Cerca de 4,9 mil quilômetros percorridos em oito dias. No caminho, oito cidades brasileiras, de seis Estados diferentes. Do Mato Grosso do Sul ao Ceará. No último domingo, dia 1⁰ de setembro, Lucas Moraes cumpriu o extenso trajeto do Rally dos Sertões 2019 e sagrou-se vencedor na categoria carros, ao lado de Kaique Bentivoglio.
A vitória veio em sua segunda participação na famosa competição. E pode servir de inspiração para um outro importante roteiro a ser cumprido pelo piloto.
Membro da quarta geração da família Ermírio de Moraes, ele faz jus à veia empreendedora do clã, responsável pelo grupo Votorantim, que controla oito empresas em segmentos como energia, cimentos e mineração. E que apurou um faturamento de R$ 31,9 bilhões em 2018.
Aos 28 anos, Moraes é um dos nomes à frente da Olivia, startup que desenvolveu um aplicativo baseado em inteligência artificial para auxiliar os usuários a economizarem com seus gastos. Fundada em 2015, nos Estados Unidos, por ele e por Cristiano Oliveira, a companhia desembarcou recentemente no Brasil. E se prepara agora para ganhar tração no País.
“Empreender é o esporte mais difícil”, brinca Moraes, que traça alguns paralelos entre esses dois mundos. Trabalho em equipe, confiança em quem está ao seu lado e a necessidade de renovar, diariamente, suas estratégias. “A diferença é que o Rally dos Sertões são oito dias. Nos negócios, são 365 dias, 24x7.”
A bordo nessa jornada, o aplicativo da Olivia funciona como uma espécie de “robô poupador”. Ele passa, inicialmente, pela conexão com os dados transacionais do usuário, sob seu consentimento. E busca enriquecer esse conteúdo com novas informações e o uso de inteligência artificial.
A base de dados para traçar uma análise sobre a vida financeira do usuário é diversa. Ela inclui fontes como hábitos de consumo, aplicações que o usuário possui, suas despesas fixas e variáveis, e também informações de outros serviços, como o Waze.
A partir desse conteúdo, o aplicativo sugere limites de gastos diários, identifica quais são as categorias nas quais ele mais gasta e faz recomendações sobre como é possível economizar.
Nessa última frente, a Olivia consegue antecipar, por exemplo, a sugestão de um restaurante similar ao que o consumidor costuma frequentar, mas que possui um custo mais acessível. Da mesma forma, a startup pode oferecer descontos em variados segmentos, por meio de parcerias, de acordo com o comportamento de compra daquele usuário.
“Nós brincamos que o objetivo é ser o carro autônomo da vida financeira das pessoas”, afirma Moraes. “Se daqui a dez anos, você não vai mais se preocupar em dirigir, talvez não se preocupe também com o seu dinheiro.”
Para André Miceli, coordenador de negócios digitais da Fundação Getulio Vargas, o uso da inteligência artificial é um caminho inevitável em frentes como o controle dos gastos. “Ainda levará um bom tempo para chegar ao ponto de um aplicativo gerir integralmente a vida financeira de uma pessoa”, diz Miceli.
Ele ressalta que, do ponto de vista tecnológico, isso já é possível. “Mas, no fim do dia, tudo vai depender do apetite do usuário para calibrar essas informações e adotar esse modelo.”
Investimentos
Enquanto não alcança esse estágio, a Olivia contabiliza os recursos atraídos pela operação. Em fevereiro deste ano, a startup recebeu dois aportes. O primeiro, de valor não revelado, feito pela XP Investimentos.
Já a segunda rodada, de R$ 1,5 milhão, envolveu o fundo BR Startups, que tem como gestora a MSW Capital e empresas como Microsoft e Banco Votorantim entre seus cotistas. A companhia programa ainda o anúncio de um novo aporte, nas próximas semanas.
Boa parte dos recursos está sendo aplicada na estruturação dos negócios no Brasil. Hoje, no País, o aplicativo já está conectado e disponível para correntistas do Itaú e do Banco do Brasil. A empresa tem negociações avançadas com os outros três grandes bancos em atuação no mercado local.
Nos Estados Unidos, a Olivia está conectada a cerca de 14 mil instituições financeiras e possui uma base de 100 mil usuários ativos. No Brasil, o aplicativo está sendo testado por 2,5 mil consumidores. E possui uma lista de espera com outras 20 mil pessoas.
