O empreendedorismo está na moda. Ou melhor: na tevê. Os reality shows começaram apostando no comportamento humano, com o Big Brother, e migraram para todas as áreas: da música a comida, da luta a aventura, das reformas a compra de imóveis.
A febre atual é mostrar a jornada do empreendedor para construir seu negócio e para conseguir capital para alavancar sua empresa.
O pioneiro no Brasil foi o Shark Tank, que está concluindo a sua quarta temporada no canal Sony Channel. Desde setembro, a Bandeirantes aposta no Planeta Startup.
O próximo a se juntar ao grupo é o “O Anjo Investidor”, com João Kepler, sócio do fundo Bossa Nova Investimentos, que passará na Rede TV! e na Jovem Pan, a partir de 23 de outubro.
Cada programa tem sua própria fórmula para atrair o interesse da audiência. O Shark Tank Brasil, por exemplo, aposta em pitches rápidos dos empreendedores para um grupo de investidores, como Cristiana Arcangeli, João Appolinário, Camila Farani, José Carlos Semenzato e Caito Maia.
O Planeta Startups é um show que mescla um pitch de elevador com mentorias para preparar as startups para enfrentar um júri composto por Amure Pinho, Dani Arrud e Tallis Gomes. No final da temporada, só uma delas vai levar o prêmio de R$ 2 milhões.
O Anjo Investidor, por sua vez, não terá pitches, mas contará com mentorias de Thiago Nigro, José Roberto Marques, Alfredo Soares, Matheus Góis, Janguiê Diniz, Sandro Magaldi, entre outros.
No final de cada episódio, o “anjo” Kepler vai decidir se investirá ou não na startup. Um fundo de R$ 5 milhões foi criado para fazer os aportes. “Eu conheço a empresa no dia da gravação”, diz Kepler. “Só invisto se fizer sentido.”
Serão 13 episódios de 30 minutos cada. Em cada um deles, uma startup tentará convencer Kepler que merece os recursos. “Sobrou dinheiro para a segunda temporada”, brinca Kepler, confirmando que nem todas receberam a benção do anjo investidor.
Os cheques variaram entre R$ 100 mil e R$ 500 mil. E muitas vezes Kepler fez exigências para aportar recursos, como pedir a contratação de um profissional financeiro ou de marketing para a operação da empresa investida.
Nação empreendedora
“O que estamos observando é uma ascensão da atividade empreendedora”, afirma André Miceli, coordenador do MBA de marketing e negócios digitais da Fundação Getulio Vargas (FGV). “À medida que a tecnologia foi avançando, a ação empreendedora foi ficando mais barata e, portanto, acontecendo com maior frequência.”
Os dados comprovam essa tese de Miceli. Havia 52 milhões de empreendedores no Brasil em 2018, de acordo com a pesquisa GEM (Global Entrepreneurship Monitor), o segundo melhor desempenho para a taxa de empreendedorismo brasileira desde 2002, quando o índice começou a ser medido.
No ano passado, dois em cada cinco brasileiros entre 18 e 64 anos estavam à frente de uma atividade empresarial ou tinham planos de ter um negócio. A pesquisa mostra que a taxa total de empreendedorismo, que reúne novos empreendedores e donos de negócios já estabelecidos, chegou a 38%.
“O sonho do negócio próprio sempre foi muito próximo dos brasileiros”, afirma Jefferson Pugsley, vice-presidente de distribuição e rede da Sony Pictures Television no Brasil, dona da franquia Shark Tank. “Além disso, por conta da situação econômica do Brasil nos últimos anos, estamos sempre buscando fontes de inspiração e educação para lidar com períodos de crise como esse.”
Desde 2016, o Shark Tank Brasil tem apresentado audiência crescente na tevê brasileira. As três primeiras temporadas impactaram 11 milhões de pessoas, segundo dados do Kantar Ibope Media. É uma das maiores audiências do Sony Channel e a maior entre as produções brasileiras do canal.
