Paulo Veras já tinha uma boa estrada no empreendedorismo quando fundou, em 2012, a 99, ao lado de Ariel Lambrecht e Renato Freitas. Entre os seis negócios que acumulava na bagagem até então, o aplicativo de transporte foi o que chegou mais longe.

Em janeiro de 2018, um cheque de R$ 1 bilhão da chinesa Didi Chuxing fez da startup o primeiro unicórnio do País. Desde então, Veras deu vazão a outra faceta: a de investidor-anjo, aliando a conta bancária mais recheada com a bagagem de mais de 20 anos nesse ecossistema.

“Eu ainda me encaro muito mais como empreendedor do que como investidor”, afirma Veras, 47 anos, em entrevista ao NeoFeed. “Mas em vez de estar empreendendo em uma só frente, em tempo integral, eu estou em vários times, atacando problemas diferentes.”

O mais novo problema no seu radar é a busca por alternativas mais saudáveis à proteína animal na indústria de alimentação. Ele acaba de investir na The New Butchers, foodtech que produz filé de frango e hambúrgueres feitos à base de proteína de ervilha.

Esse é o primeiro investimento da startup, fundada em 2019. O valor do aporte de Veras não foi revelado. Com a sua entrada, a ideia é atrair outros investidores, encorpar a operação e, até o fim do ano, captar uma rodada de maior fôlego.

Dois fatores chamaram a atenção de Veras na foodtech. O primeiro é o potencial do setor. Segundo o banco suíço UBS, o mercado global de proteínas à base de plantas vai crescer 28% ao ano até 2030. Nesse intervalo, a receita do segmento sairá de US$ 4,6 bilhões, de 2018, para US$ 85 bilhões.

Não menos importante, o segundo elemento foi Bruno Fonseca, cofundador e CEO da The New Butchers. “Eu brinco que no mundo das startups há mercenários e missionários. Esses últimos criam negócios com visão de transformação do mundo”, diz Veras. “O Bruno está nessa categoria.”

Fonseca, por sua vez, revela que a foodtech teve outras propostas na mão. Mas ressalta que, mesmo com um cheque menor, optou pelo componente estratégico que Veras poderia trazer para a operação.

Na largada da parceria, a The New Butchers já está ampliando a capacidade de produção mensal de sua fábrica, em São Paulo, de dez para cem toneladas. O aporte também terá como destino aumentar o time atual de 20 para 35 profissionais, em particular, na área comercial.

“Eu ainda me encaro muito mais como empreendedor do que como investidor”, diz Veras

Outra prioridade é colocar os produtos da startup em mais gôndolas. Hoje, a foodtech está em 2 mil pontos, em 16 estados, o que inclui lojas de redes como Grupo Pão de Açúcar, St. Marchê, Oba, Mambo e Angeloni. “O plano é chegar a 10 mil pontos até o fim de 2020”, diz Fonseca.

O empreendedor também destaca mais um ponto com a chegada de Veras. “Nosso conceito vem muito da área de tecnologia, de tornar nosso próprio produto obsoleto e cada vez mais limpo e saudável”, afirma Fonseca. Nessa direção, a empresa programa para as próximas semanas a estreia na categoria de peixes.

Assim como o portfólio da startup, o leque de foodtechs é cada vez mais amplo. Um dos casos de maior alcance é o da americana Beyond Meat, que abriu capital em maio de 2019, e começou a comercializar nesse mês seus produtos no Brasil. Desde então, seu valor de mercado saiu de US$ 1,5 bilhão para os atuais US$ 7,7 bilhões.

Esse menu mais saudável também desperta cada vez mais grandes nomes do setor, como Nestlé e Tyson Foods. “Além de inovarem e se moverem mais rapidamente, as startups têm um posicionamento mais legítimo”, diz Veras, que não vê essas gigantes como ameaça. Ao contrário. Ele entende que elas ajudam a promover a categoria.

Bruno Fonseca, cofundador e CEO da The New Butchers

Nesse sentido, Veras enxerga um paralelo com a história da 99. “Tínhamos muito menos recursos que os concorrentes”, conta. “Mas os usuários experimentavam o modelo e caíam no nosso produto, que era feito com muito cuidado.”

Diamantes brutos

Desde que desembarcou da 99, no início de 2018, Veras tem dedicado boa parte de seus dias a mapear startups para investir e a participar ativamente do dia a dia daquelas nas quais já injetou recursos. Nos intervalos, ele ainda encontra fôlego para ocupar um assento nos conselhos de administração da Localiza e da B2W.

“Mas o que eu mais gosto de fazer é trabalhar com startups. Eu gasto 75% do meu tempo com esses projetos”, diz ele que, até antes da pandemia, estava instalado no Cubo, hub de inovação do Itaú Unibanco, para se aproximar ainda mais desse ecossistema.

A lista de startups que já passaram por esse crivo e receberam aportes de Veras inclui novatas em diferentes estágios. Entre as que ainda estão em fase de pré-lançamento está uma empresa que vai atuar com um modelo 100% digital no segmento de consórcios.

Fundada em 2019, a companhia que nasceu como Bro foi rebatizada de K2 e ainda não tem uma marca definida. A startup aguarda a aprovação de sua licença no Banco Central para poder operar. “Vamos atacar uma indústria que tem um modelo muito antigo e que está parada no tempo”, afirma Veras.

Outra investida é a Sami, healthtech que usa a análise de dados para aprimorar o relacionamento entre operadoras de planos de saúde e seus usuários. O escopo inclui desde a definição do médico ideal para cada necessidade do paciente até serviços de telemedicina e a definição de sistemas de incentivos e de remuneração para médicos e hospitais.

Com esse modelo, a empresa também atraiu aportes de fundos como Redpoint eventures e Canary. E já trabalha no desenvolvimento de um sistema de prevenção de doenças, a partir do acompanhamento da vida do paciente.

Um projeto que sai um pouco do roteiro desenhado por Veras é a CargoX, marketplace que une empresas com cargas a serem transportadas e caminhoneiros em busca de fretes. Além de investidor, ele é conselheiro da companhia, que foi fundada em 2013 e já atraiu US$ 257,8 milhões em aportes, de nomes como Goldman Sachs e Blackstone.

A Digibee, que é dona de uma plataforma de integração de sistemas, é mais uma empresa destacada pelo cofundador da 99. A empresa foi criada em 2017 e acaba de receber um aporte de US$ 5 milhões, com a participação do fundo americano GAA Investments e também de Laércio Albuquerque, presidente da Cisco no Brasil.

O montante será usado para a expansão internacional da startup, que já trabalha com clientes como Santander, Makro e Assaí. “Funciona como um benjamim, no qual você pluga qualquer sistema e reduz as complexidades de legado”, explica Veras. “É a empresa de B2B com maior potencial para ser unicórnio.”

A preferência de Veras, em geral, é por investir em startups ainda em fase de early stage, sempre nas fronteiras da tecnologia. “Eu gosto de pegar um diamante bruto, que está atacando um problema gigantesco, em um mercado de grande escala”, conta.

“Eu gosto de pegar um diamante bruto, que está atacando um problema gigantesco, em um mercado de grande escala”

O segundo critério são os times à frente das novatas. “No early stage, você não aposta em planos de negócios. Isso pode mudar. O mais importante é ter gente visionária e com capacidade de execução”, diz, fazendo uma referência a uma lição que teve com Jorge Paulo Lemann e seus pares no 3G Capital na época em que comandava a Endeavor. “Pensar grande e pequeno dá o mesmo trabalho.”

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