De um lado, nos Estados Unidos, os efeitos da política de juros elevados do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), incluindo a terceira maior emissão de títulos do Tesouro de todos os tempos, e mais recentemente ganhos elevados com títulos de curto e longo prazo. Além disso, o comportamento irregular da economia americana (com alguns setores em recessão e outros, em pleno crescimento) e um mercado de ações sem grandes ganhos, mas equilibrado, após oscilações.
Do outro, na América Latina (o Brasil, em especial), a política monetária bem-sucedida dos BCs, iniciando antes dos países do Primeiro Mundo o fim do ciclo de alta de juros, facilitou a entrada de fluxos de capital e do investimento direto. A renda fixa, por sinal, foi um grande atrativo de aplicação financeira, mostrando-se atraente para o investidor externo.
Neste cenário, por que o investidor americano está agora preferindo manter seu dinheiro nos EUA e não aproveitar a América Latina, mais “barata”? A resposta reside na opção títulos-ações nos EUA por investidores, que contaram com uma mãozinha na estratégia do Fed de manter juros altos, mas sem enxugar o mercado de trabalho.
Esse foi o enfoque da mesa redonda trimestral "Private em Latam" promovida pelo Citibank na terça-feira, 10 de outubro, com a participação de David Bailin, diretor de investimentos (CIO) do Citi Global Wealth (CGW) com veículos selecionados de imprensa latino-americanos, incluindo o NeoFeed.
Como CIO, Bailin é responsável pela formulação da estratégia de investimento da CGW e fornece informações importantes sobre mercados globais, economia e classes de ativos. Em sua apresentação, chamou a atenção sua análise de como a política monetária restritiva do Fed, visando reduzir a inflação, acabou causando efeitos inesperados nos últimos dois meses, após uma série de episódios igualmente inusuais na economia americana e global desde a pandemia. Uma visão compartilhada por outros economistas, como Fabio Kanczuk, da Asa Investments, alertou em entrevista ao NeoFeed.
“É interessante como o crescimento do PIB dos EUA é muito modesto e o avanço e resiliência do mercado de trabalho é muito forte, essas duas situações juntas são incomuns”, disse Bailin. “Tudo isso teve efeitos na economia que não avaliamos totalmente, mas provavelmente levará a uma normalização em 2024.”
Entre os fatos está a derrubada da tese da inversão da curva de rendimento. É um fenômeno visto no mercado de títulos no qual as taxas de juros sobre os papeis de prazo mais longo caem abaixo dos juros sobre os papéis de prazo mais curto, servindo como alerta de que uma recessão está a caminho.
“A curva de rendimentos está invertida há mais de 14 meses e não temos uma recessão clara”, observa, citando o motivo: parte da economia, incluindo indústria manufatureira e mercado imobiliário, está em recessão; enquanto outra parte, como o setor de serviços e viagens, está aquecida.
De acordo com Bailin, os EUA vivem uma “recessão contínua”, a que atribui ao padrão de aperto monetário em que o Fed estava se movendo agressivamente para conter a inflação até meses atrás.
A grande oscilação do mercado de ações nos EUA mereceu uma reflexão à parte, que ajuda a entender sua estimativa que a economia americana tende a avançar em 2024. Depois da queda de 22% no índice da S&P 500 no ano passado, o mercado decolou no primeiro semestre com a valorização de sete empresas tech, cujas ações voltaram a cair.
Segundo ele, com a queda recente da inflação, o mercado tende a uma melhora. “Você vê uma inflação mais baixa, balanços empresariais muito fortes, com pouca dívida que precisa de ser refinanciada em 2024”, diz. “As ações estão em baixa, o que é bom para o crescimento futuro.”
Paralelo com América Latina
Bailin citou dois fatores que alavancaram a recuperação pós-pandemia dos países da América Latina. Um deles foi a política monetária dos BCs da região, que elevaram e começaram a cortar primeiro os juros durante o ciclo inflacionário.
“O Brasil foi muito eficaz em antecipar os acontecimentos do ano, e o resultado disso foram os ganhos realmente atraentes do mercado de renda fixa, em comparação ao acionário”, afirma o CIO do Citi Global Wealth.
Embora a América Latina em geral está “barata” para o investidor externo, Bailin observa que a perspectiva de taxas mais altas por mais tempo nos EUA “segura” a saída de capital para a região.
“As taxas de juros de curto prazo subiram cinco-pontos base e quando as taxas de juros de longo prazo atingiram a 35 pontos-base, toda a curva mudou”, diz. Nesse aspecto, Bailin vê dois fatores influindo a expectativa de recuperação da economia americana por parte do investidor: a mão do Fed em manter a inflação modesta e o crescimento do emprego, ou seja, um mix que não é contracionista nem expansionista.
Segundo ele, é muito difícil fazer com que um cliente nos EUA hoje abandone as taxas de curto prazo, que são de 5%, para o intervalo de longo prazo, que é de 5,5% no momento. “Se eles (investidores) acham que a inflação está atingindo o pico, deveriam comprar títulos intermediários hoje, e não estão”, diz. “Então, estão segurando dinheiro.”
Essa seria uma explicação para o investidor não migrar atualmente para a América Latina. A outra é o mercado de ações. Segundo ele, o mercado acionário na Nasdaq está estável, mesmo assim não há grande procura por ações. “Portanto, o diferencial de avaliação não é suficientemente convincente para que os investidores migrem para outro país”, diz.
Para reforçar o binômio títulos-ações nos EUA como grande vilão para bloquear a migração de investidores para a América Latina, Bailin cita uma estatística impressionante ao abordar as alocações de portfólios – as carteiras de investimentos tradicionais nos EUA , que dividem os recursos em duas principais classes de ativos: 60% em renda variável e 40% em renda fixa.
Segundo ele, apenas duas vezes nos últimos cem anos (em 1931 e 1969) os mercados de ações e de títulos caíram ao mesmo tempo. Este ano, houve as maiores posições vendidas em ações ("apostas certas contra alguns ativos"), em janeiro. Mais recentemente, ocorreram as maiores posições vendidas em títulos do Tesouro, de US$ 1 trilhão.
“Existem as condições prévias para que as ações e os títulos tenham um melhor desempenho no médio prazo, o que seria um catalisador para manter os investimentos nos EUA”, finaliza.