Depois de três anos concentrados em teses de inteligência artificial nos Estados Unidos, investidores voltam os olhos para a China em busca de companhias com potencial de disputar espaço nessa corrida tecnológica.

As apostas têm sido elevadas, com muitos investidores recorrendo à alavancagem. Na terça-feira, 2 de setembro, o volume de ações adquiridas por meio de empréstimos atingiu um novo recorde na China continental, chegando a 2,28 trilhões de yuans (US$ 319,2 bilhões), segundo dados da China Securities Finance e da Bloomberg.

O elevado nível de confiança reflete o bom momento do mercado chinês: o Hang Seng, principal índice de Hong Kong, acumula alta de 26% no ano - bem acima dos 8% do índice Nasdaq. Entre os investidores brasileiros que aproveitaram esse rali e alocaram parte do portfólio na região estão ao menos três casas de renome no mercado local: SPX, Kapitalo e Legacy.

“A China ainda está com endividamento alto e um menor potencial de crescimento. Mas o setor privado, principalmente na parte de tecnologia, está com uma cara muito boa. Por isso, gostamos do mercado de ações chinês”, disse Bruno Cordeiro, gestor e sócio da Kapitalo, durante sua participação no Warren Day.

Assim como as gestoras, grandes bancos internacionais têm demonstrado maior otimismo. Em relatório recente, o UBS destacou que, embora mantenha cautela em relação ao cenário econômico, vê de forma positiva o setor de tecnologia da China, para o qual projeta crescimento de lucro entre 25% e 30% neste ano. O desempenho, segundo os analistas, deve ser puxado pela inovação em IA, nuvem e pelo afrouxamento de restrições a chips.

Um dos exemplos desse movimento é o Alibaba. No último trimestre, a empresa aumentou em 26% a receita de serviços em nuvem, impulsionada pela demanda por inteligência artificial. Ela registrou, pelo oitavo mês consecutivo, crescimento de três dígitos em produtos ligados à IA.

Segundo o Wall Street Journal, o grupo Alibaba ainda estaria desenvolvendo um chip próprio para atender a essa frente tecnológica, o que deu novo fôlego às ações, que subiram 18,5% no início da semana e acumulam alta de 52% no ano. A companhia está no grupo intitulado pelo Goldman Sachs como "10 Proeminentes", que seriam uma espécie de "7 Magníficas" da China, ao lado de Tencent, BYD, Xiaomi e outras seis empresas.

Os avanços na produção de semicondutores têm avançado significativamente nos últimos anos, em estratégia para reduzir a dependência de fornecedores estrangeiros como a Nvidia. Desde 2022, quando o governo americano impediu a venda de chips mais avançados ao país, a fatia de mercado da empresa caiu de 95% para 50%, com competidores internos ganhando espaço. A estimativa da Bernstein é de que os chips locais se tornem maioria já no próximo ano.

Entre os destaques está a Cambricon, que se consolidou como principal alternativa doméstica à Nvidia. A companhia encerrou o primeiro semestre de 2025 com salto de 4.000% na receita, alcançando 2,88 bilhões de yuans (US$ 402,7 milhões). O lucro líquido atingiu um recorde de 1,04 bilhão de yuans no período. Na bolsa, as ações sobem 157% no ano.

Na frente de fabricação, a chinesa SMIC é vista como alternativa local à taiwanesa TSMC, fornecedora de gigantes ocidentais como Nvidia e AMD. A empresa encerrou o último trimestre com alta de 70% no lucro, para US$ 449 milhões. Suas ações acumulam valorização de 60% no ano.

Apesar das fortes altas registradas por companhias ligadas a hardware e fabricação de chips na esteira da inteligência artificial, o J.P. Morgan avalia que, daqui para frente, as melhores oportunidades no mercado chinês estarão no campo do soft tech — empresas de software e serviços digitais capazes de capturar mais diretamente os ganhos da adoção de IA generativa.

Um dos pontos de virada na forma como o mercado ocidental passou a enxergar o desenvolvimento da inteligência artificial na China foi justamente o avanço em software, marcado pelo lançamento do DeepSeek em fevereiro. O modelo de linguagem surpreendeu ao se mostrar competitivo em relação aos pares americanos, mesmo com menor volume de recursos e infraestrutura.

Além da disputa com as big techs americanas, o DeepSeek também enfrenta concorrência interna. Entre os modelos mais promissores está o Qwen, desenvolvido pelo Alibaba, que, segundo a empresa, tem superado o DeepSeek em suas versões mais recentes e até rivais ocidentais em diferentes benchmarks. Outro destaque é o Ernie, da Baidu, apontado pela companhia como comparável — e em alguns casos superior — ao DeepSeek em desempenho, com a vantagem de custos mais baixos.

Menos conhecida do grande público, outra candidata chinesa na corrida da inteligência artificial é a MiniMax, que desenvolve modelos generativos capazes de criar e interpretar texto, áudio, imagens, música e vídeo. Fundada em dezembro de 2021 por veteranos da SenseTime, a startup alcançou em 2024 valuation de US$ 2,5 bilhões em rodada de US$ 600 milhões liderada pelo Alibaba. Agora, a empresa busca valuation acima de US$ 4 bilhões em IPO em Hong Kong.

A MiniMax integra a lista de companhias chinesas de inteligência artificial prestes a abrir capital. Ao lado dela estão a Zhipu, de modelos de linguagem, e fabricantes de chips voltados à IA, como Biren, Moore Threads, MetaX e Horizon Robotics.