Milton Maluhy Filho recebeu uma ligação de Pedro Moreira Salles, copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, para ir almoçar na sede da BW, o family office dos Moreira Salles. “O Pedro me convidou e inventou cinco razões para aquele almoço, todas elas fake news”, relembra Maluhy, ao NeoFeed, sobre o episódio que aconteceu em 2021.

Quando chegou lá, Maluhy se deparou com Moreira Salles e Roberto Setubal, também copresidente do conselho de administração do banco. Ambos de máscara, ainda em tempos de pandemia. Mal cumprimentou-os, Pedro soltou para ele: “you are the man!”. Ao mesmo tempo, Setubal, aquiesceu afirmativamente movimentando a cabeça num tom de “é isso mesmo”.

Assim foi a “coroação” de Maluhy como CEO do maior banco privado do Brasil, uma história pela primeira vez contada por ele em entrevista ao NeoFeed. Em seguida, ambos almoçaram, mas Maluhy preferiu ficar apenas no copo de água para digerir a notícia. No início, euforia. Depois, um choque de realidade: era preciso mover o colosso com mais de 100 mil funcionários com agilidade.

“Quando alguém passa o bastão para você e diz ‘ah, agora é com você mesmo’, não precisa falar mais nada”, diz Maluhy. Desde então, o executivo tem imprimido uma agenda de mudança cultural no banco com R$ 2,5 trilhões em ativos, uma carteira de crédito de R$ 1,15 trilhão e valor de mercado de R$ 251,3 bilhões.

Ele aumentou o número de cadeiras no comitê executivo, diminuiu as cadeias hierárquicas, quebrou silos e mudou a forma do banco funcionar colocando mais de 20 mil pessoas nos métodos de sistema ágil. O processo, diz Maluhy, ainda não terminou, ainda há muito a ser feito. Mas está no caminho. E isso tem se traduzido em números.

Nos últimos trimestres, o banco tem apresentado recordes atrás de recordes. No primeiro semestre desse ano, por exemplo, o Itaú Unibanco apresentou um lucro líquido contábil de R$ 16,5 bilhões – 13,1% a mais do que no mesmo período do ano passado.

Nesta entrevista exclusiva ao NeoFeed, Maluhy fala sobre a mudança cultural, os negócios do banco, a crise de crédito nas empresas, competição com fintechs, plataformas de investimentos, rentabilidade, as discussões sobre o rotativo do cartão de crédito, o projeto que pode afetar a questão do juros sobre capital próprio, a internacionalização do Itaú e muito mais. Acompanhe os principais trechos:

O banco mudou muito desde a sua chegada e isso é visível no mercado. Como aconteceu essa transformação cultural?
Eu vejo o banco como uma grande corrida de bastão na qual a gente faz a sucessão do CEO. Mas você precisa saber passar do bastão na hora certa e possivelmente na melhor posição possível. Só que é um jogo infinito, diferente de uma corrida que tem começo, meio e fim. Ano que vem a gente completa 100 anos como um jogo infinito. Não é o próximo trimestre, o próximo ano, não são os próximos três anos. São os próximos 200 anos, 300 anos. Então, essa coisa da passagem de bastão é muito relevante porque eu realmente acredito em continuidade e, dependendo do trecho em que você vai correr, você tem um perfil diferente.

Mas não é fácil mudar...
Acho que o banco soube identificar o momento de fazer a transição e talvez o momento de mudar o perfil da liderança da organização. E o perfil que nos trouxe até aquele momento foi mais do que adequado para o que a gente viveu. Então, eu acho que não tem um one man show, não acredito nisso. O Roberto (Roberto Setubal) teve um papel gigante na organização e ficou 23 anos como CEO. O Roberto se reinventou quantas vezes ao longo de 23 anos? O Cândido fez um trabalho superimportante de transição com a saída do Roberto. Teve aí um mandato de quase quatro anos, bastante tempo, e acho que souberam escolher dadas as alternativas que tinham, menos olhando para trás e mais olhando para frente.

Qual foi a principal mensagem?
Quando o Pedro (Pedro Moreira Salles) falou “you are the man” foi a mensagem mais forte que eu poderia ter recebido do tipo ‘cara, é com você!’. Eu acho que a nossa cultura é muito forte de performance, de entrega, de resultado... Quando alguém passa o bastão para você e diz ‘ah, agora é com você mesmo’, não precisa falar mais nada. A guerra é sua, você é o general.

