O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) recebeu um pedido para instaurar uma nova apuração sobre condutas do Wellhub. Na quarta-feira, 26 de junho, duas academias de ginástica protocolaram documentos no órgão por prática de anti concorrência da nova marca da Gympass.

A questão da exclusividade é um tema recorrente para a plataforma de benefícios fitness, que em abril deste ano rebatizou a sua marca de Gympass para Wellhub. Em 2020, uma primeira denúncia foi feita ao Cade pela TotalPass. Na época, a empresa criada nos corredores da Smart Fit acusou a rival de prejudicar a concorrência ao firmar acordos dessa natureza com as academias.

Na sequência, uma decisão preliminar proibiu a então Gympass (agora Wellhub) de fechar novos contratos nesses moldes a partir do fim de 2021. Já em 2022, o Wellhub assinou um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) com o Cade, que, entre outras questões, limitava a exclusividade a 20% da sua base em cada região.

Agora, a Tecfit, conhecida como a academia sem peso, com quase 50 unidades em todo o País, e a Power Life Gym, academia localizada em Bauru, no interior de São Paulo, acusam o Wellhub de descumprimento do TCC com o Cade.

“Eu fui coagido a ter de assinar um novo contrato de exclusividade com o Wellhub”, diz Felipe Castro, fundador e CEO da Tecfit, ao NeoFeed, sobre a principal alegação da rede. “Ou eu assinava nesses termos ou eles me ‘ejetavam’ da plataforma. Essa foi a ameaça.”

Com presença em 11 países, o Wellhub não divulga dados do mercado local, tampouco seu volume de parceiros e usuários. No mundo, a companhia diz atender mais de 15 mil empresas clientes.

Mas, após o compromisso assinado com o Cade, o Wellhub viu a TotalPass avançar várias casas e abocanhar boa parte desse mercado - um segmento com uma base estimada de 29 mil academias no Brasil.

Há pouco mais de um ano, a plataforma tinha 8 mil academias em sua rede e cerca de 3 mil empresas clientes. Nesse período, a TotalPass chegou a acordos com aproximadamente 20 mil academias no Brasil e, assim como a rival, aposta num modelo B2B, com uma carteira de 10 mil empresas e 5 milhões de usuários.

“Eles me disseram que não tinha como coexistir com a TotalPass na minha rede”, conta Castro, da Tecfit. “A sensação é que perderam a mão. Até pouco tempo, eles tinham praticamente todo o mercado e, agora, olham um rival que começou a ganhar terreno. E decidiram que precisam frear esse cara.”

Em resposta por escrito encaminhada ao NeoFeed, o Wellhub diz que "nós não forçamos nenhum parceiro a ser exclusivo em nossa plataforma. Muitas das academias e estúdios em nossa rede veem o grande valor de ter uma parceria exclusiva com o Wellhub, dada a nossa ampla rede de clientes corporativos e seus milhões de colaboradores. Especialmente quando não há conflito de interesse em relação a outras plataformas, nossos parceiros decidem voluntariamente trabalhar apenas conosco. Reservamo-nos o direito de manter parcerias ou não, de acordo com as condições comerciais acordadas entre ambas as partes".

"Estamos investindo nesse mercado há 12 anos e estamos orgulhosos do que construímos junto com nossos parceiros, investindo em seus estabelecimentos e vendo-os expandir e crescer seus negócios junto conosco. Seguimos rigorosamente as orientações do compromisso que assinamos com o Cade e estamos comprometidos a continuar agindo dessa forma. Continuaremos a investir em nossos parceiros - pois essa é a nossa estratégia central - especialmente os menores que por vezes têm dificuldades para enfrentar a concorrência com grandes players", complementa o Wellhub.

Convivência tempestuosa

A rede de estúdios de eletroestimulação Tecfit, distribuída em 22 cidades, é parceira exclusiva do Wellhub praticamente desde que foi fundada, em 2017.

Mas, segundo Castro, a plataforma não vinha demonstrando pressa para renovar o último contrato, que vigorou até agosto de 2023 e que, devido ao impasse na negociação, ainda não foi atualizado.

