Em 2025, a Previ deu um grande passo no seu processo de redução de exposição da carteira, desinvestindo cerca de R$ 19 bilhões em participações acionárias de 12 empresas.

A saída da BRF foi a mais emblemática do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, com mais de R$ 280 bilhões sob gestão. A empresa fazia parte da carteira do chamado Plano 1, o plano de previdência complementar dos funcionários do BB admitidos até 1997.

A decisão de vender as ações da BRF está ligada à nova fase desse Plano 1, que atingiu a fase madura, ou seja, o pagamento de benefícios dos associados. De acordo com a Previ, a venda de R$ 1,9 bilhão concretizada em setembro deste ano, antes da fusão com a Marfrig, garantiu valores superiores aos que seriam oferecidos aos minoritários das duas empresas.

Além de antecipar possíveis impactos negativos da fusão, a Previ conseguiu o que buscava: o retorno histórico de longo prazo do investimento, fundamental para uma entidade previdenciária que tem como foco o pagamento de benefícios. A BRF superou o Ibovespa em 83,5% e a meta atuarial em pouco mais de 16%.

Outra movimentação importante foi da Neoenergia, que estava na carteira da fundação desde o seu IPO em 2019, com valorização de 145%, aprovada em setembro. A Previ vendeu sua participação acionária para a Iberdrola em negócio de aproximadamente R$ 12 bilhões, representando um ágio de cerca de R$ 2 bilhões em relação ao valor de mercado.

"Realizamos lucro em BRF, realizamos lucro em Neoenergia e outras ações. Este ano já foram desinvestidos R$ 19 bilhões em renda variável, e temos aproveitado a janela de NTN-B para fechar o que chamamos de duration ao longo da curva do plano", diz Claudio Gonçalves, diretor de investimentos da Previ no Wealth Point, programa do NeoFeed.

Apesar de uma carteira mais enxuta em ações, a Previ não pretende mudar o seu ativismo em investimentos sustentáveis. “O que talvez mude é a amplitude, não a forma de atuação. Nosso ativismo não mudará”, afirma Gonçalves.

O diretor de investimentos é o candidato indicado pela Previ para manter o seu assento no board do programa da Organização das Nações Unidas (ONU) chamado de Princípios para Investimentos Responsáveis (PRI). Esse grupo é formado pelos maiores investidores institucionais do mundo que ajudam a pensar e executar um sistema financeiro global economicamente eficiente e sustentável. Pela primeira vez no Brasil, o evento ocorrerá em novembro, em São Paulo.

Além da fase dos desinvestimentos, a Previ também está prestes a ter um novo presidente. Márcio Chiumento foi indicado para o cargo pelo Banco do Brasil após a renúncia de João Luiz Fukunaga em outubro deste ano. Fukunaga foi convidado a assumir a diretoria de relações governamentais e ASG da EloPar.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista (a íntegra está no vídeo que está acima):

A Previ tem passado por mudanças na composição do portfólio. Se em 2020 a participação de ações e renda fixa era parecida (meio a meio), hoje a renda fixa é cerca de 66% e a renda variável, 24%. Por que vocês têm aumentando a alocação em renda fixa?
É importante dizer que esses dados dizem respeito ao Plano 1, que é um plano extremamente maduro, com 98% dos participantes já em gozo de aposentadoria. Esse é o plano que detém a maior parte dos ativos sob gestão da Previ, com pouco mais de R$ 240 bilhões. Isso nos obriga a uma política de investimento mais madura, uma imunização do passivo. Por que saímos ao longo dos últimos anos de renda variável e investimos em renda fixa? Porque as NTN-Bs têm um fit perfeito com o nosso passivo.

Com isso, a Previ deixou a BRF — onde era a principal acionista — e reduziu a sua participação na Neoenergia. O que motivou essas decisões?
A ideia é realizar lucros em renda variável assim que possível e sempre olhando os níveis de NTN-B — e hoje os níveis estão excelentes para um plano maduro como o da Previ (com rendimentos de IPCA+7,2% ao ano). Então, realizamos lucro em BRF, realizamos lucro em Neoenergia e outras ações. Este ano já foram desinvestidos R$ 19 bilhões em renda variável, e temos aproveitado a janela de NTN-B para fechar o que chamamos de duration ao longo da curva do plano.

O Plano 1 fechou 2024 com déficit de mais de R$ 3 bilhões e agora está positivo. Dá para dizer que a imunização, com realização de lucros e venda de participações acionárias, foi responsável pela virada?
Não pode ser simplista para explicar 2024 e 2025. Fato é que praticamente todos os ativos que estavam na carteira em 2024, que se desvalorizaram e causaram aquele déficit de pouco mais de R$ 3 bilhões, são os mesmos ativos que agora contribuem para o nosso superávit, que deve chegar, em outubro, a mais de R$ 3 bilhões. Ou seja, saímos do déficit e já estamos em superávit de R$ 3 bilhões. Quando você sai de renda variável e opta por renda fixa — notadamente NTN-B —, você diminui volatilidade e aumenta a consistência da estratégia de imunização de passivo.