“Parte do que fizemos foi desconstruir o que os próprios Pedro, Roberto e Cândido tinham construído”

O que tem sido decisivo nessa guerra?
O passo número um foi o apoio do conselho. E o apoio não foi só na decisão da escolha. Parte do que fizemos foi desconstruir o que os próprios Pedro, Roberto e Cândido tinham construído. E nunca recebi uma ligação do tipo, ‘eu que fiz isso, não deveria mexer’. Sempre foram conselhos com olhar prospectivo, nunca de defesa de propriedade intelectual. E isso é incrível.

Qual foi a principal mudança?
Eu acho que a principal mudança foi cultural, porque, se você for olhar, o plano de transformação digital já era algo que a gente vinha conversando há algum tempo e já estava iniciado. O banco sempre teve um know how muito forte de gestão de riscos e finanças. A visão de cliente, essa questão do NPS, já estava sendo discutida. Mas precisávamos mudar a forma de interpretar as dores do cliente numa velocidade maior.

Como?
A gente precisava aumentar o nível de empoderamento da organização. A gente precisava ganhar velocidade e tração para reagir mais rápido às demandas externas e internas. A gente precisava criar um grupo e criar um ambiente muito mais coeso em que conseguiríamos canalizar toda energia para fora, para o cliente. Então, quebrar os silos internos, o ‘vamos de turma’, que é um dos pilares da nossa cultura, era muito importante naquele momento. Eu entendia que precisava garantir que a gente estava investindo certo, na velocidade certa, nos negócios corretos, no seu tempo. E que a transformação cultural era vital para esse processo dar certo. Na minha cabeça, esse era o tema central.

“Eu entendia que precisava garantir que a gente estava investindo certo, na velocidade certa, nos negócios corretos, no seu tempo”

A mudança foi mais rápida do que você imaginava?
A gente começou um estudo de cultura. 90% das pessoas do banco que responderam à pesquisa reforçaram que o banco realmente precisava passar por uma transformação cultural. Quando você entra num lugar em que o solo é fértil, sua capacidade de plantar de colher é maior. Não tinha resistência. Cultura é um diferencial competitivo, é a capacidade de atrair, reter e de entregar um banco melhor para o cliente. O título CEO pode ser Chief Executive Officer ou pode ser Culture Executive Officer.

E você é o quê?
Eu acho que eu sou muito Culture Executive Officer porque, no final, o exemplo vem de cima. Não adianta você ter seis declarações lá, pilares de cultura, e no final do dia você tomar decisões que são incoerentes com o que está escrito ou você não explicar por que você está tomando a decisão e voltar sempre nos pilares da cultura. Então, a gente fez com que essa cultura saísse de um slide de declaração de intencionalidade para que a gente passasse a viver aquilo que está de fato na nossa cultura.

Por exemplo...
Todos os incentivos do banco e as avaliações dos executivos são baseados na cultura nova, que a gente chama de cultura itubers.

“Eu acho que eu sou muito Culture Executive Officer porque, no final, o exemplo vem de cima”

Mas isso não é algo que se muda com um clique, não?
Tá sendo mais rápido do que a gente imaginava, mas ainda estamos no 20% da jornada.

Quais são os grandes pilares dessa nova cultura?
Vamos de turma, a gente quer diversidade e inclusão, a gente trabalha para o cliente, ética é inegociável, a gente é movido por resultado e a gente não sabe tudo. E essa é superimportante.

Por quê?
Porque quando você é líder de um segmento e quando você tem uma história de sucesso, você corre um risco gigante de ter ponto cego e achar que você tem todas as respostas. Apesar da história da performance passada, ela não é garantia de performance futura. O mundo está mudando numa velocidade que, se a gente não se abrir para o mundo, a gente vai ficar fechado com as nossas próprias ideias. Então, precisamos abrir a cabeça, olhar para fora, aprender, estudar, olhar para os concorrentes com o pé no chão, respeitar o que os nossos concorrentes estão fazendo. Tem gente fazendo coisas melhores do que a gente e precisamos ser rápidos para fechar o gap ou para fazer melhor.