Essa postura mudou, porém, em fevereiro deste ano, a partir de um primeiro piloto com a TotalPass, em uma unidade próxima à avenida Paulista, em São Paulo. Um mês depois, a Tecfit iniciou a expansão da plataforma para toda a sua rede, o que coincidiu com o início da pressão do Wellhub pela renovação.

Em sua denúncia apresentada ao Cade, cujo trâmite, assim como o da Power Life, pode gerar uma investigação e eventuais sanções, a Tecfit ressalta um segundo elemento além das ameaças visando a exclusividade.

De acordo com a empresa, seu faturamento com o Wellhub começou a registrar uma queda acentuada, “sem qualquer explicação racional”, a partir de fevereiro deste ano, o que coincidiu exatamente com o início da parceria com a TotalPass.

“Essa coincidência temporal sugere que a Gympass, ao tomar ciência da nova parceria da denunciante com a concorrência, deliberadamente reduziu o direcionamento de seus novos usuários para as academias da rede Tecfit”, destaca um trecho do documento, ao qual o NeoFeed teve acesso.

A companhia pontuou, por exemplo, que em março de 2024, já sem o contrato de exclusividade em vigor, a redução de novos usuários foi de 35% sobre igual período de 2023. Em abril e maio deste ano, as quedas foram de 27% e 28%, respectivamente.

“É um impacto grande de fluxo, mas eu tenho várias unidades. Eu não morro e tenho como pagar um advogado para me defender”, diz Castro. “Mas isso mata a academia menor. O Cade precisa se mobilizar e criar um canal para escutar essas pessoas que não querem se expor como eu estou me expondo.”

Das entrelinhas aos descontos

Em condição de anonimato, um desses pequenos empresários falou ao NeoFeed. Proprietário de uma academia no interior de São Paulo, ele também tem uma relação duradoura com o Wellhub, que data de 2017. Mas em 2022, após a decisão do Cade, incluiu a TotalPass nesse pacote.

Há cerca de um mês, ele foi contatado pela antiga parceira. O e-mail informava que, em função da mudança de nome de Gympass para Wellhub, era preciso assinar um novo contrato, que estava anexado à mensagem.

“Nós sempre tivemos uma boa relação e eu assinei normalmente, como eu sempre fiz”, afirma ele. “Cerca de 15 dias depois, eu recebi uma nova mensagem me cobrando o comprovante de que eu havia cancelado o meu contrato com o concorrente.”

Foi quando ele descobriu que havia assinado um contrato que, em suas 14 páginas, incluía uma cláusula de exclusividade. Entre outros termos, o documento estabelecia uma multa no valor do faturamento da academia com o Wellhub nos últimos seis meses, caso mantivesse sua parceria com a rival.

“Eu sou leigo nesses assuntos. Minha inocência foi assinar como se fosse a renovação pela mudança da marca [Gympass para Wellhub]”, diz ele. “Agora, o prejuízo é 100% meu. O Wellhub representa 25% do meu faturamento, mas a TotalPass já respondia por 10% e vinha crescendo. Para mim, o ideal é ter os dois.”

Em resposta enviada ao NeoFeed, o Wellhub diz que "nenhum de nossos parceiros foi obrigado a assinar novos contratos ou contratos de exclusividade como parte do nosso rebranding, pois apenas mudamos nosso nome fantasia, não nossa razão social. Desde a nossa mudança de marca, as empresas continuam a ver a oportunidade de trabalhar com o Wellhub para promover o bem-estar dos colaboradores, e esse efeito continua a beneficiar o nosso ecossistema de parceiros com novos clientes e novas fontes de receita".

O NeoFeed teve acesso ao “formulário de serviços para parceiros”. A cláusula 3 trata de responsabilidades do parceiro, que traz no item 3.9: “Durante o Período de Garantia, o Parceiro não poderá celebrar ou continuar qualquer parceria, direta ou indiretamente, com qualquer empresa que preste serviços de intermediação de atividade física e/ou quaisquer fornecedores de serviços que forneçam serviços semelhantes ao Gympass”.

Nos subitens 3.9.1 e 3.9.1.1, há um reforço sobre as penalidades: “O Parceiro reconhece que esta cláusula 3.9 é importante para este Contrato devido ao investimento feito pelo Gympass em forma de Garantia. Se o Parceiro violar a obrigação de exclusividade, tal violação será considerada uma violação de uma obrigação essencial nos termos deste Contrato e, sem prejuízo de quaisquer outros direitos do Gympass, será aplicado o seguinte: o Preço por validação e o Pagamento total máximo por usuário por mês serão reduzidos em 50%”.

