O mercado de gestão de fortunas no Brasil nasceu bancário e as principais instituições financeiras ainda detêm a maior parte desse mercado. Mas cada vez mais patrimônios migram para family offices e consultorias que crescem a passos largos. E os bancos, que até pouco tempo ignoravam esse movimento, agora correm para não ficar para trás.
A estratégia, até aqui, era focar prioritariamente no modelo direto (B2C), em que as margens são maiores e há mais controle sobre os produtos e serviços. Os family offices eram atendidos apenas sob demanda, de forma pontual e selecionada. Mas tanto XP como BTG entenderam que plataformas de wealth services estruturadas seriam um diferencial para esse público. E passaram a ganhar tração - e participação de mercado - sozinhas.
Agora, os bancos não querem ficar de fora desse mercado de wealth service, que tem potencial de se tornar trilionário com o crescimento de gestoras de patrimônio e consultorias de investimento. Itaú, Bradesco, Santander, Safra, C6 e Inter têm projetos em andamento acelerado ou concluídos recentemente. Alguns estão em período de testes, outros em fase de lançamento de suas plataformas à mercado.
O NeoFeed conversou com multi family offices, consultorias de investimento e executivos do mercado para mapear esse movimento coordenado.
O Itaú, por exemplo, deu o primeiro passo estrutural. Até o fim do ano passado, a área de atendimento a gestores de patrimônio ficava dentro do private banking e não havia diferenciais: as condições eram as mesmas para os dois públicos, o que significava que o cliente pagava comissão no private e depois o fee fixo ao family office.
Essa área, agora, foi transferida para a vertical institucional do Itaú. Ao longo dos primeiros meses de 2025, os clientes migraram para o novo modelo. Agora, têm taxas institucionais de renda fixa e variável, sem comissões. Mas ainda falta o sistema de cashback para rebates de fundos, emissões primárias e outros produtos, confirmou a assessoria do banco ao NeoFeed.
O banco liderado por Milton Maluhy Filho não vai parar por aí. Ele está em vias de lançar uma plataforma completa de wealth services para atender também consultorias, que hoje ficam de fora. O projeto está em desenvolvimento há cerca de um ano, com a contratação de Renato Cunha, ex-chief strategy, product and operating officer da XP. Questionado, o Itaú não quis comentar sobre a nova área.
O projeto do Bradesco está sendo desenvolvido dentro da Ágora, apurou o NeoFeed. O banco comandado por Marcelo Noronha já atende cerca de 80 family offices com taxas institucionais e devolve rebates por cashback. Mas o foco agora é conseguir atender clientes menores, com uma experiência mais fluida como a da concorrência.
Em nota, o diretor do Bradesco Global Private, Leandro Karam, afirmou que a “principal evolução neste momento está na integração tecnológica, que nos permitirá oferecer uma experiência mais fluida, ampliando o acesso e, gradualmente, reduzindo o volume mínimo por plataforma — atualmente em torno de R$ 300 milhões”.
O Santander está em um momento parecido. Segundo o banco, o serviço de wealth service já existe há 10 anos e tem 92 family offices plugados com taxas institucionais, sendo necessário que tenham no mínimo de R$ 100 milhões no banco. Mas ainda não devolve os rebates no B2B, embora haja um projeto para isso a ser aprovado. E, segundo o NeoFeed apurou, a ideia é que a tecnologia ajude a baixar o tíquete desse atendimento.
"O mercado brasileiro caminha para um modelo híbrido, com bancos e independentes atuando lado a lado. É uma tendência, mas há desafios importantes como a externalização de sistemas e a construção de plataformas digitais que consolidem ativos offshore, além de regulação complexa, tributação, etc.", escreveu, em nota, Priscila Pessolato, head de weath management services do Santander Private Banking.
Quem acabou de lançar sua plataforma - o que pegou o mercado de surpresa - foi o Safra. Conhecido pelos family offices como o banco mais difícil de trabalhar, o Safra fez o dever de casa para tentar mudar essa imagem.
No ano passado, contratou Paulo Barqueiro, ex-UBS/Credit Suisse, como superintendente do Safra Private Wealth Services. Usando parte da tecnologia já desenvolvida no Safra Invest, o braço de agente autônomo, criou uma plataforma para plugar gestoras de patrimônio com taxa institucional e devolução de rebates em cashback.
O NeoFeed apurou que alguns family offices já se conectaram à estrutura e outros estão em vias de fechar. Consultorias de investimento ouvidas pela reportagem afirmam que há um projeto no banco para viabilizá-las também - o que exige tecnologia para o cliente confirmar compras por push, já que não é um serviço discricionário. Fontes do mercado disseram que está em fase de testes pela área do Safra Invest. O banco não respondeu ao pedido de entrevista.