“Tem gente fazendo coisas melhores do que a gente e precisamos ser rápidos para fechar o gap ou para fazer melhor”

Aliás, você criou um problema para você porque trimestre atrás de trimestre o banco vem batendo recorde. É um problema bom, mas como manter esse ritmo?
O crescimento do resultado esse ano em relação ao ano passado mostra o banco rodando acima de 20% de rentabilidade. Agora, como eu disse, é um jogo infinito, então a gente não dá nenhum tipo de guidance prospectivo mais longo do que o próprio ano. Eu acho que a gente vem conseguindo entregar um nível de resultado melhor, sobretudo, aumentando o nível de engajamento dos nossos clientes. A gente fechou um gap relevante naqueles negócios onde havia uma brecha em relação aos novos entrantes e, na medida que eles vão ficando mais complexos e saem de uma jornada única, esses concorrentes também vão perdendo pontos no NPS.

Quais são os gaps?
Quando você se propõe a fazer uma experiência única em cartão de crédito e você só tem aquele produto, você foca todo o seu esforço naquela jornada. Naturalmente, a jornada do incumbente, como ele é multiproduto, tende a não ser exatamente a mesma experiência. Então, tinha um gap de experiência do nosso lado, tinha um gap de plataforma. Se você não tem uma plataforma que você consegue mudar os features da noite para o dia ou levar para a produção, tem um gap. A gente levava para produção de tecnologia 1 mil eventos por mês. Agora, estamos levando 13 mil por mês.

O que fez o banco acelerar dessa forma?
A pandemia ajudou a gente a acelerar muito a velocidade de migração dos produtos para os canais digitais. Fizemos uma revisão brutal da jornada, a gente mudou a forma de trabalho, viemos para o método ágil. Temos 20 mil pessoas hoje trabalhando em comunidades integradas, em que os ciclos de produção de solução são muito curtos. Você tem a plataforma, você tem um entendimento, você leva para produção, testa, erra, aprende, corrige, funcionou, aumenta a base, deploy, aumenta o volume de clientes. Então a gente construiu uma capacidade de produção com agilidade, com qualidade tecnológica.

“A gente levava para produção de tecnologia 1 mil eventos por mês. Agora, estamos levando 13 mil por mês”

Você falou que o engajamento dos clientes melhorou. Você quer dizer cross sell?
No fundo, mais e mais, vai ser um jogo de principalidade. Você pode ser monoproduto, mas todo cliente tem um banco principal. Ele pode até ter seis produtos diferentes. Investe aqui, investe ali, mas tem o banco do dia-a-dia dele, onde ele tem o cartão, onde ele paga as contas, onde ele recebe o salário, onde ele tem principalidade. O que a gente vem conseguindo fazer é crescer a nossa base de clientes engajados. Eu sei dizer que nível de engajamento o cliente tem com organização.

O que isso traz para o banco?
Cada ponto percentual a mais de engajamento significa R$ 1 bilhão a mais de receita para a organização. Então, essa coisa de que você tem que fazer uma escolha entre resultado e satisfação de cliente é uma falácia, pois você foca no cliente com modelos de negócios que são sustentáveis para o cliente e para o banco. É muito importante também o portfólio que a gente construiu ao longo dos anos. É isso que está dando sustentação para o resultado do banco. A gente trabalha da grande corporação até o pequeno cliente, da pessoa física. Mas por que o banco está conseguindo tal performance? Porque a gente montou um portfólio muito equilibrado em que, no momento que alguns portfólios sofrem mais com a inadimplência ou com a inflação, como o cartão de crédito, a gente tem um outro segmento do atacado, onde a gente lidera em todos os rankings, os vários negócios.

Um compensa o outro?
Sim, o banco se permite ter uma performance pior em um negócio porque tem uma compensação sendo feita do outro lado. E, no momento que este segmento passa por um momento mais difícil, um outro segmento pode estar tendo uma performance destacada naquele ano. Então, é esse balanceamento do portfólio, da grande corporação até a pequena pessoa física e pessoa jurídica, que tem feito com que a gente navegue muito bem.

“Cada ponto percentual a mais de engajamento significa R$ 1 bilhão a mais de receita para a organização”

Você acha que o banco perdeu o bonde nessa disputa das plataformas de investimentos?
Não perdemos o bonde, mas pegamos atrasado. Lá atrás a gente tinha feito um deal para comprar o controle da XP. O Banco Central não aprovou, o Cade aprovou e o banco tomou a decisão de que a gente deveria investir na nossa própria operação, independentemente do investimento que tinha sido feito naquele momento. Então a gente virou acionista financeiro da XP no modelo que foi feito, mas que o banco teria e tinha obrigação de ter essa musculatura bem desenvolvida. Acho que a gente chegou tarde. Sem dúvida nenhuma, perdemos uma oportunidade no nascedouro. Não soubemos ler ou achamos que naquele momento não ia ser relevante. Mas a gente não sabe tudo. Então, foi importante olhar e falar ‘opa, pera aí, a gente precisa rever nossa estratégia e no momento certo fizemos a revisão.

