Os argentinos entraram na segunda-feira, 13 de novembro, na última semana de campanha presidencial em meio à maior crise econômica do país em mais de dez anos. E sob a sombra de um pequeno trunfo que cada um dos dois candidatos desfruta para buscar os votos que precisam para obter a vitória no segundo turno no domingo, 19.
O ministro da Economia e candidato do governo, o peronista Sergio Massa, chega na reta final fortalecido pela clara vitória obtida no debate de domingo contra o opositor Javier Milei, deputado libertário de ultradireita que se autointitula anarcocapitalista.
A eventual vantagem de Massa no debate do último domingo, porém, foi arranhada com a divulgação, nesta segunda-feira, do índice de inflação de outubro, de 8,3%, elevando o índice anual para 142,7% - o maior da Argentina em 32 anos.
Milei, por sua, vez, aposta na manutenção de sua pequena vantagem na última pesquisa divulgada na sexta-feira, 10: 52% das intenções contra 48% de Massa, segundo levantamento do instituto Atlas Intel. De acordo com a legislação argentina, novas sondagens não podem mais ser divulgadas até a eleição.
O fato de apenas pouco mais de 2% dos eleitores se mostrarem indecisos reforça o equilíbrio e a expectativa dos argentinos em relação à eleição. Como pano de fundo, há muita tensão em relação ao agravamento da crise no período entre a próxima segunda-feira, 20 de novembro, dia seguinte à eleição, e a posse do vencedor, marcada para 10 de dezembro.
Com taxa de juros de 118% ao ano, o dólar cotado a quase 1.000 pesos e reservas cambiais negativas, a crise econômica foi o principal teme da campanha e dominou o debate presidencial de domingo, marcado por troca de acusações pessoais e golpes de baixo nível.
Milei defendeu sua principal e polêmica proposta – a dolarização da economia –, além de prometer fechar o Banco Central da Argentina (BCRA) para acabar com “o câncer da inflação” e visar o crescimento econômico.
Já Massa – que obteve a proeza de chegar ao segundo turno com chances de vitória, apesar de comandar uma economia afundada na crise – sustentou que o seu programa inclui a revisão do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que considera inflacionário, e acenou com uma proposta de simplificação tributária (incluindo tarifa zero para exportações), perseguição do equilíbrio fiscal e busca de competitividade cambial.
Para o economista Luiz Secco, professor da Universidade La Plata e fundador da consultoria Perspectivas Econômicas, a conclusão do debate de domingo é que não se sabe como o candidato vencedor vai conduzir a economia argentina.
“A promessa de Milei de fechar o banco central não é fácil de executar e a proposta de dolarizar a economia não é simples de colocar em prática no curto prazo, nem política nem tecnicamente”, diz ele.
Secco complementa: “Massa por sua vez, prometeu no debate fazer o contrário do que está fazendo como ministro. Como acreditar nele?”
A reação pouco incisiva do câmbio mostrou o grau de letargia que tomou conta dos argentinos, à espera do resultado eleitoral. O dólar blue, como é conhecida a cotação no mercado paralelo, estava cotado a 875 pesos para compra e 925 pesos para a venda, 35 pesos a menos do que no fechamento anterior.
Medo e corrupção
O debate de domingo expôs por que a atual campanha presidencial está marcada por uma estratégia que visa mais enfraquecer o adversário do que trazer propostas para solucionar a crise.
Massa claramente fez o jogo do medo – tentar incutir nos argentinos o risco de eleger um candidato, Milei, que entrou na política há dois anos, ao se eleger deputado, com propostas mirabolantes de sua teoria libertária, que visa enfraquecer o Estado e deixar o mercado conduzir a economia, com venda de estatais, fim de subsídios e terceirização de educação e saúde.
O candidato oposicionista, por sua vez, apostou na mensagem de luta contra a “casta”, como se refere ao establishment político peronista, marcado pela ineficiência e corrupção, que tem Massa e suas alianças espúrias como símbolo.
O candidato governista começou a ganhar o debate logo no primeiro bloco, quando encurralou o adversário no tema Economia, que, teoricamente, era o mais difícil por ter de defender sua gestão desastrosa. Sua estratégia foi fazer perguntas diretas a Milei, terminando sempre a elaboração com um “sim ou não, Javier?”.
Respondendo por impulso, Milei perdeu a maior parte de seu tempo e deixou de explorar a péssima gestão de Massa: “Sim, vamos dolarizar e acabar com o câncer da inflação”, “sim, vou acabar com o Banco Central” e “quando a economia se recuperar vamos retirar os subsídios”, respondeu Milei.
Milei também se deu mal no segundo bloco, após Massa desferir dois ataques baixos: num deles, perguntou se ele havia mesmo sido reprovado no estágio que fez no Banco Central por causa de um teste psicotécnico, afirmando que era uma prova de que ele não teria “equilíbrio mental”.
Depois, revelou que a família de Milei tem imóveis em Miami – nos dois casos, informação obtida ilegalmente, junto a órgãos do governo, o que foi pontuado por Milei. Mas o estrago estava feito.
Massa ainda questionou Milei pelo custo econômico de romper relações diplomáticas com países importantes, como a China ou o Brasil, os dois principais parceiros comerciais da Argentina. “É falso”, respondeu o libertário, garantindo que não vai romper relações diplomáticas e que a sua intenção é deixar o comércio internacional ser “livre”, apenas entre entidades privadas.
Diante das cinco vezes em que Massa pediu aos argentinos para irem ao YouTube ver declarações polêmicas do rival, como as críticas ao papa, Milei retrucou: “Vejam o vídeo inteiro com minhas falas, não os editados pelos marqueteiros brasileiros de Massa”.
Futuro incerto
Para o economista Secco,a dúvida dos argentinos sobre o que vai ocorrer no período entre o fim da eleição de domingo, e a posse do presidente eleito continua em aberto.
“Se Massa vencer, provavelmente sai do governo imediatamente, com a possibilidade de a equipe econômica aprovar algumas medidas que facilitem quando assumir, como o envio de proposta de Orçamento para 2024 e decretação de algumas medidas impopulares”, diz. No caso da vitória de Milei, Secco diz que o atual governo “não deverá facilitar a transição”.
O economista também tem dúvidas qual seriam as primeiras medidas do novo presidente. “Os meses de janeiro e fevereiro serão importantes para reexaminar as contas públicas e corrigir os preços relativos de produtos e as tarifas dos serviços públicos”, diz.
Cético, diz que grandes mudanças caso Massa seja eleito seriam “quase um milagre”. “Mudar a Argentina exige medidas conflitivas, mudança é sempre sinônimo de conflito, e Massa é especialista em evitar conflitos.”
Quanto a Milei, a grande interrogação é sua capacidade política para obter respaldo parlamentar para fazer mudanças. “A dúvida é se, caso venha com um choque econômico, o choque vai ser proativo, por meio de um plano integral, ou reativo, para amenizar a crise.”
Secco não vê dificuldade de Milei se cercar de especialistas indicados por novos aliados, como o ex-presidente Mauricio Macri. “O problema será a convivência com Milei, não será fácil ser ministro de seu governo.”