Bancos digitais na disputa
Entre os bancos digitais, o Inter está em fase de testes com sua plataforma de wealth services, plugando apenas algumas consultorias, apurou o NeoFeed. Em nota, o banco afirmou que "acompanha a evolução do mercado e das novas formas de atender os clientes de alta renda e, inclusive, já atua em parceria com consultorias nesse segmento”.
O C6 lançou há cerca de três meses uma área dedicada como estratégia para crescer no Graphene, seu segmento mais private (clientes com pelo menos R$ 5 milhões de patrimônio líquido). A área conta com cinco profissionais, plugou 60 family offices e tem mais 20 em vias de cadastro.
Os ativos sob custódia do Graphene cresceram 96% em 12 meses, até setembro de 2025. "Decidimos crescer entre as grandes fortunas, mas começamos a entender que esse cliente não quer muitas vezes ser atendido em investimentos por nós, pois tem o seu family office”, diz Igor Rongel, head de investimentos e private banking do C6, ao NeoFeed.
O projeto do C6 foi desenhado para ter as mesmas taxas do private, sem cashback de rebates, para não haver concorrência interna. A aposta está no serviço de ajudar os gestores a resolverem todas as demandas dos clientes, não apenas ligadas aos investimentos. A ideia é que, por meio do bom atendimento, os family offices usem mais a custódia do C6 e aumentem o share of wallet frente à concorrência.
Por que agora?
Os grandes bancos já possuem áreas para atender gestores de patrimônio há muito tempo, mas o foco era em single family offices ou grandes multi family offices com clientes ultrarricos - em geral acima de R$ 200 milhões.
Mas essa relação funcionava de forma analógica. Os clientes davam procuração aos family offices para negociarem nas áreas institucionais dos bancos (as mesmas em que assets operam), e os gestores negociavam rebates diretamente com as gestoras ou emissões primárias diretamente com os ofertantes.
Como o mercado mudou de patamar nos últimos anos, houve um boom de novas gestoras de patrimônio e uma democratização do serviço, chegando a tíquetes menores - a partir de R$ 10 milhões, a base da pirâmide dos private bankings.
Segundo a Anbima, já são mais de R$ 540 bilhões nesse mercado, que cresceu 7% só no primeiro semestre de 2025. E as consultorias são um fenômeno ainda mais recente.
Segundo a CVM, o número de instituições dobrou de 2020 até 2024, chegando a mais de 500 casas atendendo grandes fortunas e ao varejo de alta renda. São exemplos a Nord Wealth, que já com R$ 8,5 bilhões sob consultoria, e a Portfel, com R$ 15 bilhões. Não há dados sobre o quanto esse mercado tem no total sob consultoria.
Além do crescimento do mercado, outro fator-chave dessa transformação é o fim do diferimento fiscal nos fundos exclusivos. Muitas famílias passaram a ter parte relevante (ou a totalidade) do patrimônio em carteiras administradas, com fundos exclusivos sendo liquidados. A tecnologia que os bancos tinham para atender gestoras de patrimônio já não era suficiente.
Se antes os bancos tinham um pequeno negócio para poucos clientes muito grandes, agora a demanda explodiu. E essas casas passaram a exigir tecnologia e estrutura específica para o modelo B2B - um mercado que estava sendo atendido por XP e BTG.
"Hoje, as condições para trabalhar com XP e BTG são muito mais diferenciadas, pois eles têm de fato um business voltado para isso: taxas atrativas, cashback de rebates e pushs de confirmação”, disse um gestor de family office que preferiu não se identificar.
“Isso nos faz optar por executar algumas alocações com eles, principalmente emissões primárias, onde o rebate gira em torno de 1% do valor de face", complementa.
A diferença é que o mercado institucional tem taxas maiores porque não há comissão para pagar distribuição, como acontece nos private bankings.
Um CRA pode estar no aplicativo do cliente private a 90% do CDI e no institucional a 100% do CDI. A diferença é o spread que o banco ganha para pagar a operação de distribuição, remunerar o banker e a gestão do portfólio. Em produtos com rebates (fundos, COEs, emissões primárias etc.), esses custos voltam para o cliente.
"Esse mercado independente cresceu e não tem mais como ignorar o B2B. As plataformas B2C dos bancos conseguiram reter o cliente, mas não conseguem captar novos. Se até aqui os juros altos seguraram os clientes nos bancos, com o início do corte de juros, o jogo pode virar", afirma Filipe Medeiros, CEO e fundador da AAWZ.