Conforme apurou o NeoFeed, há mais casos de parceiros que estão recebendo essas mensagens com a mesma alegação. E que, sem conhecimento jurídico ou recursos para submeter o documento a um advogado, acabam por assinar o acordo sem ler todas as cláusulas.

“Infelizmente, no nosso mercado, a grande maioria das pessoas não entende do próprio negócio”, afirma o proprietário de uma outra rede de academias de São Paulo. “Boa parte se formou em Educação Física e não tem conhecimento de gestão.”

Ele ressalta, porém, que essa não é a única tática que vem sendo adotada pelo Wellhub para convencer ou mesmo pressionar os parceiros. Uma das condutas que têm sido recorrentes é o chamado desconto por volume, que também foi alvo do TCC assinado com o Cade.

Essa prática envolve a cobrança de taxas progressivas de até 20% sobre os valores totais a serem repassados pela Wellness aos parceiros. O índice varia de acordo com o faturamento alcançado pelas academias com usuários da plataforma.

A inclusão dessa cláusula é um dos pontos citados na denúncia da Power Life Gym ao Cade. O Wellhub teria feito essa sugestão em 2023, como uma condição para reajustar os valores repassados à parceira, depois de a academia questionar o fato deles estarem defasados.

“Em vez de ser recompensada pelo aumento do volume de clientes, a academia parceira é, a bem da verdade, penalizada, recebendo menos dinheiro por cliente adicional atendido”, observou a Power Life, ao recorrer ao Cade.

Já no início de 2024, o Wellhub passou a propor a celebração de um contrato de exclusividade e, em uma de suas interações, via e-mail, informou “explicitamente” que a academia não teria descontos adicionais na receita se concordasse com esse modelo.

“Eles têm feito essa ameaça a muitos parceiros”, diz o dono de outra academia. “O fato é que a plataforma não traz só malefícios. Eu teria perdido muitos clientes para as grandes redes sem eles. Mas o Gympass virou um monstro e se você não toma cuidado, ele te estrangula e engole teu negócio.”

O que dizem as plataformas

Nesse contexto, na ponta da concorrência, a TotalPass ressaltou em nota ao NeoFeed que foi surpreendida no último mês com 150 pedidos de rescisão de academias que alegaram a imposição de cláusula de exclusividade feita por “um concorrente”.

A plataforma destacou que, ainda que esse volume represente menos de 1% de sua rede de mais de 20 mil academias parceiras, o número é dez vezes maior que a sua média mensal de cancelamentos.

“Ao mesmo tempo, passamos a receber centenas de contatos de pequenos empresários assustados e desnorteados com a inclusão de uma cláusula de exclusividade imposta por este concorrente que tenta obrigá-los a romper a parceria com a TotalPass”, observa a empresa.

“A TotalPass estuda as medidas judiciais cabíveis e também representações junto ao Cade para resguardar seus direitos e preservar a livre concorrência no mercado fitness do país”, complementa a nota da empresa.

Rebatizada como Wellhub em abril de 2024, a nova marca da Gympass busca representar a mudança do modelo da empresa brasileira. Da “Netflix das academias”, quando foi fundada em 2012, para uma plataforma de bem-estar, com acesso à nutrição, mindfullness, além do fitness. Com seu nome de batismo, a startup atraiu fundos como Softbank, captou US$ 605 milhões e foi avaliada em US$ 2,4 bilhões.

"O Wellhub tem colaborado com o Cade e sempre agiu eticamente, cumprindo toda a legislação antitruste. Seguimos dedicados a apoiar o crescimento de nossos parceiros e estamos exclusivamente posicionados para fazer isso através de nossa base global de clientes corporativos e milhões de assinantes. O Wellhub desenvolveu um modelo de parceria único que permite um crescimento escalável e o sucesso a longo prazo desse próspero ecossistema. Mais de 80% dos membros do Wellhub não tinham uma assinatura de academia antes de ingressar na nossa plataforma e 90% são novos clientes para os nossos parceiros."