O lançamento do iPhone, em 2007, inaugurou a era da mobilidade e abriu a porta para o surgimento de uma nova geração de startups. Do Uber ao Airbnb, passando por 99 e iFood, várias empresas foram criadas com base em uma interface na tela de um smartphone e o mantra “mobile first”.
Agora, a união da IA conversacional, como o chatGPT, em conjunto com o WhatsApp (em especial no Brasil), está ajudando no nascimento da mais nova safra de startups que podem se tornar bilionárias sob o lema de “WhatsApp first, IA made”.
“A IA conversacional está engolindo os apps, assim como os apps engoliram os sites”, afirma Guilherme Horn, head do WhatsApp no Brasil, Índia e Indonésia, ao NeoFeed. “Essa mudança marca o início da terceira onda de transformação digital: do site, ao app e, agora, ao agente de IA.”
O WhatsApp já detectou essa tendência, tanto que estuda a criação de um hub com startups que usam IA como parte central de sua proposta e que utilizam a API do aplicativo de mensagens da Meta como principal plataforma de negócios. A ideia é começar pelo Brasil, mas não está descartada a expansão para outras regiões, se der certo por aqui.
A proposta do WhatsApp tem chance de prosperar. Não faltam exemplos de startups que se encaixam no critério definido por Horn. E diversos setores podem se beneficiar dessa combinação tecnológica, como varejo e e-commerce; fintechs e bancos digitais; saúde; educação; e atendimento ao cliente.
“Essa é uma das combinações mais potentes dos últimos tempos. Os LLMs são uma interface que mudou o jeito que a gente se comunica com os computadores”, diz Luiz Guilherme Manzano, sócio e fundador da gestora de venture capital Big Bets. “E o WhatsApp é ubíquo. Ele está no bolso de qualquer brasileiro.”
Nas últimas semanas, o NeoFeed conversou com cinco startups que estão em estágio inicial. São elas a Lastro, que atua no setor imobiliário; o Jota e a Magie, que levam um “banco” para o WhatsApp, entre outras funções financeiras; e Storm e BeConfident, que ensinam inglês através do aplicativo de mensagens da Meta.
Em comum: essas startups usam a IA conversacional como o motor da operação e o WhatsApp como interface, por conta de sua onipresença no mercado brasileiro. Uma rápida conversa com os fundadores dessas startups mostra a importância da ferramenta para seus negócios.
“O WhatsApp é um novo telefone. É um novo site. E um novo app. É as três coisas juntas”, diz Allan Paladino, fundador da Lastro. “O WhatsApp é o sistema operacional do brasileiro”, acrescenta Luiz Ramalho, cofundador e CEO da Magie. “Aproximadamente 99% dos brasileiros usam WhatsApp e 95% não falam inglês. É a plataforma perfeita para dar acesso e ensinar inglês”, diz Marcos Almirante, fundador da Storm.
Mas não é só o WhatsApp que é quase ubíquo no Brasil. A IA também caiu no gosto do brasileiro. “O Brasil é o 4º maior adotante do ChatGPT e o 5º maior quando se considera que a China utiliza plataformas locais. O alto uso da ferramenta no Brasil não é impulsionado apenas pelo tamanho da população, mas também por um uso per capita comparável ao dos Estados Unidos”, informa um relatório da gestora de venture capital Volpe Capital, que o NeoFeed teve acesso com exclusividade.
O Brasil é o 4º maior adotante do ChatGPT do mundo, informa relatório da Volpe Capital
Observe o exemplo do Jota, startup fundada por Davi Holanda, um empreendedor que ajudou na criação da PagSeguro, hoje rebatizado de PagBank. “A minha tese é a seguinte: um áudio de distância de realizar qualquer atividade”, afirma Holanda, fundador da startup, cujo nome foi inspirado na palavra PJ (PeJota).
A Jota, que recebeu uma rodada seed de US$ 8,9 milhões liderada pela Maya Capital e foi seguida por HOF Capital, BigBets, Alter Global, Bogari Capital e Norte Ventures, quer resolver tudo pelo WhatsApp, desde informações sobre pagamentos de funcionários e fornecedores até lembretes de pagamentos. “Ela pode ser o seu CFO ou até mesmo a sua secretária”, afirma Holanda.
No caso da Magie, que captou R$ 28 milhões com os fundos Lux Capital e Canary, o objetivo é ser um assistente financeiro com IA, que permite fazer Pix, pagar boletos, consultar saldos de qualquer conta em razão do Open Finance.
Em comum, nos dois casos, é a premissa de ser um banco pelo WhatsApp através de agentes de IA e de áudio. Não custa lembrar os primeiros bancos digitais, como o Nubank, basearam suas estratégias em aplicativos de smartphones – algo que nos “distantes” anos de 2010 parecia soar como loucura.
Assim como os bancos podem mudar, o atendimento ao cliente deve passar por uma grande transformação. E não se trata de conversar com bots, algo que pode parecer chato e enfadonho.
No caso da Lastro, a IA se transformou no primeiro filtro das mais de 800 imobiliárias e incorporadoras que passaram a assinar a ferramenta da startup, batizada de Laís, que responde perguntas sobre os imóveis, o bairro em que está localizado e até tira dúvidas sobre seguro caução, entre outras atividades. “Já são mais de 2 milhões de pessoas que interagiram com a Laís”, afirma Paladino.
Mas há riscos nessa estratégia, apesar da combinação de IA e WhatsApp ser poderosa. A principal delas é que o aplicativo de mensagens pertence à Meta, de Mark Zuckerberg.
“Uma coisa que os empreendedores têm de ponderar é que é um canal que tem dono e que pode mudar de direção. É preciso ter uma estratégia para ir além do WhatsApp”, diz Manzano, do Big Bets.
A brasileira BeConfident sabe disso. Hoje, 90% dos alunos da startup, que tem mais de 1 milhão de clientes, dos quais 80 mil são pagantes, usam o WhatsApp. “É a nossa principal plataforma”, diz Robson Amorim, que é cofundador e CEO da companhia.
Mas o WhatsApp não é a única forma de distribuição. A estratégia da companhia, que ensina inglês, é ser multiplataforma. “Estamos no app, no browser, no Apple Watch e na televisão. As pessoas dividem o tempo em várias plataformas. E aprender um novo idioma é uma prática viva”, afirma Amorim.
De acordo com o CEO da BeConfident, o WhatsApp é a plataforma mais forte da América Latina. Mas a startup quer ser global e vê algumas limitações na ferramenta da Meta. Tanto que desenvolveu um aplicativo que permite a interação com “professores” virtuais bem reais, que conversam com o aluno, algo que não conseguiria com o WhatsApp.
Não são apenas startups que estão se aproveitando dessa nova onda da tecnologia. As empresas estão também se adaptando. O Magazine Luiza, por exemplo, está desenvolvendo o cérebro da Lu, que vai mudar a forma como as pessoas fazem compras online. O Itaú criou um agente de investimento. E, em breve, até companhias aéreas vão vender voos sem que o consumidor faça pesquisas no site.
Se o futuro da tecnologia é conversacional, o brasileiro já está digitando — ou mandando aquele famoso áudio de “zap”.