Quanto vale o aluguel de 28 agências do Santander? Essa é uma questão que está deixando o setor de fundos imobiliários em polvorosa.

Tudo porque o banco espanhol resolveu ir à Justiça pedir a redução do aluguel de 28 agências que estão na carteira de um fundo imobiliário administrado pela Rio Bravo Investimentos.

No meio de uma pandemia em que muitos setores da economia são afetados, renegociar contratos pode ser considerada uma prática normal. Mas a ação do Santander está causando preocupação e indignação em diversas gestoras de fundos imobiliários, que acreditam que o caso pode trazer insegurança jurídica ao setor.

O caso se refere ao fundo imobiliário Rio Bravo Renda Varejo (RBVA11). Os contratos de aluguel dessas agências são de natureza atípica, que não estão sujeitos a Lei do Inquilinato, e, portanto, não cabem revisão do valor do aluguel.

Segundo relatos ouvidos pelo NeoFeed, esses contratos são chamados de “sale and lease back”, em que uma empresa vende os ativos para um fundo e, na sequência, faz um contrato de aluguel dos mesmos imóveis.

Entre dezembro de 2012 e junho de 2013, o Santander vendeu suas agências para o fundo imobiliário Santander Agências (SAAG), que passou a ser administrado pela Rio Bravo Investimentos. Em abril deste ano, ele foi incorporado ao Rio Bravo Renda Varejo e conta atualmente com aproximadamente 28 mil cotistas.

No processo de venda das 28 agências, o Santander recebeu R$ 543,2 milhões. Os valores de vendas e das locações foram baseados em laudos de avaliação feitos pela consultoria de serviços imobiliários Cushman & Wakefield.

Na ocasião, foram firmados 28 contratos atípicos de locação com vencimentos entre dezembro de 2022 e julho de 2023, ajustados anualmente por IGPM.

O Santander foi também o coordenador líder no processo de distribuição de cotas, o que resultou numa taxa total para os participantes da distribuição de R$ 6,155 milhões. Ou seja, o banco espanhol ganhou tanto na venda das agências, como na criação do fundo.

“O Santander estabeleceu as agências que seriam vendidas e os valores de locação”, diz o gestor de um fundo imobiliário. “Não é correto o que eles agora estão fazendo.”

Os contratos atípicos são realizados para dar mais previsibilidade de receita aos investidores. “É uma coisa sólida. Se quebrar, tem uma multa alta a pagar”, diz esse gestor. “Por esse motivo, ninguém quebra esse contrato. Não vale a pena do ponto de vista financeiro.”

Nessa semana, o Grupo de Investidores de Fundos Imobiliários (Grifi), composto de 55 investidores, circulou no mercado uma carta endereçada a Sergio Rial, presidente do Santander, com críticas as ações do banco.

“Nos parece absolutamente descabido que um banco internacional, sabidamente bem capitalizado e com sólidos resultados operacionais recorra à Justiça para se furtar ao dever de honrar seus contratos de forma a gerar tamanho impacto negativo a milhares de pequenos investidores”, diz um trecho da carta na qual o NeoFeed teve acesso.

A carta também chama atenção para o fato de o Santander não ter interrompido as atividades durante a pandemia, utilizando os imóveis normalmente, e que agora tenta se esquivar de sua obrigação contratual do contrato atípico.

“Esse fundo foi ruim para os cotistas até junho de 2016, quando rendeu menos do que o CDI. Agora, é um absurdo ler um peça acusando o fundo de lucrar com a pandemia”, diz Alex Pomilio, um dos membros do Grifi.

Na ação, o Santander diz buscar um reequilíbrio contratual. Segundo o processo, o banco espanhol fez um laudo de avaliação para demonstrar a diferença entre o aluguel praticado na região e o aluguel das agências com o valor corrigido.

O banco espanhol pede ainda, no mínimo, 50% da diferença entre o aluguel a mercado e o atualmente praticado. No caso de indeferimento, o Santander requere que o valor fosse provisionado e não distribuído aos cotistas, com juros de mora de 1% ao mês.

As agências do Santander representam 55% da receita do fundo, o que terá impacto, num primeiro momento, na distribuição dos dividendos aos cotistas, se ocorrer o provisionamento. “Se a Justiça der ganho de causa ao Santander, ela rasga a lógica de boa parte dos fundos imobiliários”, acredita Pomilio, da Grifi.

O Santander requereu segredo de Justiça às ações, mas, em pelo menos 17 delas, isso não foi deferido pelo juiz. Em trecho de uma sentença provisória, a qual o NeoFeed teve acesso, a posição é favorável aos cotistas.

“Às vésperas da chegada da dramática pandemia, a instituição financeira lucrou R$ 3,77 bilhões no último trimestre do ano de 2020, o que coloca uma pá de cal sobre o argumento de que necessita reequilibrar o contrato”, diz o trecho.

Dois outros fatos também chamaram a atenção dos investidores. Primeiro, o Santander entrou com 28 ações – uma em cada praça onde estão localizadas as agências. Até agora, alguns juízes indeferiram o pedido do Santander, até onde o NeoFeed pode apurar. Mas as decisões são provisórias.

Além das ações em diversas cidades, a corretora do Santander publicou no dia 1º de julho um relatório recomendando aos clientes o investimento em cotas do fundo imobiliário RBVA11. “A notícia boa é que existe ‘chinese wall’ na corretora”, afirma um gestor, com fina ironia. “Mas pegou muito mal no mercado esse relatório.”

Desde que a ação do Santander veio a público, o valor das cotas caíram quase 3%. Mas nesta quinta-feira, 16 de julho, já havia recuperado o valor, por conta da expectativa de que a ação do Santander não prospere.

Em comunicado ao mercado, a Rio Bravo informa que entende que “a decisão por parte da locatária em rever judicialmente os valores dos aluguéis atualmente praticados é descabida, incompatível e contradiz diretamente com os termos firmados nos contratos de locação.”

E prossegue: “a Rio Bravo segue firme com a posição de que os valores não devem ser revistos e tomará todas as medidas judiciais cabíveis para defender o interesse dos cotistas e do fundo, bem como assegurar pela segurança jurídica do mercado imobiliário e mercado de capitais.”
Procurado, o Santander disse que não iria comentar.

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