Um investimento de US$ 400 milhões do fundo soberano da Arábia Saudita, no fim de 2019. Essa é, de fato, a única informação oficial sobre a CloudKitchens, empresa americana comandada por Travis Kalanick, cofundador e ex-CEO da Uber.
Na contramão de sua saída conturbada do aplicativo de transportes, em 2017, Kalanick escolheu o caminho da discrição para tocar a nova companhia, que investe em dark kitchens, como são chamadas as estruturas que reúnem diversas cozinhas voltadas exclusivamente ao delivery.
É certo, porém, que a CloudKitchens está em franca – e silenciosa – expansão. Com o aporte, a empresa abriu cozinhas nos Estados Unidos e passou a mapear outros países. Conforme antecipou o NeoFeed, o Brasil entrou nesse radar no fim de 2019. E agora, faz parte, definitivamente, do mapa da startup.
A empresa adotou a marca Kitchen Central para atuar no País, conforme apurou o NeoFeed. Instalada em uma área de mil metros quadrados no bairro da Lapa, zona oeste de São Paulo, a primeira estrutura local da companhia reúne cerca de 30 cozinhas e entrou em operação no início de junho.
Já pronta, a próxima unidade a ser inaugurada, também em São Paulo, está localizada no bairro da Mooca. A capital paulista tem projetos em andamento na região central e nos bairros do Brooklin, Santo Amaro e Morumbi, além de uma estrutura em São Bernardo do Campo, no ABC. O plano de expansão também inclui operações no Rio de Janeiro (RJ) e em Belo Horizonte (MG).
Conhecido no mercado brasileiro por ter sido diretor do Groupon Brasil e CEO global da Easy Taxi, o venezuelano Jorge Pilo está à frente dos negócios da Kitchen Central. Procurado pelo NeoFeed, ele não retornou aos pedidos de entrevista.
A operação também tem a participação de Daniel Botelho Mandil, profissional que teve uma passagem de quase quatro anos pelo escritório brasileiro da Uber, sendo, o último deles, dedicado à expansão local do aplicativo de delivery Uber Eats.
Os dois figuram como administradores da Cozinhas do Futuro Administração de Imóveis Ltda, empresa registrada na Junta Comercial de São Paulo no fim de abril de 2019. O período coincide com as saídas de Pilo, da Easy Taxi, e de Mandil, da Uber.
A Cozinhas do Futuro tem como única acionista a CSS INTL HOLDCO, companhia com sede no número 251 da Little Falls Drive, em Wilmington, cidade do estado americano de Delaware. O endereço abriga uma operação da City Storage Systems.
Responsável pela CloudKitchens, o grupo em questão é controlado, desde 2018, por Kalanick. Na época, o empresário comprou uma participação minoritária na City Storage Systems, ao desembolsar US$ 150 milhões.
A Cozinhas do Futuro, por sua vez, é a única sócia de, ao menos, outras onze empresas registradas na cidade de São Paulo. Entre elas, figura a aquisição, em dezembro, da Hubster, companhia dona de uma plataforma de gestão de operações de delivery.
A CloudKitchens recebeu um aporte de US$ 400 milhões do fundo soberano da Arábia Saudita, no fim de 2019
O pacote também inclui uma empresa cuja sede foi transferida, em setembro, para Belo Horizonte, e que passou a ser denominada Belo Horizonte Tancredo Neves 4120 Participações LTDA.
Um pouco antes, em 27 de agosto, a Cozinhas do Futuro teve seu capital ampliado de R$ 20 milhões para R$ 150 milhões. Seu objeto, porém, segue o mesmo: aluguel de imóveis próprios; consultoria em TI; holdings de instituições não-financeiras e gestão de administração de propriedade imobiliária.
“As dark kitchens são um negócio imobiliário que transita e se funde com gastronomia”, diz uma fonte do setor. “Não é só imobiliário e nem é só gastronomia. Um precisa do outro para sobreviver.”
Kalanick, ao que tudo indica, já entendeu um dos elementos dessa equação. Segundo uma reportagem recente do The Wall Street Journal, o ex-CEO da Uber vem construindo, sem alarde, um “mini império imobiliário” nos últimos dois anos nos Estados Unidos.
