Nas últimas semanas, fui impactado por artigos e especialmente por conversas com executivos C-Level meio perdidos em relação ao seu papel nesse novo mercado de trabalho que está surgindo.

Parece que o primeiro passo para entender a transformação digital já aconteceu. Está claro para a maioria que ela chegou impactando mercados e indústrias, trazendo o uso de tecnologias exponenciais, o surgimento de novos concorrentes e até a adequação da estrutura corporativa a um mundo menos hierárquico, mais complexo e ágil.

Tudo isso atinge diretamente as funções e preocupações dos líderes seniores. Mas me parece que passamos para uma nova fase. As conversas passaram de "como eu me preparo" para "qual é o meu papel nesse novo mundo".

Mesmo em empresas que já iniciaram seu processo de adaptação ao novo mundo digital, a vida não está muito fácil para o C-Level. Enquanto os squads estão funcionando bem, com total autonomia – inclusive para investimento, contato direto com CEO etc – muitos executivos seniores têm tido dificuldade de se encaixar nessa nova lógica organizacional.

Essa dificuldade em entender e assumir um novo modelo de gestão não é novidade no mundo corporativo - sobretudo em momentos de mudança. Da publicação do clássico “Princípios da Administração Científica (1911)” aos livros de maior impacto de Willian Demming, foram mais de 40 anos para as empresas (e executivos) se adaptarem à Revolução Industrial. E isso em um momento em que o mundo mudava em uma velocidade muito mais lenta, o que permitia o aprendizado ao longo do tempo. Hoje, não temos mais esse "luxo".

Tudo isso me lembra a famosa frase de Stephen Elo, CEO da Nokia, dita ao final da reunião que anunciou a venda da empresa para a Microsoft por pouco mais de 6% do valor de mercado de menos de uma década antes.

“Não fizemos nada de errado, mas de alguma maneira, perdemos.”

Com isso, quero dizer que a tal mudança não só chegou, como agora está alterando a expectativa de vida de empresas e executivos. Nesse contexto, "entender o papel no mundo" passa a ser algo mais relevante do que "como me preparo". Afinal, me preparar para fazer o quê?

Aprendizagem escalável

John Hagel, do Center for the Edge, da Deloitte e faculty da Singularity University aponta que o maior impacto está na forma como as empresas foram e são estruturadas: o objetivo principal está baseado em princípios clássicos dos autores e executivos dos anos 60. Com isso, o foco é criar eficiência escalável. Pensar em processos e políticas que gerem o maior resultado possível, gerando valores para acionistas.

Embora esteja claro que esse modelo está dando sinais de esgotamento, ainda não surgiu um guia definitivo em como agir em um mundo em transformação. E talvez nem vá surgir.

A sugestão de Hagel é estruturar empresas com base sua capacidade de gerar aprendizagem escalável, possibilitando não só a capacidade de adaptação constante, mas gerando uma grande força de atração de talentos de todas as idades. Afinal, o principal motivo para alguém deixar uma empresa – de acordo com uma pesquisa da Bersin – é não se sentir aprendendo ou crescendo.

Acredito que a sugestão de mudança de foco para as empresas vale para o corpo executivo da empresa. Talvez seja a hora de redistribuirmos nossos esforços pessoais e investirmos tempo e recursos aprendendo de maneira escalável.

Os grandes inimigos desse papel são o ego e, principalmente, a falta de um olhar curioso, que é substituído por uma abordagem com julgamento e medo. Gosto de lembrar que a definição de coragem não é deixar de ter medo, mas sim agir apesar dele.

Por isso um grande convite é assumir um papel diferente. Olhar o mundo com uma lente de um antropólogo, que tenta entender esse novo mundo da maneira mais apreciativa e curiosa possível.

Está se sentindo com um pouco mais de tempo livre? Vá dar uma volta na empresa ou no concorrente, marque cafés sem focos específicos, leia novos livros e veja vídeos no horário de trabalho, dando exemplo para todo o seu time da importância da aprendizagem escalável no ambiente em que vivemos.

E não desconfie nunca em como sua experiência pode jogar a seu favor o tempo todo. Fazer reskiling e upskilling funciona ainda mais quando nosso conhecimento passado ajuda nessa reestruturação de visão.

Se não fosse assim, a idade média de um founder de uma startup de sucesso não seria 45 anos, de acordo com pesquisa do MIT.

Uma das maiores transformações em curso aconteceu na Microsoft, uma empresa digital desde sempre, mas que correu grande risco ao passar e se preocupar demais com a eficiência escalável. Por isso, termino esse texto com uma citação de Satya Nadella, CEO responsável por recolocar cada vez mais a empresa em um caminho de sucesso e impacto.

“Na Microsoft, aspiramos a ter uma cultura viva e de aprendizagem com uma mentalidade de crescimento que nos permita aprender conosco e com nossos clientes. Esses são os atributos-chave da nova cultura da Microsoft, e eu me sinto ótimo sobre como isso parece estar ressoando e como é visto como fortalecedor.”

*Conrado Schlochauer é Embaixador do Chapter São Paulo da Singularity University. Fundador da Teya, rede de iniciativas inovadoras em aprendizagem, e foi um dos fundadores da Affero Lab, empresa de aprendizagem corporativa do Brasil. É um dos maiores especialistas em longlife learning do Brasil. Fez a curadoria e a revisão técnica de livros da coleção LabSSJ, incluindo o clássico ”The Adult Learner”, de Malcom Knowles e ”The Six Disciplines”.