O que mudou hoje?
Hoje a gente tem uma estrutura de investimento superforte, que é o íon, que tem mais de 2 mil assessores de investimentos dedicados, uma plataforma completamente remodelada, produtos que a gente não tinha e ofertas que a gente precisava ter. Desde produtos muito simples de mini-contratos de bolsa que você poderia negociar, passando por produtos de investimento, tendo uma prateleira, uma curadoria muito melhor. Só que aí eu acho que vem a vantagem de você ser um ‘late coming’. Nenhum dos nossos assessores de investimentos é medido pelo produto que ele vende e a gente vê que o modelo externo é muito diferente.

De que forma?
Existe ainda o incentivo pelo produto. Tem o dia do produto tal, o dia daquele outro produto que dá mais rentabilidade, que dá menos, que gera um conflito natural, porque todos são escritórios, têm lá o seu desafio. O que a gente acredita no nosso modelo é que, quando você dá um incentivo para que o teu assessor, ele tem salário, quer dizer, portanto, ele não vive exclusivamente da performance da carteira e você atrela a performance dele a remuneração da carteira a performance do teu executivo, ele acabou de virar sócio do cliente.

“Sem dúvida nenhuma, perdemos uma oportunidade no nascedouro (das plataformas de investimento). Não soubemos ler ou achamos que naquele momento não ia ser relevante. Mas a gente não sabe tudo”

Você diz que ele ganha mais se o cliente também ganhar...
Se a carteira do cliente não performa bem, ele também não vai performar. Essa é a vantagem de ser um full bank. Você pode construir soluções realmente olhando para o cliente sem nenhum conflito entre o incentivo e o que você espera do cliente do outro lado. Acho que a gente conseguiu colocar o ovo em pé e foi uma mudança de paradigma.

O banco vai conseguir fazer o íon ganhar tração?
A gente reduziu de forma substancial a perda de volume para nova concorrência. Teve uma redução grande que tem dois efeitos: tem um pouco de vento a favor, que são os juros, nos níveis mais altos acabam retendo recursos. Mas toda a revisão de produto, plataforma, modelo de atendimento, fez uma diferença muito grande. E a gente não tem só 2 mil assessores. Temos que considerar todos os outros gerentes que a gente tem no Personnalité e no Uniclass, que também falam de investimento com os seus clientes. Então, não é que a gente só fala através do assessor.

Não tem uma bala de prata...
O assessor é exclusivo, mas a gente tem inúmeros clientes que são atendidos pelos próprios gerentes e que são atendidos por autosserviço. Tem clientes que nem querem uma assessoria. Eles querem por autosserviço. Então, o que a gente precisa oferecer para cada perfil de cliente é o produto certo, no canal certo, na experiência que o cliente está buscando. Hoje a gente consegue ter uma penetração muito grande. O fato de o modelo de incentivo estar bem alinhado tem feito com que a gente ganhe market share e a gente tem ganhado market share em todos os segmentos: do private, que é o mais alta renda, até o varejo. O que mostra que você pode até perder para um concorrente ou outro ainda, mas em patamares muito inferiores do que já foi no passado. Então, para você zerar e virar positivo, você precisa passar pelo menor negativo antes. A gente vem reduzindo para poder zerar e virar esse jogo no médio e no longo prazos. Acho que a gente tem total condições de fazer e ganhar share de outros players que estão no mercado também. Então, no fundo, o mercado é muito mais amplo do que só a nova concorrência.

O Nubank mostrou recentemente que o ROE dele no Brasil é de 40% e afirma que o custo de servir deles é mais barato. O que o Itaú pode fazer para melhorar o ROE atual, que já é alto?
Eu acho que isso tem que ser olhado de vários ângulos. Primeiro, somos um full bank, então a gente tem vários negócios e muito diversos. Temos desde grandes corporações, passando pelo comercial banking, pela asset management, pelo private, pela tesouraria, por toda a mesa de distribuição de produtos derivativos, investimentos. Temos bancos na América Latina, é uma carteira relevante que a gente tem fora do Brasil. Depois, temos o varejo inteiro, tem o negócio de PJ, o negócio de PF, tem toda a seguradora. Então a gente precisa comparar comparáveis. Se eu fizer um substrato de algum negócio e te mostrar uma rentabilidade de 40%, e tem negócios nossos que tem rentabilidade de 40%, se eu fosse só aquele negócio, provavelmente eu teria um ROE de 40% não escalável. Então o que precisa ser visto é que temos uma operação diversa, com uma carteira de crédito de R$ 1,2 trilhão e com patrimônio de mais de R$ 150 bilhões. Esse é o capital que tem que ser rentabilizado.

