.
O que aconteceu?
Os motivos são complexos, mas, em muitos casos, eles têm a ver com o zelo excessivo ambiental. O Amazonas era um grande exportador de peixes ornamentais. Hoje não exporta mais nada. O Amazonas já foi exportador de muitos óleos e essências. Nós éramos exportadores de óleo de pau-rosa — um negócio que meu avô cuidou por muitos anos. Nós tínhamos duas plantações na beira do rio. Mas, segundo o código florestal, quando um rio tem 300 metros de largura ou mais, os primeiros 500 metros na beira é área de preservação permanente, essa lei é uma maluquice porque a Amazônia foi ocupada pela beira dos rios. Não faz nenhum sentido fazer uma logística para 500 metros para dentro. Ninguém vai lá.
Mas usar a beira de rio não oferece nenhum risco ambiental?
É claro que as beiras de rios são lugares mais sensíveis. Mas é assim que a Amazônia foi ocupada. Não dá para fazer logística na Amazônia sem usar a beira de rio. Essas plantações que eu comentei foram feitas antes do código florestal, que se tornaram ilegais. Nós produzíamos cerca de 60% do óleo de pau-rosa que o Brasil exportava. Nosso principal comprador era a Chanel. O principal ingrediente do Chanel number five era o óleo de pau-rosa. O relacionamento do meu avô com a Chanel durou 40 anos. Todas as plantações foram embargadas por dois anos. A Chanel substituiu o óleo de pau-rosa por linalol sintético. Isso aconteceu com diversos negócios da bioeconomia.
E em relação à extração de madeira?
Já existiu muita extração de madeira na Amazônia legal e ilegal. Hoje tem relativamente pouca legal, bem pouca. Em teoria, poderia ser um negócio grande, outra frente de atuação, além de terra degradada — por exemplo, manejo florestal. Eu não consigo entender porque que a gente não faz mais concessões. O governo federal tem terra disponível na Amazônia para tudo que é lado e a madeira estragando. Você poderia fazer concessões florestais para fazer de maneira sustentável, que tem baixíssimo impacto ambiental. Na verdade, o impacto ambiental de manejo florestal tende a ser positivo no que diz respeito ao carbono. Mas o governo não tem conseguido se organizar para fazer muitas concessões de manejo florestal.
*A jornalista viajou a convite da Motiva, idealizadora da Coalizão pela Descarbonização dos Transportes