A maior briga societária dos últimos anos chegou ao fim (pelo menos para um dos lados) no começo da manhã de sexta-feira, 9 de agosto: Tok&Stok e Mobly anunciaram a combinação de suas operações para criar uma rede varejista de móveis e decoração com receita anual entre R$ 1,3 bilhão e R$ 1,5 bilhão.

A SPX Capital, que desde meados de 2021 assumiu a operação do fundo de private equity Carlyle no Brasil, costurou a fusão entre Tok&Stok e Mobly para fazer o desinvestimento e encerrar a intensa e desgastante relação com a família Dubrule, que era minoritária no negócio.

No acordo, que foi acertado como um aumento de capital na Mobly, a SPX fica com 12% das ações na nova empresa e a Mobly, além dos 88% na companhia, assume os 60% que o fundo de private equity detinha na Tok&Stok.

O negócio foi fechado na proporção de 4,5 ações da Mobly para uma da Tok&Stok. A SPX topou uma diluição de 50% na sua participação final na companhia. E a dívida foi precificada em R$ 9 por ação - desde o início de julho, a ação da Mobly na B3 acumula valorização de quase 45%, sendo negociada a R$ 3,03. O fundo de private equity tem um lockup de 24 meses.

“Entendemos que essa é uma oportunidade estratégica de complementaridade para os negócios em estilo, posicionamento, alinhamento e visão”, diz Victor Noda, cofundador e CEO da Mobly, ao NeoFeed.

Noda conta que há um ano e meio a Mobly se aproximou da Tok&Stok para tentar uma combinação das operações. Há um ano, essas conversas se intensificaram e ficaram concretas, mas não se chegou a um acordo, principalmente pelo endividamento da concorrente.

Agora, para sair o deal, a capitalização feita pela SPX na Tok&Stok de cerca de R$ 120 milhões se transforma em uma debênture conversível em ações em qualquer momento até a ação bater em R$ 9. A taxa desse título é de CDI+2% até 2034.

A Mobly também fez um acordo com a maior parte dos credores para aprovar um plano de recuperação extrajudicial da Tok&Stok, que posterga o início do pagamento da dívida de 2025 para 2026 e alonga o prazo em 10 anos. O endividamento atual está perto de R$ 450 milhões. E a homologação depende da Justiça.

“Essa é uma maneira de ter prazos para conseguir as sinergias e a própria geração de caixa pagar a dívida, sem pesar na alavancagem da Mobly”, afirma Noda.

No último balanço publicado pela Mobly, referente ao primeiro trimestre deste ano, o gross merchandise volume (GMV), indicador utilizado para empresas digitais, foi de R$ 207 milhões. E a companhia continuava queimando caixa. Foram R$ 38 milhões no período. O prejuízo foi de R$ 21 milhões.

A sinergia potencial entre as empresas é projetada entre R$ 80 milhões e R$ 135 milhões por ano, em um prazo de cinco anos. O plano, desenhado com a Bain Company, vê potencial de ganhos com a corte de custos, seja pela verticalização ou otimização logística, benefícios com redução de taxas, principalmente na importação (a Mobly detém um escritório na China) e de cross-sell.

“As marcas continuarão rodando de forma independente. A Tok&Stok está na alta renda e a Mobly com a renda média e baixa”, afirma o CEO.

Embora a SPX tenha vendido sua participação total na Tok&Stok para se tornar sócio da Mobly, a família Dubrule mantém a sua participação na rede varejista fundada por ela.

A partir de agora, a família Dubrule terá duas opções: acionar o mecanismo de tag along e transformar a participação de 40% na Tok&Stok em ações da Mobly. Essa adesão daria aos Dubrule em torno de 5% da nova empresa, o que fará da Tok&Stok uma subsidiária integral da Mobly. Isso acarretará em aceitar todos os termos do acordo, a começar pelo lockup de dois anos das ações.

Caso não topem o acordo, a Mobly passa a exercer o mesmo papel de SPX-Carlyle como controlador da Tok&Stok e os Dubrule como minoritários. Victor Noda afirma que já conversou com a família Dubrule e tem total interesse da permanência do casal no negócio pela experiência que eles podem dividir, principalmente no varejo físico.

Uma relação desgastada pelo tempo

A relação conflituosa entre fundadores Régis e Ghislaine Dubrule e o Carlyle se tornou pública em 2017, quando o fundo de private equity decidiu unilateralmente tirar Ghislaine do comando da Tok&Stok e colocar um gestor profissional na rede varejista de móveis e decoração.

O primeiro a sentar na cadeira de CEO foi Luiz Fazio, um executivo com experiência de mais de três décadas no varejo, mas que tinha uma cultura totalmente diferente da família fundadora.

Os Dubrule entendem que o diferencial da Tok&Stok é a qualidade e as lojas físicas. Para eles, móveis e decoração não atraem o consumidor pelo digital. Já o Carlyle é favorável à digitalização da operação e ao constante corte de custos.

A visão passional de um sócio e a racional de outro criou um conflito. Por isso, nos últimos sete anos, a cadeira de comando da Tok&Stok ficou quente e a liderança foi mudada nove vezes - inclusive por Ghislaine em duas ocasiões.