“Temos uma operação diversa, com uma carteira de crédito de R$ 1,2 trilhão e com patrimônio de mais de R$ 150 bilhões. Esse é o capital que tem que ser rentabilizado”

Outro jogo?
É um nível de desafio completamente diferente. A outra coisa é que, quando você tem uma carteira de crédito do tamanho da nossa, você tende a ter um ROE que puxa mais para custo de capital porque o crédito é uma alavanca importante, mas a criação de valor não vem do crédito. A criação de valor vem da principalidade, vem de todo o resto que você gera através do crédito. Então é o que você gera em seguros, o que você gera em cash management, o que você gera em câmbio, o que você gera em derivativos, o que você gera em investimentos, o que gera no dia-a-dia do cliente, o que você gera na transacionalidade. Isso é o que gera cross sell para organização. É isso o que gera a criação de valor para o acionista.

Então não dá para esperar um ROE de 40%...
Quando a gente divulga nosso modelo de negócio, você vai ver que o crédito tem um retorno muito próximo do custo de capital historicamente. O que cria valor, de fato, é toda a nossa agenda de serviços e seguros, que é o que você consegue ter com o cliente através do crédito. É por isso que o nosso ROE dificilmente será muito superior aos números que a gente vê por que você tem um custo capital alto. O que a gente olha é criação de valor. Mais importante para a gente não é o nível de ROE, mas é a diferença entre o resultado gerado pelo banco e o custo de capital. Esse é o mantra na organização: criação de valor. Todos nós somos medidos por criação de valor com peso maior do que pelo resultado. Foi o quanto eu criei de valor para o acionista além do custo capital do acionista.

Mas o mercado cobra esse ROE mais alto. Não cobra?
Sem dúvida que cobra, porque, quando ele faz um valuation, ele precisa levar em consideração que rentabilidade futura você vai ter, que dividendo e que nível de capital você vai ter para fazer o seu valuation. Como o banco é muito grande e chegou a este tamanho, no fundo eu acho que o mercado olha muito mais pela sustentabilidade da rentabilidade no longo prazo. É mais um play de valor do que um play de crescimento. Mas a nossa visão é que ainda há espaço para crescimento. Portanto, a gente vê em todos os negócios que, independentemente da posição de liderança que a gente ocupe, tem espaço para crescer. É óbvio que, dado a posição que a gente já tem, o crescimento marginal é sempre mais difícil do que um negócio que você está abrindo do zero a crescer. Mas ainda assim a gente vê, que numa velocidade diferente, a gente ainda tem entregado growth para o nosso cliente. É growth e value, uma combinação dos dois.

“Como o banco é muito grande e chegou a este tamanho, no fundo eu acho que o mercado olha muito mais pela sustentabilidade da rentabilidade no longo prazo”

Qual é a sua perspectiva para o Brasil?
A nossa visão Brasil é a de que esse vai ser um ano de crescimento próximo de 3%, que é um bom crescimento. Naturalmente, é importante olhar o crescimento por dentro e ver de onde ele está vindo. O agro tem tido cada vez mais um papel muito relevante e a gente realmente acredita. Tanto que o agro virou para o banco um dos maiores negócios. Temos realmente visto uma economia pujante, muito forte. O agro deve crescer 12% neste ano. Tem a ver com ciclos de commodity, mas a gente olha o agro expandido, que não é só o produtor, mas é toda a cadeia. Agora, para frente, tem desafios.

Quais?
O Brasil tem o desafio do arcabouço, tem todo esse debate dos objetivos fiscais. Vemos um gasto real relativamente contratado. Acho que o Ministério da Fazenda, o governo, tem colocado objetivos de médio e longo prazos para o déficit. É importante que isso seja feito sem uma oneração desproporcional à própria economia, porque, no final, você pode até ter um resultado melhor de curto prazo, mas volta para o ponto original do crescimento e a capacidade de crescimento sustentável no longo prazo. A gente precisa ter algo muito equilibrado para não tentar marcar um objetivo sem hipotecar o futuro. Assim como eu decido e tomo decisões aqui no banco.