A quarta temporada, que termina nesta sexta-feira, 18 de outubro, às 22 horas, teve o primeiro episódio gravado com plateia de toda a franquia, que tem versões em mais de 35 países. “A Sony chegou aqui com esse formato que é um sucesso no mundo inteiro e ele é uma das grandes audiências da tevê paga”, afirma João Appolinário, fundador da Polishop, que participa do reality desde a primeira temporada.
Nestes quatro anos, Appolinário já investiu em 16 empresas, sendo que duas delas já fecharam. Foram tantos aportes que o empresário criou uma estrutura para dar suporte às empresas nas quais investe. “Damos todo apoio, desde o financeiro até as mentorias”, afirma o empresário.
Um dos casos de maior sucesso é o de Marcella Dias, que entrou no programa para conseguir R$ 600 mil em troca de uma fatia de 30% para expandir o seu salão de beleza. Appolinário gostou do projeto e investiu R$ 1 milhão por uma participação de 40%.
Hoje, o Mega Estúdio tem oito lojas na cidade de São Paulo e deve ganhar mais duas até o fim deste ano. Em 2020, o plano de Appolinário é desenvolver o modelo de franquias para expandir o negócio pelo País, cujo estratégia é oferecer um serviço de qualidade a preços acessíveis.
“Ele colocou toda a equipe dele para nos ajudar”, diz Marcella, que também está desenvolvendo os produtos de beleza Be Emotion, da Polishop.
Educação
Todos os programas se propõem a educar um grande público sobre o empreendedorismo, mostrando de forma didática os principais erros e acertos de empreender.
“Vamos mostrar conceitos e a jornada do empreendedor pela primeira vez em tevê aberta para o grande público”, diz Fernando Seabra, que atua como mentor no programa Planeta Startup – ele é também diretor da Fiesp, a Federação das Indústrias de São Paulo. “É um poder educacional imenso.”
Appolinário concorda sobre o poder educacional dos programas sobre empreendedorismo. “Todo mundo me pergunta porque eu resolvi aparecer em um negócio que não era meu”, diz ele. “Um dos pontos foi levar aquilo que tive na minha casa, pois meu pai era empreendedor, para outras pessoas.”
Kepler, do Anjo Investidor, vai na mesma linha. “Eu quero democratizar o acesso ao capital”, afirma o investidor. “E, ao mesmo tempo, que os empreendedores errem menos.”
Mas, em última análise, os reality shows de empreendedorismo são programas que visam ao divertimento. “É um programa de alto valor de entretenimento, com emoção, drama, diversão e que pode ser visto por qualquer pessoa, já que negociações fazem parte da rotina de qualquer um”, afirma Pugsley, da Sony Pictures, referindo-se ao Shark Tank.
Mas nem sempre essas posições são consensos. Há críticas aos reality shows de empreendedorismo tanto pela glamourização do empreendedorismo, como também pela forma estereotipada na qual o investidor é apresentado, retratado muitas vezes como voraz e feroz.
Outro ponto sensível é o nível dos empreendedores que participam dos programas e a qualidade dos projetos apresentados. Será que surgirá algum unicórnio, como são chamadas as empresas que valem mais de US$ 1 bilhão, nesses reality shows?
Preste atenção no que disse um gestor de um grande fundo de venture capital ao NeoFeed. “Respeito qualquer iniciativa para melhorar o ecossistema de empreendedorismo”, afirmou ele, que preferiu não se identificar. “Mas passo longe desses programas. Estamos à procura do superempreendedor e ele não estará nesses reality shows.”
Alguém se lembra de um cantor de extrema popularidade que saiu do programa The Voice? Ou de algum cozinheiro que ganhou fama longeva por participar de algum dos vários shows de culinária?
É óbvio que existem exceções, que apenas confirmam a regra, como a atriz Grazi Massafera ou a apresentadora Sabrina Sato, que surgiram no Big Brother Brasil e resistiram muito mais do que os 15 minutos de fama da imensa maioria dos participantes.
“Pode haver preconceito com essas empresas que participam desses programas”, diz Miceli, da FGV. “Mas ninguém vai fechar os olhos para boas ideias. E as grandes ideias sempre vão florescer.” Mesmo que surjam num reality show de empreendedorismo.