De acordo com o jornal americano, entidades ligadas à CloudKitchens já compraram mais de 40 imóveis em quase duas dezenas de cidades no país, por uma bagatela de mais de US$ 130 milhões. O mapa inclui cidades como Nova York, Miami, Portland, Las Vegas, Columbus e Nashville.
A abordagem contrasta com o modelo de negócio adotado comumente no setor, no qual as empresas raramente compram imóveis. Em alguns casos, segundo corretores ouvidos pelo The Wall Street Journal, a startup conseguiu comprar prédios abaixo do valor de mercado, por conta da pandemia.
Muita sede ao pote
Se, de um lado, a CloudKitchens está construindo sua operação silenciosamente nos Estados Unidos e também no Brasil, por outro, a empresa chegou ao País fazendo barulho. Literalmente. Desde que entrou em operação, os ruídos do gerador, dos sistemas e das coifas da unidade da Lapa têm sido alvo de reclamações da vizinhança. E foram tema de uma reunião de Pilo na subprefeitura do bairro, há duas semanas.
“A empresa teve problemas técnicos, de estruturação e alguns fatores do projeto foram mal dimensionados, como o número de cozinhas no local”, diz uma fonte do setor. “Eles chegaram com muita sede ao pote, mas estão aprendendo e baixando a régua nos outros projetos que estão tocando.”
Além das cozinhas com tamanhos a partir de 14 metros quadrados que são operadas por restaurantes clientes, o pacote da Kitchen Central inclui serviços como limpeza, segurança, controle de acesso e conexão com aplicativos de delivery e consultorias sobre operações desse porte.
A empresa não é, porém, a única a mostrar apetite por esse formato no País. No fim do ano passado, por exemplo, a Rappi anunciou o plano de encerrar 2020 com até 600 dark kitchens na América Latina, com boa participação da operação brasileira nesse universo.
No fim do ano passado, a Rappi anunciou o plano de encerrar 2020 com até 600 dark kitchens na América Latina
Uma das parceiras locais da companhia nessa área é a mineira Smart Kitchens. Fundada em 2018, a companhia tem dois hubs em Belo Horizonte e outras duas estruturas distribuídas nos bairros do Itaim e de Pinheiros, em São Paulo, além de uma em Campinas, no interior do estado. Em Pinheiros, também está instalada a Hub FoodService, uma das pioneiras desse mercado no País.
Fundada no fim de 2019 e com um aporte de US$ 9 milhões liderado pelo Monashees, a Mimic é mais uma a apostar nessa vertente. Com quatro hubs em São Paulo, a startup tem uma equipe própria que responde pela operação, de ponta a ponta, do delivery de restaurantes, por meio de licenciamento.
Outra empresa que está engrossando a competição no setor é a colombiana Muy. A companhia desembarcou no Brasil há uma semana, com uma dark kitchen em São Paulo e a projeção de abrir cerca de mil unidades no País até 2025.
“Esse modelo vai ter um crescimento exponencial nos próximos dez anos”, afirma uma fonte do setor, que ressalta o fato de muitos investidores, inclusive empresários do setor, estarem olhando para esse formato. “Para o restaurante, o custo é menor e para o investidor, o retorno é rápido e elevado.”
Em 2019, o mercado de dark kitchens movimentou US$ 43,1 bilhões, segundo a consultoria Allied Market Research. A companhia prevê que o setor gere uma receita de US$ 71,4 bilhões em 2027.
Para Cristina Souza, CEO da consultoria Gouvêa Food Services, a pandemia acelerou essa tendência. “Os próprios restaurantes se tornaram dark kitchens na quarentena”, diz. Ela ressalta que fatores como a queda no custo do mão de obra e de ocupação seguirão impulsionado a adoção desse modelo.
Cristina chama atenção, porém, para o papel a ser desempenhado pelas empresas de dark kitchens. “Não basta fornecer a infraestrutura. Elas têm que ajudar os restaurantes a reduzirem todos os entraves do delivery, caso contrário, terão grandes cozinhas sucateadas.”
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