Na contramão do caminho escolhido por boa parte das startups, a estratégia inicial da Olivia para crescer essa base é o estabelecimento de parcerias com outras empresas, como a própria XP, para a qual a companhia desenvolveu o robô Max.
No Brasil, o aplicativo está sendo testado por 2,5 mil consumidores. E possui uma lista de espera com 20 mil pessoas
“Nós entendemos que, com a distribuição de parceiros que já têm escala e uma boa base, o custo de aquisição de usuários é menor”, afirma Moraes. Ele cita o exemplo dos Estados Unidos, onde o gasto para atrair um download gira em torno de US$ 70. “Imagine quantas rodadas de investimento teríamos que captar só para essa frente. E estamos falando de um download, não de um usuário ativo, onde o custo é ainda maior.”
Outro parceiro na carteira é um velho conhecido de Moraes: o Banco Votorantim. Engana-se, porém, quem pensa que os laços familiares facilitaram o acordo. Ao contrário. “É um processo mais difícil. Eles têm um componente forte de meritocracia”, afirma. “Para ser aprovado, o projeto tem que ser muito bom e gerar, de fato, valor.”
Com o Banco Votorantim, que possui uma base de 700 mil usuários, a Olivia embarcou seu aplicativo no cartão de crédito da instituição. A ideia é ajudar os clientes a gastarem melhor com esse recurso. Entre outras funções, são oferecidos descontos de acordo com os hábitos de consumo.
A startup também está desenvolvendo um teste com o programa de fidelidade Dotz, no qual a Olivia vai acessar a base de dados da companhia, focada no varejo, para “aprender” sobre as suas transações.
A base de dados do Dotz tem mais de 700 milhões de transações, que inclui itens comprados associados ao CPF do usuário. A ideia, a princípio, é usar a Olivia em um superaplicativo que será lançado em outubro. “Vamos usar a tecnologia para fazer recomendações”, diz Roberto Chade, presidente da Dotz.
Outros acordos na vertente de oferta de descontos estão no radar. Nessa seara, a prioridade são segmentos como supermercados, telefonia móvel, restaurantes e entretenimento.
Parte dos recursos captados também está sendo usada para a construção da marca e para a preparação de uma campanha. O lançamento oficial no País, por sua vez, será realizado no início de 2020.
Além do Brasil e dos Estados Unidos, a Olivia já chegou também a Irlanda. A empresa está desenvolvendo um projeto-piloto com uma instituição financeira de nome não revelado, há cerca de dois meses. O próximo passo é estender a cobertura para todo o país.
Duas rodas
Apesar do sobrenome, empreender não foi a primeira opção de Moraes. Assim como o seu contato com os esportes não se resume ao Rally dos Sertões. Dos 15 aos 25 anos, ele foi piloto profissional de motocross. Nesse período, participou de competições e conquistou títulos no Brasil e nos Estados Unidos, com o apoio de marcas como Suzuki e Yamaha.
A carreira foi interrompida com a descoberta de uma doença, que evoluiu para uma lesão no quadril. O que o impediu de seguir competindo. Ele, no entanto, mostrou jogo de cintura e virou rapidamente a chave.
Depois de concluir a faculdade de administração no Brasil, mudou-se para os Estados Unidos, onde frequentou cursos na Universidade de Stanford e na Singularity University.
A decisão de criar a empresa no Vale do Silício veio da necessidade de estar próximo do que há de mais avançado em inteligência artificial
Foi lá que conheceu o parceiro Cristiano, com quem fundou a Olivia. Nos primeiros passos, a dupla chegou a comprar dados transacionais de colegas para testar o modelo. As análises, porém, eram feitas manualmente, com base na “inteligência natural.”
A decisão de criar a empresa no Vale do Silício veio da necessidade de estarem próximos do que há de mais avançado em inteligência artificial. Bem como da oferta mais ampla de especialistas e profissionais da área. “Mas trazer a empresa para o Brasil sempre esteve no escopo”, diz o empreendedor.
Esse desejo também estava ligado à vontade de fazer algo que tivesse alguma sinergia com o Banco Votorantim. O que foi concretizado com a recente parceria. “O grupo tem 100 anos e precisa se reinventar para existir outros 100”, afirma Moraes.
Parte dessa reinvenção, ao que tudo indica, já passa pelo leque mais amplo de ocupações das novas gerações do clã. “Antes, a família tinha apenas engenheiros, administradores e economistas. Hoje, os caminhos escolhidos são muito mais diversos.”
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