"Saímos do déficit [em 2024] e já estamos em superávit de R$ 3 bilhões"

As ações foram as que mais contribuíram com esse resultado?
A Bolsa brasileira está se valorizando, então não dá para dizer que os movimentos trouxeram sozinhos o resultado. Essa imunização vai reverberar por décadas. Você abre mão de uma rentabilidade talvez maior se tivesse permanecido na renda variável, dado que o mercado está andando. A Neoenergia, que vendemos, andou 55%. Vendemos com prêmio sobre o valor de face, uns R$ 2 bilhões a mais de prêmio.

Então é incorreto dizer que a venda das ações foi feita para tirar o déficit. Havia uma imunização a fazer e ela acabou gerando superávit, correto?
Exato. E os ativos recuperaram. Por isso, quando aconteceu o déficit, a gente não se apavorou. Pela qualidade dos nossos ativos, não dá para realizarmos 0,01 de prejuízo. Temos Vale, Petrobras, Neoenergia, Vibra… só empresa boa na carteira, boas pagadoras de dividendos, sólidas. Era uma questão de tempo. Tivemos um ano ruim em 2024 — especialmente novembro e dezembro: ações com desempenho muito ruim, curva de juros abrindo, muita marcação a mercado no portfólio. Impacto relevante tanto no Plano 1 quanto no Previ Futuro. Mas nada melhor do que um dia depois do outro.

Como vocês decidem quais empresas desinvestir ? Quais são os critérios da Previ para reduzir ou sair de uma posição acionária?
A rentabilidade é deal-breaker. Se não for rentável, não passa da primeira camada de análise. Na Previ, temos um rating proprietário que avalia as empresas em que investimos. Não investimos em ratings D e F. A, B e C vão para uma segunda análise de profitability e outros aspectos. Na decisão de investir ou desinvestir, reportamos ao rating, olhamos rentabilidade — o pessoal roda os modelos para ver se a empresa vai entregar o que esperamos — e precisamos dividir de novo: investimos de um jeito no Plano 1 e de outro no Previ Futuro. O Plano 1 tem mais concentração e precisa ser endereçado de forma diferente.

E como ficam os critérios social, ambiental e de governança corporativa?
De maneira geral, aspectos ESG estão no core da decisão. Tem red light se você não tiver um rating adequado, você será desinvestido ou nem entra na prateleira da Previ. A análise é técnica e isenta, feita pela nossa equipe.

"É normal que as nossas participações diminuam, como têm diminuído. Mas a forma como atuamos — nosso ativismo — não muda"

A Previ tem uma longa trajetória com investimentos sustentáveis e faz ações ativas para as empresas de engajarem. Com a menor participação acionária, muda o jeito que pretendem influenciar a sustentabilidade nas empresas?
O que talvez mude é a amplitude, não a forma, pois temos agora uma carteira menor em ações. É normal que as nossas participações diminuam, como têm diminuído. Mas a forma como atuamos — nosso ativismo para que as coisas aconteçam de maneira ética, respeitando aspectos sociais, ambientais, de governança e integridade — não muda. Temos uma diretoria de participações que fica "enchendo o saco" do management. Temos representantes nos boards para fazer o enforcement dessa visão, para que gere resultados e não vire apenas discurso, mas ação na empresa.

Sediar a COP30 pode atrair investimento internacional e acelerar a agenda nas empresas brasileiras em prol da sustentabilidade?
Não tenho dúvidas. Trazer COP30 e o Princípios para Investimentos Responsáveis das Nações Unidas para São Paulo atrai holofotes de maneira positiva. Esperamos fazer um papel bacana como anfitriões. O Brasil tem tudo para ser o epicentro dos investimentos sustentáveis no mundo. Precisamos aproveitar oportunidades para trazer o olhar do europeu, do norte-americano, do asiático para cá e mostrar que dá para investir, que haverá retorno e impacto socioambiental grande. Serão mais de mil líderes de investimentos sustentáveis no mundo aqui, para discutir e estressar os assuntos. Vou participar de alguns painéis. É uma troca sensacional — o que está acontecendo no Japão, nos EUA, na Europa.

Ainda há quem ache que investir com sustentabilidade sacrifica o retorno. Como aliar os dois?
Na minha opinião, a pergunta não é se dá para ser rentável sendo sustentável; é se dá para ser rentável sem ser sustentável. Existem atividades que agridem o meio ambiente por natureza — a mineração, por exemplo. O que precisamos olhar é a compensação e a remediação dessa atividade. Não se pode confundir sustentabilidade só com o que é verde. Tem governança forte e aspectos sociais.

Dê um exemplo?
A Vale. Infelizmente ela passou por alguns momentos difíceis, como Brumadinho e Mariana. Assim que cheguei na Previ, fui convidado pela Vale para visitar os locais onde ocorreram as tragédias. Nada vai apagar o que aconteceu, mas o que a empresa está fazendo em termos de reparações e mediações para a comunidade é algo sensacional. Ela não está medindo esforços para poder reparar o dano que foi causado. E, além de reparar, ela está tomando todas as medidas para que isso não volte a ocorrer novamente. Isso é responsabilidade socioambiental. A gente não abre mão disso.