A baixa performance dos fundos multimercados resultou em perdas de mais de R$ 500 bilhões desde 2022. Nos últimos três anos, 81% do patrimônio investido rendeu abaixo do CDI — mas a verdade é que a classe já não entrega o resultado esperado pelos cotistas há bem mais tempo.

Um pesquisa da SulAmérica Investimentos compartilhado com exclusividade com o NeoFeed revela que, em dez anos, 71% dos investimentos em multimercados beneficiaram mais os gestores do que os cotistas. Para chegar a essa conclusão, o estudo, que analisou 5.963 fundos, avaliou qual montante rendeu acima do CDI e da taxa de administração nesse período. A resposta: só 29% do patrimônio investido.

O grande problema é a dificuldade em bater o CDI, propósito pelo qual os gestores são contratados. “Foi muito difícil para os fundos multimercados entregarem rendimentos acima do CDI descontando a sua taxa de administração”, afirma Marcelo Mello, CEO do SulAmérica Investimentos, Vida e Previdência.

“Os retornos têm vindo só da renda fixa, o que mostra que para ter um produto competitivo os multimercados precisam ter expertise em diferentes estratégias”, complementa.

Esses resultados têm provocado um redesenho do mercado. Uma das principais mudanças é o fim da cobrança chamada 2 com 20, ou seja, 2% de taxa de administração mais 20% sobre o que exceder o benchmark.

Como mostra o estudo da SulAmérica, o percentual de fundos multimercados que cobra até 1% de taxa de administração subiu em 10 anos de 36% para 44,6%. Na faixa entre 1,5% a 2% estão 38,3% dos fundos. Já uma taxa de administração acima de 2% é cobrada por apenas 0,5% dos fundos.

“Para um fundo cobrar 2% com 20%, ele tem que entregar CDI+4%, o que só é possível tomando risco. Mas aqui no Brasil, com um mercado avesso ao risco, muitos gestores foram diminuindo sua exposição ao risco e, assim, o seu retorno”, afirma Marcos Macedo, head de investimentos da Faros Multi Family Office.

Para o especialista, não há mais espaço para assets que cobram caro e não tomam risco, ou seja, não buscam retornos mais agressivos.

Nos Estados Unidos, os hedge funds cobram altas taxas de administração e performance para correrem bastante risco e são, por muitas vezes, fundos de baixa liquidez.

Eles são diferentes dos chamados ‘miscellaneous funds’, que investem em várias classes de ativos, mas sem tomar grandes riscos (são na verdade mutual funds, cujas taxas são bem mais baratas e possuem liquidez). No Brasil, todos são igualmente multimercados.

De acordo com quatro grandes alocadores de multi family offices ouvidos pelo NeoFeed, as baixas performances resultam em redução da alocação. Um perfil moderado de risco, por exemplo, reduziu seu portfólio de multimercado para um quarto nos últimos anos.

“O estudo mostra a dificuldade de a classe performar, mas isso acontece principalmente em momentos de risk off e sem tendência. Em nossos portfólios, um perfil que poderia ter 20% de multimercados hoje tem 5%”, afirma Eduardo Castro, CIO da Portofino Multi Family Office.

O resultado da debandada dos investidores é que nos últimos dois anos, o número de fundos multimercados vem diminuindo. Segundo o estudo da SulAmérica, de 2014 a 2022, houve mais criação do que destruição de fundos multimercados nas gestoras. Em 2023, esse balanço ficou no zero a zero. Mas, no ano passado, nove gestoras deixaram de oferecer a estratégia para apenas duas que lançaram.

Menor e mais concentrado

O mercado de fundos multimercado tem ficado cada vez mais concentrado com as grandes gestoras, que continuam conseguindo mais receitas para continuar investindo.

Os dados do estudo mostram que metade das gestoras aufere uma receita média com taxa de administração menor do que R$ 250 mil por ano, enquanto as 25% maiores embolsaram R$ 40 milhões por ano.

Em 2023, 50% de toda a receita com taxa de administração da indústria foi auferida por somente sete gestoras: BB, Legacy, Ibiuna, Kapitalo, SPX, Brasilprev e Itaú. Resultado tanto pelas taxas que cobram, como pela performance que conseguiram — garantindo mais taxa de performance.

“Para ter bom retorno é preciso ter bons profissionais, que custam caro. O que estamos vendo é um aumento da barreira de entrada para se ter uma gestora”, afirma Fernando Donnay, portfólio manager da G5 Partners.

“Se antes muita gente saía dos bancos para criar a sua gestora, agora estamos vendo o movimento inverso. E apenas poucas casas independentes conseguindo crescer”, complementa.

Prova de que é preciso investir para crescer é que as gestoras que têm mais sucesso e conseguem ganhar market share são as que investem menos em combinações como as do “kit Brasil”, como Ibovespa e DI, tendo estratégias mais sofisticadas, como internacional, crédito estruturado e commodities. Segundo o estudo da SulAmérica, exemplos vencedores são os de Kapitalo, Clave, Legacy, Genoa, Absolute SPX, Ace e Gavea.

“Em janelas de dois anos, estamos no segundo pior momento da aposta ‘kit Brasil’, perdendo apenas para o período do impeachment da Dilma. Por isso, temos reduzido a nossa alocação em multimercados para cerca de 5% a 7%, com grande preocupação com a sobrevivência de algumas gestoras”, afirma Marco Bismarchi, sócio da TAG Investimentos.