De um lado, Pedro Moreira Salles, acionista e copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, maior banco privado do Brasil, e cuja família controla também a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), dona de 80% do mercado mundial de nióbio, um material fundamental para dar liga e resistência ao aço.
De outro, Jorge Paulo Lemann, sócio da 3G Capital, que investe em empresas como Kraft Heinz e Burger King, e acionista controlador da AB Inbev, maior cervejaria do planeta, dona de marcas como Budweiser e Skol.
Os dois são empresários bem-sucedidos, donos de fortunas bilionárias e reconhecidos entre seus pares. Mas mesmo assim as empresas em que hoje eles atuam como conselheiros estão enfrentando diversos desafios por conta da digitalização dos negócios.
No caso dos bancos, a competição vem de fintechs. Já na área de consumo, as mudanças de hábitos têm colocado em xeque modelos consagrados baseados na massificação e na logística de distribuição.
Moreira Salles e Lemann se encontraram virtualmente nesta quinta-feira, 24 de setembro, e refletiram sobre como suas empresas estão se adaptando a esses novos tempos digitais e como estão enfrentando a concorrência de startups, durante evento que comemorava os cinco anos do Cubo, hub de inovação que tem o Itaú Unibanco como um dos idealizadores e mantenedores.
“Sempre tivemos muita concorrência de empresas ditas tradicionais, que eram muito parecidas conosco. Nesse sentido, o processo de tomar decisão para melhorar a posição competitiva era muito mais claro. Isso mudou”, disse Moreira Salles. “As decisões agora são tomadas em um ambiente de maior incerteza, o que acarreta maior risco.”
Lemann, por sua vez, afirmou que a velocidade das mudanças afetou a fórmula de gestão que o consagrou no mundo dos negócios. “Éramos empresas eficientes, com produtos conhecidos, que cortavam custos e tinham uma boa logística. E vivíamos bem”, disse. “Esse novo mundo tecnológico trouxe maior acesso do consumidor a tudo quanto é informação e produtos.”
Na prática, os dois empresários tiveram que sair da zona de conforto e entender o que estava acontecendo. No caso de Lemann, isso significou correr atrás do atraso e buscar um contato direto com o consumidor via o mundo digital. “Somos vendedores de commodities, como cerveja. Mas tem gente que vende commodity e é bem-sucedido, como a Nike e a Starbucks. Por quê? Eles sabem realmente como tratar bem o cliente e o que o cliente quer.”
Para Moreira Salles, o caminho para se adaptar a esse novo mundo não deve ser via um atalho ou seguindo modismos. “É preciso mudar o core do negócio. Entendo o ponto de quem quer criar (a inovação) fora do negócio principal para (depois) tentar ‘disruptar’ a nave-mãe. Mas se não mexer na nave-mãe não adianta nada”, afirmou. “O caminho pode ser mais longo e mais árduo, mas é preciso enfrentar o legado.”
Lemman comentou que a transformação digital passa também pelo cultura e pelos profissionais que trabalham em suas empresas. “As pessoas que eram excepcionais em cortar custos e boas de logística não são necessariamente as melhores para entender do cliente”, afirmou. E concluiu. “Mudar a cultura de uma empresa bem-sucedida talvez seja mais difícil do que mudar a cultura de uma empresa que não é bem-sucedida.”
A AB Inbev, por exemplo, começou um processo para substituir o brasileiro Carlos Brito, que está 16 anos à frente da companhia. Essa troca acontece em um momento em que a empresa luta contra uma dívida pesada decorrente da compra da SABMiller por US$ 104 bilhões, em 2016.
Os dois empresários refletiram também sobre o momento do empreendedorismo brasileiro, avaliando que o Brasil evoluiu muito rápido em pouco tempo. “Em 2019, o Brasil foi o terceiro país em número de unicórnios, atrás apenas dos Estados Unidos e China”, disse Moreira Salles. Nessa época, surgiram várias startups bilionárias no Brasil. QuintoAndar, a Loft, Nubank, Loggi, Wildlife, Ebanx são alguns dos exemplos.
Já Lemann lembrou que o acesso ao capital ficou mais fácil. “Há dez anos, o empreendedor não encontrava recursos e não tinha ninguém para bancar”, afirmou o empresário. “Hoje, tem um certo exagero. Falou que é uma startup está cheio de dinheiro querendo encontrar um bom investimento.”
Mas ambos concordaram que o Brasil ainda tem uma série de gargalos. Para Lemann, o principal deles é a burocracia para criar empresas e para contratar profissionais. Já Moreira Salles lembrou da dificuldade de encontrar talentos. “Não somos um polo de atração global de talentos”, disse.
Ambos foram questionados também sobre como será o mundo pós-pandemia. Moreira Salles disse acreditar que será menos globalizado. “As empresas que dependem de cadeias de suprimento globais vão rever essas cadeias”, afirmou. “Percebeu-se que é um risco estar muito concentrado em um único fornecedor.”
Por outro lado, o acionista do Itaú Unibanco não acredita que o mundo vai migrar para o home office. “Tem graves problemas no home office. Cultura se faz no contato com as pessoas”, disse. “Se eu tiver uma ideia, preciso marcar um ‘Zoom’ com alguém. O acesso é muito importante e isso se perde (com o home office).”
Lemann acredita em um caminho do meio. O empresário disse que recentemente leu um texto sobre a fintech Brex, dos brasileiros Henrique Dubugras e Pedro Franceschi, informando que ela vai ser uma empresa 100% remota. Mas também leu outra reportagem sobre o banco de investimento J.P. Morgan, em que mostrava que os profissionais estavam menos produtivos.
A certeza de Lemann é que, a partir de agora, tudo vai ficar mais digital. “O Zoom é uma coisa incrível. Eu viajava 700 horas por ano e estou há seis meses sem ir a nenhum lugar. Me considero bem informado e em contato com todo mundo.”
Lemann também relembrou uma frase que vem dizendo com frequência nos eventos online que tem frequentado durante a pandemia. “Se eu fosse jovem estaria me jogando de peito aberto no ramo tecnológico." Nunca é tarde para recomeçar.