O que você quer dizer com isso?
A gente está sempre discutindo a agenda de custos do banco. Como é que eu gosto de olhar a comparação que eu faço imediato. A gente gere o banco por eficiência e não por custo ou receita. Então, a gente olha a combinação dos dois. Eu preciso entregar a receita, eu preciso gerar receita com menos custo. No fundo, essa é a lógica e a gente está rodando em patamares benchmarks internacionais abaixo de 40%. Eu acho que todo país, toda empresa, tem que fazer essa lição de como é que você trabalha a receita, mas como é que você ajusta o custo também para que você tenha um índice de eficiência melhor e você gere condições para aumentar a produtividade, aumentar o investimento, capital estrangeiro. O investimento privado é 20 vezes maior do que o investimento público na economia. Então, quanto mais condições você criar, mais investimento virá, mais o país vai prosperar num mundo super globalizado, em que você não está competindo só na indústria local, está competindo com corporações do mundo inteiro, com outras geografias.

“O agro virou para o banco um dos maiores negócios. Temos realmente visto uma economia pujante, muito forte. O agro deve crescer 12% neste ano”

Então tem muita coisa para ser feita, não?
A nossa visão é que tem sim lição de casa para ser feita. Acho que a meta de inflação foi importante, ter sido definida naquele patamar e isso abriu espaço para a redução de juros. O arcabouço tem um papel importante, mas o desafio continua sendo do lado do gasto, para que a gente não incorra em receitas desproporcionais, de curto prazo, que vão hipotecar ou criar menos condições para o crescimento, aumento da produtividade. Precisamos voltar a falar de crescimento, voltar a falar de produtividade, falar mais de eficiência e de como é que a gente combina as duas coisas.

Falando em gastos, como está a questão da inadimplência?
O mercado de crédito pessoa física está estabilizando. Acho que o banco fez uma estabilização já logo no início do ano nos indicadores de atraso, mas o atraso na pessoa física continuou crescendo no sistema como um todo. Isso tem relação direta com o nível de inflação. É o pior imposto que existe para as classes menos favorecidas, principalmente. E teve uma sobre oferta do produto de cartão de crédito no mercado ao longo dos últimos anos. Nesta lógica de que para você ter um cartão ou experiência digital, você pode abrir dez ou 12 contas no mesmo dia e sem nenhum custo, sem anuidade. Então, no final do dia, o cliente tem dez cartões e vai usando à medida que faça sentido. Uma pessoa física tinha 1,9 cartão por CPF e hoje tem quatro na média.

Foi um exagero?
Isso mostra uma baixa educação financeira porque o produto, do jeito que ele está desenhado hoje, não é um de financiamento ao consumo e nem para as pessoas se financiarem, ele é um meio de pagamento. Só que ele é oneroso no momento que o cliente realmente precisa se financiar através dele. A gente viu esse portfólio sofrendo muito e como quase todos os newcomers entraram com o cartão de crédito como o primeiro produto acabaram passando por momentos difíceis de inadimplência. Mas houve excessos de concessão e o comprometimento das famílias cresceu muito nesse período. Estamos vendo uma estabilização, ainda num patamar alto, mas o principal ofensor foi o cartão de crédito. Existe essa falsa sensação de que o cartão é um amigo.

“Precisamos (o Brasil) voltar a falar de crescimento, voltar a falar de produtividade, falar mais de eficiência e de como é que a gente combina as duas coisas”

No mercado PJ, vimos o caso Americanas, a Light, agora a Credz. Também há um problema aí...
Não achamos que ia ter um credit crunch. Agora, temos que lembrar que o movimento de juros foi muito relevante. A gente saiu de juros de 2%, tanto na queda como na alta, foi muito rápido. Muitas empresas não estavam preparadas para isso. E por que não estavam preparadas? Porque as companhias, em geral, de média para grande, não captam recursos pré-fixados. Elas tomam dinheiro em CDI mais alguma coisa. Então, a transmissão para a despesa financeira foi imediata. No momento em que o juros começa a subir, o CDI vai subindo. E esse processo foi muito rápido. Então, eu diria que aqui tem um misto de velocidade com a qual o ajuste foi feito e foi feito na velocidade que tinha que ser feito.

Por que você acha isso?
Porque a inflação é o pior imposto que existe. O Brasil até se antecipou no ciclo e foi o primeiro país depois a começar a reduzir. Então, dos dois lados, fez a lição de casa. O Banco Central fez a lição de casa no processo, tanto de redução, que era necessário naquele momento, como no momento de aumento de taxa, e agora começa a reduzir de novo. E alguns negócios que tinham um nível de alavancagem muito alto se mostraram insustentáveis para esse nível de juros. Agora, o vilão não é só juros.