Em meados de julho deste ano, Guilherme Santa Clara, que conhece operações varejistas (esteve à frente da Forever 21 no País) e turnaround assumiu como CEO. E Ghislaine, que tinha reassumido o negócio, oficialmente, há um ano, em agosto de 2023, foi novamente tirada da operação.

Em junho, Ghislaine falou com o NeoFeed e mostrou que a relação entre a família e o Carlyle estava novamente desgastada. Na entrevista, a fundadora disse que os sócios estavam “de saída”, mas ainda não tinham encontrado uma maneira de desinvestir na companhia.

“Realmente, eles precisam sair. Eles colocam isso para nós e temos de achar uma proposta que seja boa, em primeiro lugar, para a empresa, que é super importante, e em segundo lugar para os sócios”, disse ela. “Temos de definir esse caminho. E é isso o que estamos construindo.”

Ao que tudo indica, as semanas seguintes mostraram que - mais uma vez - os sócios não estavam alinhados no discurso. As palavras de Ghislaine ao NeoFeed incomodaram o Carlyle, que decidiu agir rapidamente para pôr um fim definitivo na sociedade que começou em 2012 quando o fundo de private equity pagou, na época, R$ 700 milhões por 60% da empresa.

O NeoFeed apurou que a maneira como a família Dubrule buscou “ganhar terreno” para tentar tornar o Carlyle minoritário e poder controlar a Tok&Stok foi, nas palavras de uma fonte, deselegante.

Em nenhum momento os Dubrule fizeram uma proposta ao Carlyle para adquirir a participação total, até porque o fundo não tinha interesse em ser minoritário, mas de sair por completo da operação.

Os Dubrule vinham fazendo pequenos movimentos. Pessoas próximas contaram ao NeoFeed que a família buscou uma maneira de levantar recursos, mas não conseguiu o montante suficiente para fazer a proposta ao Carlyle. Mas tinham de ter mais ações para conseguir dar as cartas novamente.

Por isso, a decisão foi comprar uma dívida de R$ 50 milhões no Itaú para se tornar credor da empresa (houve negociação para adquirir a dívida com outro grande banco, mas a família não concluiu) e propor uma nova capitalização de R$ 100 milhões - o que obrigaria o sócio a pôr “dinheiro novo” para não ser diluído, algo que estava descartado pelo Carlyle.

No desenho feito pelos Dubrule, a “volta ao controle” se daria com R$ 260 milhões: o aporte de R$ 100 milhões mais a conversão de ações da dívida do Itaú e de outros R$ 60 milhões que a família emprestou à Tok&Stok. Foi a gota d’água que transbordou o copo que sempre esteve cheio entre os sócios.

“Temos um curso para capitalizar um pouco mais a empresa, mas vamos seguir firme”, disse Ghislaine, em junho, ao NeoFeed.

No ano passado, para evitar um pedido de falência, Carlyle e Dubrule fizeram uma engenharia financeira, com um reperfilamento da dívida de R$ 650 milhões.

Além da reestruturação com os grandes bancos, cujo principal vencimento acontece em 2029, mas que precisa começar a ser pago em 2025, os sócios já haviam aportado R$ 100 milhões.

Conversas antigas

Fundada em 2011 por Victor Noda, Marcelo Marques e Mario Fernandes, a Mobly se apresentou como uma startup de móveis e decoração. Nativa digital, a empresa teve uma ascensão rápida e aproveitou a janela de IPOs para abrir o capital na bolsa de valores.

Em fevereiro de 2021, a companhia captou R$ 812 milhões, sendo R$ 778 milhões em sua oferta primária. A ação foi listada a R$ 21. De lá para cá, o papel da empresa desabou e chegou a ser negociado em R$ 1,80 em abril do ano passado. A queda acumulada é de 88,5%.

Neste ano, a ação MBLY3 engatou uma recuperação e acumula alta de 54,5%. O valor de mercado é de R$ 322,6 milhões.

“Temos conversado com vários investidores e ter uma empresa líder de mercado pode influenciar no mercado de capitais. Eles querem apostar em quem está na frente”, diz Marcelo Marques, CFO da Mobly, ao NeoFeed.

Em setembro do ano passado, as conversas com a Tok&Stok se tornaram públicas quando o veículo Pipeline trouxe a informação de que os termos da fusão entre Mobly e Tok&Stok estavam acertados. Na época, o sócio de uma boutique de investimentos disse ao NeoFeed que “não era uma questão de se, mas quando”.

A Mobly publicou fato relevante confirmando a informação. E o mercado entendia que o negócio entre as duas empresas era complementar, seja pela união de uma empresa física com outra nativa digital, seja pelo perfil de cliente A e B de uma com o C de outra.

Mas a família Dubrule se “arrepiava” com essa possibilidade e era contra uma fusão com Mobly ou Westwing. Para os fundadores, a Tok&Stok era única no setor e agregava mais valor do que as outras marcas. E a rede fundada por eles ficaria em desvantagem na mesa de negociação pela fragilidade financeira.

Além disso, os Dubrule entendiam que enquanto a Tok&Stok era uma empresa de coleções exclusivas e móveis e decorações aspiracionais para o consumidor, as concorrentes apostavam nos “catálogos prontos importados da China”. Como será daqui para frente?