Qual é o vilão?
O vilão é o nível de endividamento de algumas companhias. Você não pode gerir o teu negócio com o nível de alavancagem desproporcional porque o juros depende de uma série de fatores que não estão sob o seu controle e você precisa gerir o seu negócio tomando cuidado porque eventos de cauda acontecem. E, nesse caso, nem acho que o evento de qual do mundo inteiro está fazendo um aperto monetário. Algumas companhias acabaram entrando neste momento de aumento de juros com um nível de alavancagem muito alto.

“Algumas companhias acabaram entrando neste momento de aumento de juros com um nível de alavancagem muito alto”

Mas o caso da Americanas é diferente...
O caso da Americanas é uma fraude. Mas por que apareceu ou por que a situação ficou insustentável? Porque, no final do dia, a alavancagem da companhia estava num patamar muito alto. Com os juros subindo, naturalmente o problema ficou mais evidente. Se o juros ficasse muito mais baixo por um período mais longo, esse problema não teria aparecido.

Falando ainda de crédito, há uma grande discussão sobre o limite para o rotativo do cartão de crédito. Como o banco está se posicionando?
A gente tem discutido bastante sobre esse assunto. Nós, bancos, estamos dos dois lados da cadeia, somos emissores e somos o adquirente. Portanto, estamos sem conflito para liderar o debate. O objetivo central nessa discussão é o seguinte: fomos nós que inventamos os parcelamentos, acreditamos muito que o parcelamento é importante, a gente precisa encontrar uma solução que seja sustentável no longo prazo para as famílias. Como a gente vê, o cartão de crédito foi o que mais impactou o comprometimento de renda e o nível de alavancagem das famílias. Então, a gente realmente precisa trabalhar para encontrar uma solução, sair de um equilíbrio instável para um equilíbrio estável de longo prazo, visando uma jornada muito melhor em condições de taxas muito mais competitivas para o consumidor na ponta e para os lojistas. É isso que a gente defende e acredita. Esse é um debate que vai começar a acontecer agora.

O que você espera?
O projeto foi sancionado, o Banco Central e o CMN vão, enfim, fazer os seus debates. Acho que eles devem ouvir a todos, como sempre, escutar as várias visões. O que a gente defende é uma saída sustentável no melhor interesse do consumidor para que esses parcelamentos continuem existindo, para que a gente crie um mercado de financiamento ao consumo no chassi do cartão de crédito e não use o cartão. Porque o cartão hoje ele é ou um meio de pagamento ou ele é um financiamento muito caro e pouco sustentável. Uma coisa é você passar pelo rotativo, outra coisa você se financiar no longo prazo, nas condições atuais.

“A gente acredita que existe um mercado para ser criado no cartão de crédito, de financiamento ao consumo, em condições muito melhores do que as que estão estabelecidas hoje”

A ideia seria criar um novo financiamento dentro do cartão de crédito?
A gente acredita que existe um mercado para ser criado no cartão de crédito, de financiamento ao consumo, em condições muito melhores do que as que estão estabelecidas hoje. E é isso que a gente quer, aumentar o parcelamento, educação financeira e criar condições muito mais competitivas, com taxas muito mais baixas, para que os clientes possam ter uma oferta de valor muito melhor na ponta em que a gente faça do cartão de crédito um meio de pagamento e uma plataforma de financiamento ao consumo.

Mas há uma guerra de narrativa e as fintechs estão dizendo que os bancos querem acabar com o parcelamento sem juros...
A guerra narrativa sempre vai existir. A gente fica muito tranquilo é que tudo aquilo que a gente leva, apresenta e mostra tem uma técnica. Não queremos atacar ninguém, queremos sair como a solução de longo prazo. E a gente está olhando os próximos 100 anos e não os próximos três períodos de resultado. Então, os incentivos são diferentes. Talvez existam agentes preocupados com o resultado do próximo trimestre e se o modelo de negócio vai fazer sentido no médio e no longo prazos. A gente está preocupado com o consumidor, com a ponta, porque o parcelado sem juros, a bem da verdade, tem juros, está embutido na mercadoria. O que a gente acredita, de fato, é que existe um modelo de transição e precisa ser muito debatido e o regulador é soberano para decidir por qual caminho ele quer seguir, que melhora as condições e reduza o nível de alavancagem.

E a questão dos juros sobre o capital próprio?
Aparentemente, houve uma discussão se entraria ou não no projeto de lei do próprio ReFamília e do próprio cartão de crédito. Essa discussão depois foi para a tributação de fundos offshore, se entraria lá, e decidiram no final que não, que é um assunto muito complexo. Acho que não dá para se resolver em 24 horas, 48 horas, então acho acertada a decisão de não colocar agora para votação sem um grande debate com todos os agentes de mercado. O próprio secretário do governo, o Dario, tem dito e o próprio ministro Haddad, o secretário da Receita Federal, que tem algumas atividades no país que são reguladas. O capital é regulatório. Primeiro, os bancos retêm um nível de capital porque é regulatório, você precisa ter para ter a carteira de crédito que a gente tem. E, dois, para você crescer o seu negócio, você precisa de capital. Então, esta é a razão do nível de capitalização dos bancos ser muito alto. Não é um planejamento tributário, é uma questão regulatória.

O banco, ao longo dos anos foi crescendo também, fazendo aquisições. Recentemente também fez uma aquisição da Avenue, na área de investimento internacional que está crescendo muito. Há outras aquisições no horizonte?
Eu acho que olhar é algo contínuo, estamos sempre atentos a tudo o que tem no mercado. Isso é da natureza e do DNA. A Avenue é mais um investimento e um reforço da nossa oferta de valor. É produto, é plataforma, é solução. A Avenue vem coroar esse processo. Ainda não foi aprovado pelo Banco Central. Eu diria que essa visão associativa é uma visão constante, é do DNA da organização. Se você olhar nossa história, a própria fusão que aconteceu lá em 2008 (Itaú e Unibanco) foi a maior fusão que já aconteceu no setor financeiro brasileiro. Nascemos e ficamos do tamanho que somos, através de uma fusão. Portanto, a gente está o tempo inteiro olhando para fora. Então isso vale para o Brasil. Na América Latina, a gente não tem interesse em ampliar com aquisições relevantes, comprar novos bancos fora do Brasil.

“Na América Latina, a gente não tem interesse em ampliar com aquisições relevantes, comprar novos bancos fora do Brasil”

O Itaú está há muitos anos em outros países da América Latina e aí a gente vê um Nubank chegando na Colômbia, no México, numa menor escala do que é o Itaú. Mas o Nubank se vende hoje como uma fintech internacional que já tem presença em outros países. Como é que você vê a posição do Itaú nesse segmento internacional?
No nosso setor, no Brasil, somos o banco mais internacional que tem pela relevância e tamanho das operações. A gente vai sempre olhar para cada geografia e entender o tamanho da oportunidade, o ativo, qual é a proposta de valor, se a gente consegue ou não ser competitivo e, no fundo, exportar cultura e exportar modelo de gestão, exportar valores, forma de lidar com cliente. Isso é algo que a gente quer fazer e tem feito em todas as operações fora do Brasil. Eu acho que a gente está no melhor momento.

Por quê?
O Chile chegou na maturidade, está entregando resultados que a gente gostaria, num ciclo um pouco mais longo, mas chegamos em resultados bastante sólidos. Colômbia é o país onde a gente tem uma operação subscale, então, por maior que seja o esforço do time, sempre há um desafio rentabilizar. O setor tem o nível de rentabilidade mais baixo e o nosso banco que perde dinheiro no varejo. O que a gente está sempre olhando é se tem alguma outra forma de fazer, digitalizando cada vez mais o banco, ajustando a estrutura, melhorando a proposta de valor.

O Itaú saiu da Argentina...
Na Argentina, a gente tomou a decisão de sair, vendemos a nossa operação e ainda está em processo de aprovação pelo Banco Central argentino. É uma operação pequena, mas a gente vai continuar operando com grandes clientes, com o banco de atacado e o banco de investimento. Uruguai e Paraguai estão indo muito bem, com duas operações muito relevantes nos seus países e com rentabilidades muito boas. Apesar das assimetrias, a gente consegue entregar valor para o acionista e o nosso trabalho agora é continuar melhorando as operações que a gente já tem.

Pretende ir para outros países?
Não há nenhuma ambição de ampliar e nem entrar em nenhuma geografia diferente ou nova. As assimetrias são muito grandes. Isso pode virar uma distração no longo prazo. Então, a gente vai tomar muito cuidado para focar onde a gente já está, já tem muito valor, onde a plataforma já é bem relevante e tem muita oportunidade ainda para capturar nesses países.